Decreto-Lei n.º 424/86, de 27 de Dezembro de 1986
Decreto-Lei n.º 424/86 de 27 de Dezembro 1. A publicação do Decreto-Lei n.º 187/83, de 13 de Maio, correspondeu a uma necessidade imperiosa que se fazia sentir desde que a competência para o conhecimento dos delitos fiscais aduaneiros passou para os tribunais judiciais, por força do Decreto-Lei n.º 173-A/78, de 8 de Julho, no seguimento da corrente que sustentava que aos tribunais aduaneiros estava vedado conhecer de tais delitos, em face do disposto no n.º 3 do artigo 213.º da Constituição da República (antes da revisão de 1982).
O carácter obsoleto do Contencioso Aduaneiro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31664, de 22 de Novembro de 1941, e sobretudo a dificuldade da sua adaptação à estrutura dos tribunais judiciais e a entrada em vigor da Constituição da República em 1976 colocaram imensos e difíceis problemas.
Impunha-se alterar o estado de coisas. Foi o que se tentou com o Decreto-Lei n.º187/83.
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Este diploma clarificou muitas dúvidas, adaptou o chamado 'contencioso aduaneiro' ao direito criminal substantivo e adjectivo e sancionou medidas de política legislativa susceptíveis de permitirem um mais eficaz combate contra a criminalidade aduaneira, em crescente expansão e organização.
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Mau-grado o seu propósito clarificador - num domínio de forte especificidade e pouco conhecido -, o diploma contém muitas contradições e incongruências, fundamentalmente derivadas de uma imperfeita apreensão de princípios e institutos aduaneiros. Tendo-se eliminado problemas, outros entretanto surgiram, conduzindo a grande incerteza de soluções e, por vezes, até a soluçõesinjustas.
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Daí a publicação do presente diploma.
Não obstante a profunda mexida efectuada no Decreto-Lei n.º 187/83, a justificar não apenas a alteração da redacção de parte dos seus preceitos, mas antes a publicação de um novo diploma, conservam-se, grosso modo, as suas estruturas fundamentais, por perfeitamente adequadas.
Assim, esquematicamente, mantém-se a distinção entre crimes aduaneiros [para cujo conhecimento são competentes os tribunais judiciais, uma vez que após a revisão constitucional de 1982 se afigura irrecusável que os tribunais fiscais aduaneiros não podem conhecer de crimes (cf. o artigo 212.º, n.º 4, da Constituição)] e contra-ordenações (apenas se vai mais longe, neste domínio, eliminando as transgressões, dando seguimento à orientação irreversível há anos iniciada em todos os campos) e adoptam-se o mesmo sistema punitivo e as molduras penais previstas e, bem assim, os contornos da maior parte dos tipos legais de crimes previstos.
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Introduzem-se, contudo, profundas e importantes alterações. Entre outros objectivos, intenta-se conseguir o mais possível a conformação com princípios de direito fiscal aduaneiro que importa preservar (no que, de resto, se repristinam muitas das soluções constantes do velho Contencioso Aduaneiro, por se revelarem afinal válidas e actuais) e libertar os tribunais judiciais da necessidade de se pronunciarem sobre problemas estritamente aduaneiros, sempre difíceis para eles, dada a sua acentuada especificidade, a par de que constituem competência própria das estruturas aduaneiras.
Assim, consagra-se o princípio de que é às alfândegas que compete determinar a existência de direitos e outras imposições a pagar, proceder à sua liquidação e efectuar a sua cobrança e, bem assim, decidir sobre o destino aduaneiro das mercadorias, com recurso para os tribunais fiscais aduaneiros, nos termos do disposto no artigo 68.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril.
Alteram-se profundamente alguns tipos legais. Uns manifestamente inexequíveis, outros bastante confusos e outros ainda incongruentes. É o caso da maior parte dos tipos previstos no n.º 2 do artigo 9.º e do previsto no artigo 17.º ('Criação do risco de apreensão').
Criam-se alguns tipos novos, colmatando brechas no sistema (nomeadamente, regula-se o crime de associação criminosa, para resolver dúvidas que têm surgido), e faz-se desaparecer o crime de descaminho, por revestir interesse praticamente nulo. Nomeadamente, não se vislumbram razões suficientemente fortes para autonomizar as infracções tendo por objecto mercadorias de importação ou exportação proibida.
A natureza das mercadorias encontra suficiente relevo na qualificação da agravante especial, dentro da moldura de cada infracção. Considerações semelhantes merece a hipótese do n.º 2 do artigo 12.º em vigor.
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Em consonância com a eliminação, a prazo, das transgressões, passa a estabelecer-se a distinção entre contra-ordenações dolosas e culposas, correspondentes aquelas, de um modo geral, aos antigos delitos de descaminho e estas às transgressões.
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Mantém-se o instituto do pagamento voluntário, mas limitado ao domínio das contra-ordenações e com profundas alterações, de modo a torná-lo mais maleável, justo e eficaz. Considerou-se que o instituto não se justifica no domínio dos crimes, dado o reduzidíssimo campo da sua aplicação (sempre que haja lugar somente a pena de multa, o que ocorre em muito poucos casos), para além de que é pelo menos muito duvidosa a sua constitucionalidade neste domínio (cf. o Acórdão n.º 434 da Comissão Constitucional, de 19 de Janeiro de 1982, embora tirado a propósito do pedido de liquidação de responsabilidade, e os Acórdãos do Tribunal Constitucional de 26 de Outubro de 1983, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 332, p. 313, e de 21 de Março de 1984 e de 11 de Julho de 1984, in Diário da República, 2.' série, respectivamente de 18 de Maio de 1984 e de 11 de Janeiro de 1985).
Regulam-se aspectos de processo que se entendeu não ser conveniente remeter para a legislação subsidiária, pela necessidade de explicitação clara de alguns princípios e adopção de certos mecanismos. Consagra-se a responsabilidade criminal por actuação em nome de outrem e regula-se a responsabilidade criminal das pessoas colectivas e equiparadas nos termos em que o fez o Decreto-Lei n.º 26/84, de 20 de Janeiro, para as infracções antieconómicas.
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Sem esquecer que é nas estruturas materiais e humanas de prevenção e fiscalização aduaneiras que reside o mais eficaz instrumento de luta contra a preocupante criminalidade aduaneira, as quais importa, por isso, considerar cada vez mais com a maior atenção, espera-se que o presente diploma represente um decisivo contributo na resolução dos mais graves problemas que aos tribunais judiciais e à Administração se têm levantado, fornecendo-lhes os mecanismos adequados a uma mais pronta e eficaz actuação.
Assim: No uso da autorização legislativa conferida pelo artigo 60.º da Lei n.º 9/86, de 30 de Abril, o Governo decreta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte: CAPÍTULO I Disposições gerais Artigo 1.º Infracção fiscal Infracção fiscal aduaneira é o facto ilícito declarado punível por lei ou regulamento fiscal aduaneiro.
Artigo 2.º Crimes e contra-ordenações As infracções fiscais aduaneiras são os crimes e as contra-ordenações.
Artigo 3.º Concurso de crime e de contra-ordenação Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente punido a título de crime, sem prejuízo das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação.
Artigo 4.º Pagamento de direitos e demais imposições 1 - A condenação ou absolvição por infracção fiscal aduaneira não dispensa do pagamento dos direitos e demais imposições que forem devidos pelas mercadorias, a menos que os seus proprietários as abandonem a favor da FazendaNacional.
2 - Todavia, não são devidos direitos e outras imposições pelas mercadorias declaradas perdidas a favor da Fazenda Nacional.
3 - Não sendo declaradas perdidas, e sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 47.º, as mercadorias serão colocadas à ordem da alfândega, que decidirá se são devidos direitos e se deverá proceder-se a despacho. Desta decisão cabe recurso para o tribunal fiscal aduaneiro competente.
4 - Presumem-se abandonadas a favor da Fazenda Nacional as mercadorias referidas no número anterior que devam direitos e pertençam a pessoas condenadas por infracção fiscal se não for iniciado bilhete de despacho no prazo de dez dias a contar do conhecimento da sua colocação à ordem da alfândega ou os direitos não sejam pagos ou caucionados no prazo de dez dias a contar da ordem para o seu pagamento.
5 - A obrigação de pagar direitos prescreve decorridos vinte anos contados da decisão que ordenou o pagamento.
Artigo 5.º Pagamento em prestações 1 - O pagamento dos direitos e demais imposições devidos poderá ser autorizado em prestações semestrais, em número não superior a vinte.
2 - A autorização para o pagamento em prestações depende de caução, a prestar pelo requerente, de valor igual ao da totalidade dos direitos e demais imposições em dívida.
3 - O pagamento em prestações poderá ser requerido em qualquer estado do processo e, uma vez deferido, sobrestará à execução.
4 - A falta de pagamento de qualquer prestação implica o imediato pagamento das restantes, pelas forças da caução.
5 - A caução será levantada quando esteja satisfeita a totalidade da dívida.
Artigo 6.º Responsabilidade solidária Quando as infracções forem cometidas por diversas pessoas, todas são solidariamente responsáveis pelo pagamento dos direitos e demais imposições que forem devidos.
Artigo 7.º Alfândegas. Conceito Para efeitos do presente diploma, consideram-se alfândegas as estâncias aduaneiras, os postos fiscais, os caminhos que directamente conduzem àquelas e a estes, os depósitos aduaneiros e, em geral, os locais sujeitos a fiscalização permanente onde se efectuem o embarque e desembarque de passageiros ou operações de carga e descarga de mercadorias.
Artigo 8.º Adstrição 1 - Sem prejuízo das disposições do Código Penal e da legislação sobre processo penal, a quem se recusar a apresentar a sua escrita comercial, quaisquer documentos, papéis, livros, objectos ou mercadorias que lhe pertençam ou estejam em seu poder e cuja apresentação lhe seja ordenada por quem de direito por a julgar...
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