Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril de 1993

Decreto-Lei n.° 132/93 de 23 de Abril 1. O presente diploma completa uma viragem histórica, especialmente significativa sob vários aspectos, na área do processo civil executivo, com sérias e benéficas repercussões na vida económica do País.

Até há bem pouco tempo, a legislação processual civil preocupava-se apenas, no domínio das relações de crédito, em assegurar a tutela necessária dos direitos dos credores, em garantir a realização coactiva da prestação devida, quando possível, ou em proporcionar ao lesado a indemnização adequada, nos casos em que a execução específica da prestação se mostrava praticamente inviável.

Mesmo nos casos em que todo o património do devedor se revelava insuficiente para dar cobertura ao passivo do seu titular, os chamados meios preventivos ou suspensivos da falência eram concebidos e disciplinados na lei como verdadeiros instrumentos da tutela possível do crédito e não como formas de reabilitação patrimonial do insolvente.

Só quando a actividade económica produtiva das comunidades começou a concentrar-se, já em plena Revolução Industrial, em torno das grandes sociedades comerciais e à medida que a dimensão social da empresa se foi acentuando nas reacções da colectividade, as legislações se viram forçadas, pouco a pouco, a modificar o seu ângulo de visão.

O descalabro da empresa devedora passou a ser sentido a cada passo, cada vez com maior frequência, sobretudo em períodos de mais acentuada crise económica, mais como uma causa de mal-estar social que a simples perda dos capitais investidos pelos comerciantes na criação ou na aquisição de negócios.

O primeiro sinal nítido do novo estado de espírito das entidades responsáveis pelo desenvolvimento económico do País perante os devedores inadimplentes é dado pela legislação relativa às empresas em situação económica difícil (cf., especialmente, o Decreto-Lei n.° 353-H/77, de 29 de Agosto), da qual sobressai o diploma que instituiu os chamados contratos de viabilização (Decreto-Lei n.° 124/77, de 1 de Abril) e o que criou a denominada PAREMPRESA - Sociedade Parabancária para a Recuperação de Empresas, S. A. R. L. (Decreto-Lei n.° 125/79, de 10 de Maio).

O próprio nome dado à instituição que serviu de principal instrumento de intervenção do Estado na execução da nova orientação traçada pelas entidades competentes revela, desde logo, o novo espírito da lei.

Depois das providências de intervenção coactiva, de origem casuística e carácter dispersivo, aplicadas às empresas onde mais se fez sentir a perturbação económica e social dos primeiros tempos da Revolução de 25 de Abril de 1974, o Governo pretendeu disciplinar, sob a égide das instituições de crédito, o apoio financeiro requerido por muitas das empresas nacionalizadas e também por algumas das empresas mais importantes que se mantiveram no foro da economia privada.

A política de auxílio às empresas públicas ou privadas, cuja exploração se mostrava fortemente deficitária, foi útil ao País e deu às entidades intervenientes preciosos ensinamentos de diversa ordem.

Mas a curto prazo vieram à superfície os inconvenientes de um sistema inteiramente entregue aos favores da Administração Pública e desligado da participação de muitos dos credores, que figuravam entre os principais sacrificados com algumas das medidas previstas para a recuperação da devedora.

Assim se explica a publicação, em 2 de Julho de 1986, do Decreto-Lei n.° 177/86, que constitui (juntamente com o Decreto-Lei n.° 10/90, de 5 de Janeiro, destinado a suprir algumas das deficiências reveladas pela aplicação prática do primeiro), a segunda fase da luta pela recuperação das empresas em situação financeira difícil, mas consideradas economicamente viáveis.

Vários são os traços inovadores desse diploma, que rasgou novos rumos na legislação processual civil portuguesa.

Por um lado, procurou-se jurisdicionalizar a matéria, convertendo o processo negocial de concertação financeira entre a empresa devedora, autora do projecto contratual destinado à sua salvação económica, e as instituições de crédito suas maiores credoras, por um verdadeiro processo judicial, em que o tribunal foi incumbido de garantir a regularidade da actuação dos intervenientes e de assegurar a defesa dos legítimos interesses de cada uma das partes.

Por outro lado, em vez de se deixar entregue à iniciativa unilateral e muitas vezes despreparada da própria empresa devedora a sugestão das providências capazes de levarem à sua recuperação financeira, confiou-se a um perito qualificado a determinação das causas geradoras das dificuldades da devedora e a indicação da providência mais adequada à sua efectiva superação.

Chamou-se, além disso, a assembleia dos credores, sem qualquer discriminação injustificada, e não apenas o grupo elitista das instituições de crédito, não só a pronunciar-se em determinados termos sobre a real viabilidade financeira da empresa insolvente, mas também a eleger a providência mais aconselhável para a terapia do caso concreto.

Não desdenhando aproveitar, embora com um espírito inteiramente distinto da legislação anterior, os antigos meios preventivos da falência, o novo diploma procurou inseri-los, com as convenientes adaptações, na galeria dos meios de recuperação da empresa financeiramente enferma. Mas cuidou sobretudo de tirar todo o rendimento possível dos novos instrumentos de intervenção no mercado de capitais, que a aplicação prática dos ensinamentos da ciência económica revelara, e que o legislador se esforçou por sistematizar e enquadrar em planos de acção a que deu o nome de gestão controlada da empresa.

Foi principalmente através dos planos de gestão controlada, confiante na actuação técnica especializada dos novos interventores (diplomados em Gestão) na administração das empresas, que a lei diligenciou assegurar o êxito das verdadeiras intervenções cirúrgicas necessárias à ablação dos órgãos doentes, que insidiosamente dificultavam a vida de muitas empresas capazes de recuperação; 2. A breve trecho, no entanto, as duras realidades da salutar competição aberta no seio da comunidade do mercado europeu chamou vivamente a atenção do Estado para um aspecto de importância capital na orientação política da protecção económica às empresas em situação financeira deficitária.

É que a intervenção dos poderes públicos para aplicação de providências de recuperação económica de empresas insolventes, que envolvem sempre sacrifícios mais ou menos pesados para muitas das empresas credoras, só tem justificação plena, ao nível da própria economia nacional globalmente considerada, quando e enquanto o comerciante ou a sociedade comercial devedora se possam realmente considerar como unidades económicas viáveis.

Se a expectativa de recuperação financeira da devedora claudica, cessa toda a legitimidade dos sacrifícios impostos, em nome da solidariedade nacional, às múltiplas entidades suas credoras.

Os programas de recuperação económica da empresa insolvente não são planos de caridade evangélica aplicados aos que dela dependem, porque não é nessa vertente da vida social que a caridade encontra o seu lugar próprio. Só a real viabilidade económica da empresa em dificuldade pode legitimar, sobretudo numa economia de mercado como a que hoje vigora no espaço comunitário europeu, o cerceamento da reacção legal daqueles cujos direitos foram violados.

Esta imperiosa necessidade de distinguir, a propósito de cada empresa cuja insolvência seja reconhecida em juízo, entre as que podem e as que não podem, na prática, ser consideradas economicamente viáveis, obrigou o legislador a aproximar o processo especial de falência, onde fatalmente hão-de cair as devedoras que nenhuma expectativa séria de salvação oferecem aos seus credores.

E, além da aproximação entre os dois processos especiais, estreitamente ligados entre si pela função capital de cada um deles, sentiu-se ainda a necessidade de rever alguns dos pontos mais importantes do actual processo de falência, à luz das realidades da política económica comunitária.

Esses são, de facto, os dois objectivos fundamentais do diploma legislativo no qual se consagra a nova disciplina dos dois processos especiais estreitamente ligados entre si.

Trata-se, por um lado, de retirar do Código de Processo Civil, onde se regulam os meios de tutela coerciva dos credores contra o comum dos devedores, a matéria específica da falência, para a reunir ao processo afim de recuperação das empresas economicamente viáveis. Já no diploma de 1986 se estabeleciam algumas das testas-de-ponte entre a tentativa de saneamento e a queda da falência, quando, depois de requerido o auxílio à empresa, se malogravam todas as expectativas da sua salvação. Mas não são menos importantes, dentro dos critérios prioritários abraçados na lei, as testas-de-ponte destinadas a garantir a passagem do processo de falência para o regime de recuperação da empresa, facultada pelas circunstâncias.

E é essa dupla circulação, mais adequada às rápidas e imprevistas oscilações da economia contemporânea, que o novo decreto-lei procura criteriosamente facilitar.

Mas trata-se ainda, por outro lado, de rever a antiquada legislação das falências, quase inteiramente desligada da sorte do devedor falido, à luz decantadora de uma época especialmente empenhada em garantir a sobrevivência dos empreendimentos rentáveis e em que é outra a dinâmica negocial exigida dos agentes económicos.

Assim se explica, alias, que, não contente com a reunião no mesmo diploma dos dois processos funcionalmente afins e com a fácil circulação estabelecida entre uma e outra das providências executivas, o presente diploma afirme, em termos categóricos, a prioridade do regime de recuperação sobre o processo de falência conducente à extinção definitiva da empresa devedora.

E assim se justificam também as modificações mais salientes introduzidas no regime anterior da falência, que importa realçar no preâmbulo do diploma; 3. Um dos pontos mais destacados do novo regime jurídico da falência, que a...

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