Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro de 1995

Decreto-Lei n.º 39/95 de 15 de Fevereiro Visa o presente diploma consagrar, na área do processo civil, uma solução legislativa que, embora corrente noutros ordenamentos jurídicos, é, no nosso, substancialmente inovadora, ao prever e regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida, pondo termo ao peso excessivo que a lei processual vigente confere ao princípio da oralidade e concretizando uma aspiração de sucessivas gerações de magistrados e advogados.

Tal admissibilidade do registo das provas produzidas ao longo da audiência de discussão e julgamento permitirá alcançar um triplo objectivo: Em primeiro lugar, na perspectiva das garantias das partes no processo, as soluções ora instituídas implicarão a criação de um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais - e seguramente excepcionais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito.

É bem sabido que tal garantia, no sistema em vigor, se mostra, em larga medida, insuficiente, já que - salvo naturalmente nos casos excepcionalíssimos em que toda a prova relevante consta dos autos - a relação, apesar de teoricamente conhecer de facto e de direito, se limitará, para além de reapreciar questões puramente jurídicas, a uma mera cassação de vícios lógicos ou intrínsecos patentes face ao texto da própria decisão recorrida e seus fundamentos, sendo, porém, perfeitamente inviável, perante o estatuído no artigo 712.º do Código de Processo Civil que o erro, ainda que manifesto, na livre apreciação das provas possa ser sindicado pelo tribunal ad quem, desde que não tenha inquinado as respostas à matéria de facto e a respectiva motivação, em termos de determinar a anulação do julgamento; Em segundo lugar, o registo dos depoimentos prestados em audiência configura-se seguramente como meio idóneo para afrontar o clima de quase total impunidade e da absoluta falta de controlo que - precisamente por força do referido peso excessivo da oralidade e da audiência - envolve o possível perjúrio do depoente que intencional mente deturpe a verdade dos factos.

Importa, na verdade, reconhecer que a total falta de registo dos depoimentos prestados no decurso da audiência final poderá facilmente estimular os colaboradores da justiça menos escrupulosos a nem sempre serem fiéis à verdade dos factos e prudentes nas respectivas afirmações, encorajados pela muito remota possibilidade de, no futuro, virem a ser efectivamente confrontados com o teor das suas declarações e depoimentos e por elas responsabilizados; Finalmente, o registo das audiências e da prova nelas produzida configura-se ainda como instrumento adequado para satisfazer o próprio interesse do tribunal e dos magistrados que o integram, inviabilizando acusações de julgamento margem (ou contra) da prova produzida, com os benefícios que daí poderão advir para a força persuasiva das decisões judiciais e para o necessário prestígio da administração da justiça. O registo das provas permitirá ainda auxiliar de forma relevante o próprio julgador a rever confirmar no momento da decisão, com maior segurança, as impressões pessoais que foi colhendo ao longo de julgamentos demorados, fraccionados no tempo e comportando a inquirição de numerosos depoentes sobre matérias complexas.

Daí que, no articulado proposto (artigo 522.º-B) se venha permitir que seja o próprio tribunal a determinar oficiosamente a gravação da audiência, sempre que apesar de as partes terem prescindido da documentação da prova, se entenda que os interesses da administração da justiça a reclamam.

O estabelecimento desta inovadora garantia das partes consistente na possibilidade de requerer e obter o integral registo das audiências e a consequente efectividade de um 2.º grau de jurisdição na apreciação do pontos questionados da matéria de facto - suscita desde logo, a questão da sua articulação com a tradicional garantia decorrente da colegialidade da decisão sobre a matéria de facto. Deverá, designadamente consentir-se na acumulação destas duas garantias, sobrepondo à intervenção do colectivo o integral registo das provas perante ele produzidas? A opção tomada no presente diploma foi no sentido de considerar que o sistema de gravação integral da prova produzida, a requerimento de alguma das partes, e a simultânea intervenção do colectivo na respectiva produção e livre apreciação representariam uma desproporcionada duplicação de garantias, dificilmente justificável quando ponderada em função dos critérios de eficácia e economia processuais e da racionalidade no aproveitamento integral dos meios disponíveis.

Não pareceu, na realidade, que fizesse sentido colocar três juizes a apreciar a prova produzida no julgamento em 1.' instância - a qual será inteiramente gravada - e que, quando impugnada, irá ser reapreciada, nos pontos concretamente questionados, por três juízes desembargadores.

Neste sentido - e no âmbito do processo ordinário - o requerimento de gravação da prova a produzir na audiência final determinará o surgimento de mais um caso em que a lei de processo - para a qual a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, quanto a este ponto, devolve - dispensa a intervenção do colectivo [alínea c) do n.º 2 do artigo 646.º].

No processo sumário, o requerimento em que alguma das partes solicita a gravação determina que fique sem efeito o eventual pedido de intervenção do colectivo que a outra parte porventura houvesse deduzido (n.ºs 2 e 4 do artigo 791.º).

A consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto não deverá redundar na criação de factores de agravamento da morosidade na administração da justiça civil.

Importava, pois, ao consagrar tão inovadora garantia, prevenir e minimizar os riscos de perturbação do andamento do processo, procurando adoptar um sistema que realizasse o melhor possível o sempre delicado equilíbrio entre as garantias das partes e as exigências de eficácia e celeridade do processo de modo a obviar que o aparente reforço daquelas pudesse redundar na violação do fundamental e básico direito à obtenção de uma decisão final em prazo razoável.

A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e...

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