Decreto-Lei n.º 165/2006, de 11 de Agosto de 2006

Decreto-Lei n.o 165/2006

de 11 de Agosto

Assegurar o ensino e a valorizaçáo permanente da língua portuguesa, defender o seu uso e fomentar a sua difusáo internacional constituem tarefas fundamentais do Estado, tal como se encontram definidas na Constituiçáo. Por força das disposiçóes constitucionais, o Estado está ainda incumbido da defesa e promoçáo da cultura portuguesa no estrangeiro e de facultar aos filhos dos portugueses residentes no estrangeiro o acesso a essa cultura, bem como ao ensino da língua materna.

No desenvolvimento destes preceitos, a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.o 46/86, de 14 de Outubro, alterada pela Leis n.os 115/97, de 19 de Setembro, e 49/2005, de 30 de Agosto) consagrou o ensino português no estrangeiro como modalidade especial de educaçáo escolar, atribuindo ao Estado a responsabilidade de impulsionar a divulgaçáo e o estudo da língua e da cultura portuguesas no estrangeiro mediante acçóes e meios diversificados que visem, nomeadamente, a sua inclusáo nos planos curriculares de outros países. Determinou ainda que o ensino da língua e da cultura portuguesas deve ser assegurado aos portugueses residentes no estrangeiro e aos seus filhos por meio de cursos e actividades desenvolvidos em regime de integraçáo ou de complementaridade relativamente aos sistemas educa-

tivos dos países de acolhimento. Nos termos da lei, as iniciativas de associaçóes de portugueses e as de entidades estrangeiras, públicas e privadas, desde que contribuam para esse fim, devem também ser objecto de incentivo e apoio público.

No cumprimento destas incumbências que a lei lhe atribui, o Estado tem promovido e apoiado cursos e actividades que proporcionam às comunidades portuguesas o acesso ao ensino da língua e da cultura portuguesas e, para esse efeito, tem recrutado e colocado no estrangeiro pessoal docente, vinculado aos quadros do Ministério da Educaçáo ou especialmente contratado. As regras desse recrutamento e as condiçóes do exercício da sua actividade deram corpo a um regime jurídico específico, concretizado através do Decreto-Lei n.o 13/98, de 24 de Janeiro, e desenvolvido por instrumentos legislativos complementares, designadamente o Decreto Regulamentar n.o 4-A/98, de 6 de Abril, e o Decreto-Lei n.o 176/2002, de 31 de Julho. No sentido de organizar e acompanhar localmente as actividades do ensino português no estrangeiro, foi criado pelo Decreto-Lei n.o 264/77, de 1 de Julho, um serviço de coordenaçáo junto de algumas missóes diplomáticas ou postos consulares. As normas de funcionamento desse serviço foram entretanto objecto de uma profunda revisáo, consubstanciada no Decreto-Lei n.o 30/99, de 29 de Janeiro, no quadro da sistematizaçáo legislativa a que entáo se procedeu.

Através destas sucessivas adaptaçóes do quadro legal, o Estado tem procurado dotar-se dos meios institucionais que lhe permitam dar cumprimento aos objectivos e compromissos assumidos na Constituiçáo. Embora seja de reconhecer o esforço desenvolvido pelo Estado e pelos seus agentes - técnicos, diplomáticos e educativos -, que tem proporcionado aos portugueses residentes no estrangeiro e aos seus descendentes o acesso efectivo ao ensino da língua materna e a renovaçáo dos vínculos culturais com Portugal, forçoso será admitir que, por diversas ordens de razóes, nem sempre tem sido possível corresponder, em condiçóes de equidade e qualidade, às expectativas geradas.

A diversidade de contextos e de experiências do ensino português no estrangeiro reproduz-se numa pluralidade de práticas e de objectivos pedagógicos e culturais, que gerou uma ampla disparidade da qualidade das aprendizagens. Apesar do esforço de acompanhamento e do investimento realizado, estas aprendizagens náo sáo certificadas e sáo mesmo, em alguns casos, inconsistentes e até insusceptíveis de certificaçáo, o que pode pôr em causa a sua própria relevância.

Por outro lado, a própria situaçáo das comunidades portuguesas, às quais o ensino português no estrangeiro fundamentalmente se dirigia no momento da sua instituiçáo, veio a sofrer mudanças significativas, desde logo, na vertente institucional, mormente as que procederam da plena integraçáo de Portugal na Uniáo Europeia. Seja pelo regresso de alguns dos seus membros e pela interrupçáo ou alteraçáo dos fluxos migratórios, seja pela longa permanência nos países de acolhimento, seja ainda pela aquisiçáo de novos direitos, as comunidades portugueses encontram-se em circunstâncias bem diferentes daquelas que inicialmente suscitaram a organizaçáo do ensino português no estrangeiro. O crescimento no seio das comunidades do número de jovens para quem o português náo é já verdadeiramente a língua materna e, simetricamente, a constituiçáo de comunidades mais instáveis e a conser-vaçáo de fluxos de migraçáo sazonal colocam novos desafios que é necessário assumir.

Do mesmo modo, existe hoje a percepçáo generalizada de que é necessário desenvolver uma política mais ambiciosa para a língua portuguesa, baseada num esforço persistente de promoçáo do seu ensino e do seu estudo à escala mundial. Reconhece-se que a língua portuguesa, como grande língua de comunicaçáo inter-nacional, falada por mais de 200 milhóes de pessoas, constitui um património de valor inestimável, que deve ser mobilizado para a afirmaçáo de Portugal no mundo.

Para tanto, será indispensável adoptar uma estratégia, tanto quanto possível partilhada com os outros Estados membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, para fomentar e difundir a aprendizagem do português em todo o mundo, de modo náo só a satisfazer as obrigaçóes para com as comunidades portuguesas, mas também a proporcionar o seu estudo aos que, independentemente da sua nacionalidade ou língua materna, manifestem interesse em prossegui-lo.

Assim, no reconhecimento destes princípios e orientaçóes, o XVII Governo Constitucional inscreveu no seu Programa o propósito de valorizar a cultura e a língua portuguesas e de reforçar a utilizaçáo do português como língua de comunicaçáo internacional, ampliando a sua projecçáo à escala mundial. Para esse efeito, assumiu a necessidade de encetar negociaçóes, baseadas no princípio da reciprocidade, com os países de acolhimento das comunidades portuguesas, destinadas a garantir o ensino do português aos lusodescendentes e a favorecer a integraçáo da língua portuguesa em currículos estrangeiros e apontou para a utilizaçáo intensiva dos meios áudio-visuais e das tecnologias de informaçáo e comunicaçáo como instrumento de divulgaçáo do português como língua náo materna.

Na sua acçáo o Governo adoptou ainda como objectivo a valorizaçáo e qualificaçáo do ensino e da aprendizagem da língua portuguesa no estrangeiro. A sua integraçáo em currículos de países estrangeiros muito contribuirá para a sua dignificaçáo. Contudo, será necessário também proceder à consolidaçáo e certificaçáo das aprendizagens.

Nesse sentido, o Governo aprovou já, para funcionar a título experimental durante o corrente ano lectivo, um quadro de referência para a elaboraçáo e avaliaçáo de programas, linhas de orientaçáo curricular e escolha de materiais pedagógicos e didácticos, visando o pleno reconhecimento, acreditaçáo e certificaçáo dos cursos do ensino português no estrangeiro. Tal quadro segue as melhores práticas internacionais do ensino das línguas, designadamente as que seguem o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas, aprovado pelo Conselho da Europa.

Assim, atendendo às mudanças ocorridas na situaçáo das comunidades portuguesas e à necessidade de dotar o Estado dos instrumentos que lhe permitam desenvolver uma política mais ambiciosa de promoçáo, qualificaçáo e certificaçáo do ensino e da aprendizagem da língua portuguesa à escala internacional, afigura-se indispensável proceder à aprovaçáo de um novo regime jurídico do ensino português no estrangeiro. O presente decreto-lei vem unificar legislaçáo que se encontrava dispersa, definindo a missáo, os princípios e as formas de organizaçáo dessa modalidade especial de educaçáo escolar, estabelecendo as regras de recrutamento do pessoal docente, bem como as condiçóes de exercício da sua actividade, e determinando as competências e o âmbito de intervençáo das estruturas de coordenaçáo encarregadas do acompanhamento e organizaçáo do ensino português no estrangeiro a nível local.

Além disso, em coerência com os objectivos políticos que o Governo estabeleceu para toda a Administraçáo Pública, o novo regime permitirá também tornar o seu funcionamento mais eficiente do ponto de vista da utilizaçáo dos recursos públicos, suprimindo privilégios injustificáveis e corrigindo desperdícios e situaçóes de manifesta iniquidade.

O presente regime jurídico constitui um importante instrumento para a renovaçáo, autonomizaçáo e requalificaçáo deste sector da actividade educativa. Contudo, a transferência das atribuiçóes em matéria de organizaçáo do ensino português no estrangeiro para o Minis-tério dos Negócios Estrangeiros - em conformidade com o Programa de Reestruturaçáo da Administraçáo Central do Estado, aprovado pela Resoluçáo do Conselho de Ministros n.o 39/2006, de 21 de Abril - constituirá um momento oportuno para proceder à sua reapreciaçáo e eventual revisáo.

Foram observados os procedimentos decorrentes da Lei n.o 23/98, de 26 de Maio.

Assim: No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido no artigo 25.o e nas alíneas c) e j) do n.o 1 do artigo 62.o da Lei n.o 46/86, de 14 de Outubro, na redacçáo que lhe foi dada pelas Leis n.os 115/97, de 19 de Setembro, e 49/2005, de 30 de Agosto, e nos termos da alínea c) do n.o 1 do artigo 198.o da Constituiçáo, o Governo decreta o seguinte:

CAPÍTULO I

Disposiçóes gerais

SECçÁO I Objecto e âmbito

Artigo 1.o

Objecto e âmbito de aplicaçáo

1 - O presente decreto-lei estabelece o regime jurídico do ensino português no estrangeiro, enquanto modalidade especial de educaçáo escolar, conforme previsto na alínea e) do n.o 1 do artigo 19.o da Lei de Bases do Sistema Educativo...

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