Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro de 2003

Decreto-Lei n.º 309/2003 de 10 de Dezembro O Programa do XV Governo Constitucional previu a criação de uma autoridade reguladora específica para o sector da saúde.

De facto, após definir as principais orientações da 'reforma do sector da saúde', aquele Programa prevê a 'criação de uma entidade reguladora, com natureza de autoridade administrativa independente, que enquadre a participação e actuação dos operadores privados e sociais no âmbito da prestação dos serviços públicos de saúde'.

Tal previsão tem já estatuição normativa nos Decretos-Leis n.os 185/2002, de 20 de Agosto, e 60/2003, de 1 de Abril, que regulam, respectivamente, os regimes jurídicos subjacentes às parcerias público-privadas (PPP) na área do serviço público de saúde, e da definição da rede de cuidados primários de saúde.

Deste modo, estando desde já definida a intervenção de uma entidade reguladora sectorial para o sistema de saúde no que respeita a situações de participação ou cooperação de entidades privadas ou sociais no âmbito do serviço público de saúde, cabe, igualmente, determinar a sua intervenção no âmbito de outras formas institucionais de organização do serviço público de saúde, ou mesmo para além dele, com inclusão dos sectores privado e social da área da saúde.

Esta intervenção é tanto mais importante quando se encontra em curso uma profunda reforma do sector da saúde.

Com efeito, por um lado, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) contará, no âmbito desta reforma, com uma participação acrescida e diversificada de operadores sociais e privados, integrados nas redes nacionais de cuidados primários, hospitalares e continuados.

Por outro lado, as próprias unidades hospitalares de saúde públicas passaram a dispor de uma grande autonomia de gestão, de tipo empresarial, num quadro de 'mercado administrativo' gerador e potenciador de dinâmicas novas que não podem ser reguladas de forma tradicional.

Regista-se, pois, uma grande diversificação de plataformas institucionais, de onde sobressai a existência de mais de três dezenas de hospitais transformados em empresas públicas na modalidade de sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos.

A potenciar esta diversificação, surgirão ainda novos hospitais do SNS construídos e geridos (durante o prazo da respectiva concessão) em 'parceria público-privada' e regime de gestão igualmente privada.

No que respeita aos próprios cuidados primários, os centros de saúde também foram objecto de uma profunda reforma, incluindo a possibilidade de abertura da sua gestão a grupos de profissionais ou a entidades privadas e de solidariedadesocial.

Estas transformações têm duas importantes consequências em matéria de regulação, que implicam uma concomitante reforma desta.

Em primeiro lugar, por efeito das referidas reformas institucionais, parte das entidades prestadoras de cuidados de saúde do SNS, sejam públicas, sociais ou privadas, por delegação ou concessão de serviço público, deixam de estar sujeitas ao comando administrativo do Estado, como até agora sucedia.

Em segundo lugar, uma vez que a generalidade dos estabelecimentos do SNS vão estar sujeitos a uma lógica empresarial, e a depender portanto da quantidade e qualidade dos serviços que consigam produzir e prestar, tal gera, potencialmente, factores de competição indesejáveis que só podem ser prevenidos e corrigidos por intervenção de uma autoridade externa.

Nestes termos impõe-se uma reforma do sistema de regulação e supervisão, assente nos seguintes princípios: a) Separação da função do Estado como regulador e supervisor, em relação às suas funções de operador e de financiador, mediante a criação de um organismo regulador 'dedicado'; b) Atribuição de uma forte independência ao organismo regulador, de modo a separar efectivamente as referidas funções e a garantir a independência da regulação, quer em relação ao Estado operador quer em relação aos operadores em geral.

São duas as razões principais para essa solução, em relação à tradicional solução da regulação governamental directa ou indirecta, por meio de direcções-gerais e de institutos públicos convencionais, submetidos a orientaçãoministerial.

Por um lado, a necessidade de estabelecer uma adequada distância entre a política e o mercado, conferindo à actuação reguladora uma estabilidade que só uma autoridade independente pode proporcionar, justamente porque não sujeita a evoluções conjunturais.

Por outro, mantendo o Estado, sobretudo nos serviços públicos, um papel muitas vezes decisivo como operador, então tudo justifica que o papel como regulador e como operador não se confundam, já que o regulador deve regular não somente os operadores sociais ou privados mas também os operadores públicos.

Torna-se então necessário prever os vários princípios em que assenta esse modelo: a) Delimitação suficientemente rigorosa das tarefas de definição da orientação estratégica e das políticas para o sector - que devem competir ao Governo face à função de regulação 'secundária' e de supervisão técnico-administrativa e económica, que deve caber a um organismo independente do poder político; b) Independência orgânica do órgão regulador, cujos membros devem ter um mandato relativamente longo e não devem poder ser destituídos, salvo por falta grave; c) Independência funcional do órgão regulador, dentro dos limites legalmente impostos; d) Garantias de independência face aos operadores, mediante o estabelecimento das necessárias incompatibilidades, períodos de 'quarentena' a seguir ao termo de funções, etc.; e) Definição de adequados mecanismos de responsabilização pública da entidade reguladora, quer pela transparência, procedimentalização e fundamentação das suas decisões, sobretudo as de natureza regulamentar, quer pela obrigação de publicação de um relatório anual sobre as suas actividades, quer pela possibilidade de ser chamada à comissão parlamentar competente.

Sendo criada uma entidade reguladora dedicada para o sector da saúde e atendendo à diversificação de entidades públicas, sociais e privadas que nele operam, onde se colocam problemas de regulação similares em áreas fundamentais relativas à garantia da equidade e ao acesso dos utentes aos cuidados de saúde, ao cumprimento dos requisitos de qualidade e à garantia de segurança e dos direitos dos cidadãos, julga-se adequado estender a acção da entidade reguladora, quanto àqueles aspectos, a todos os subsectores da saúde, incluindo as instituições e estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde dos sistemas social e privado, bem como a práticaliberal.

Note-se, finalmente, que, no intuito de proceder a um recorte rigoroso do sistema regulador ora criado, se excluem da sujeição ao exercício das competências da Entidade Reguladora da Saúde quer os profissionais de saúde no âmbito das atribuições das respectivas ordens ou associações profissionais quer os estabelecimentos e serviços sujeitos a regulação sectorial específica, quais sejam, designadamente, as farmácias.

Assim: Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte: CAPÍTULO I Disposições gerais Artigo 1.º Âmbito O presente diploma cria a Entidade Reguladora da Saúde (ERS), definindo as suas atribuições, organização e funcionamento.

Artigo 2.º Natureza e regime jurídico 1 - A ERS é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio.

2 - A ERS rege-se pelas normas constantes do presente diploma, por outras disposições legais que lhe sejam especificamente aplicáveis e subsidiariamente pelo regime jurídico dos institutos públicos.

Artigo 3.º Objecto A ERS tem por objecto a regulação, a supervisão e o acompanhamento, nos termos previstos no presente diploma, da actividade dos estabelecimentos, instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde.

Artigo 4.º Independência A ERS é independente no exercício das suas funções, no quadro da lei, sem prejuízo dos princípios orientadores da política de saúde fixada pelo Governo, nos termos constitucionais e legais, e dos actos sujeitos a tutela ministerial nos termos previstos na lei e no presente diploma.

Artigo 5.º Princípio da especialidade 1 - A capacidade jurídica da ERS compreende a titularidade dos direitos e obrigações necessários à prossecução do seu objecto.

2 - A ERS não pode exercer actividades ou usar os seus poderes fora das suas atribuições, nem afectar os seus recursos a finalidades diversas das que lhe estão cometidas.

Artigo 6.º Atribuições 1 - As atribuições da ERS compreendem a regulação e a supervisão da actividade e funcionamento dos estabelecimentos, instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde, no que respeita ao cumprimento das suas obrigações legais e contratuais relativas ao acesso dos utentes aos cuidados de saúde, à observância dos níveis de qualidade e à segurança e aos direitos dosutentes.

2 - Constituem atribuições da ERS: a) Defender os interesses dos utentes; b) Garantir a concorrência entre os operadores, no quadro da prossecução dos direitos dos utentes; c) Colaborar com a Autoridade da Concorrência na prossecução de atribuições relativas a este sector; d) Desempenhar as demais funções que por lei lhe sejam atribuídas.

3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, incumbe ainda à ERS dar parecer, a pedido do Governo, sobre: a) Os contratos de concessão e gestão que envolvam as actividades de concepção, construção, financiamento, conservação e exploração de instituições e serviços, ou suas partes funcionalmente autónomas com responsabilidade...

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