Decreto-Lei n.º 60/2003, de 01 de Abril de 2003

Decreto-Lei n.º 60/2003 de 1 de Abril A prestação de cuidados de saúde primários, considerada em todos os sistemas e políticas de saúde como a principal via de acesso aos cuidados de saúde em geral, necessita de ser repensada, no nosso país, por forma a atingir o propósito fundamental de prestar aos cidadãos mais e melhores cuidados de saúde. Entendeu, assim, o Governo promover as indispensáveis alterações legislativas, consideradas inadiáveis no plano estrutural e funcional, na perspectiva de evolução do actual sistema de organização dos cuidados de saúde primários para um novo modelo, doravante designado por rede de prestação de cuidados de saúde primários, mais próximo dos cidadãos, das suas famílias e comunidades, simultaneamente mais eficiente, socialmente mais justo e solidário.

Esta nova rede de prestação de cuidados de saúde primários, para além de continuar a garantir a sua missão específica tradicional de providenciar cuidados de saúde abrangentes aos cidadãos, deverá também constituir-se e assumir-se, em articulação permanente com os cuidados de saúde ou hospitalares e os cuidados de saúde continuados, como um parceiro fundamental na promoção da saúde e na prevenção da doença. Esta nova rede assume-se, igualmente, como um elemento determinante na gestão dos problemas de saúde, agudos e crónicos, tendo em conta o primado da pessoa, a sua dimensão física, psicológica, social e cultural, sem discriminação de qualquer natureza, através de uma abordagem e práticas clínicas centradas na globalidade da pessoa humana e nos melhores padrões de qualidade assistencial, orientados para o indivíduo, para a sua família e a comunidade em que se insere.

Sendo hoje reconhecidos os problemas que o Serviço Nacional de Saúde enfrenta, designadamente a existência de défices quanto à acessibilidade e equidade dos cuidados de saúde e um crescimento descontrolado das despesas públicas, é imperioso e urgente que o sistema público tradicional centralizador e excessivamente burocratizado possa dar lugar a uma nova rede integrada de serviços de saúde, onde, para além do papel fundamental do Estado, possam co-existir entidades de natureza privada e social, orientadas para as necessidades concretas dos cidadãos. Através da criação desta rede de prestação de cuidados de saúde primários, os cidadãos e a sociedade, em atitude de complementaridade com as responsabilidades sociais do Estado, estarão em melhores condições de intervir, avaliar e julgar a criação e o desempenho de novos modelos de organização e de gestão dos serviços de saúde, e deste modo contribuir para inverter as políticas conservadoras, responsáveis pela ineficácia do nosso sistema de saúde tradicional.

Norteada pelo princípio da diversidade na oferta e pela liberdade de escolha dos cidadãos, como melhor forma de assegurar e promover a avaliação dos cuidados de saúde, a nova rede de prestação de cuidados de saúde primários tem como missão constituir a primeira linha e a base de toda a rede de cuidados de saúde em geral, tendo como principal referência a acção dos centros de saúde e dos médicos de família, sem prejuízo de incentivos a novos modelos de gestão e de organização.

Tendo em consideração que o médico de família se consagrou no plano nacional e internacional como um profissional com preparação e habilitações para a prestação independente e autónoma de cuidados de saúde de clínica geral, considera-se no presente diploma que o objectivo primeiro da aplicação no terreno da nova rede de prestação de cuidados de saúde primários é o de garantir a todos os cidadãos o seu médico de família, tendencialmente com a especialidade de medicina geral e familiar, assegurando, desta forma, em todas as áreas geográficas, o acesso universal, geral e tendencialmente gratuito de todos os cidadãos à saúde, consagrado na Constituição.

Com efeito, o Estado tem de assumir a responsabilidade de providenciar os cuidados de saúde primários aos cidadãos e às famílias, promovendo a constituição de equipas de saúde multiprofissionais, que incluam médicos, pessoal de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, administrativos e outros profissionais de saúde. O exercício integrado da actividade clínica em equipa implica ainda a correspondente responsabilização de uma liderança, o exercício das tarefas e competências profissionais de forma planeada e por objectivos, ao qual se associam incentivos à produtividade e à qualidade assistencial.

Foram ouvidas as organizações representativas dos profissionais do sector, de harmonia com a Lei n.º 23/98, de 26 de Maio.

Assim: No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pelas bases XII e XIII da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta oseguinte: CAPÍTULO I Disposições e princípios gerais Artigo 1.º Âmbito 1 - O presente diploma aplica-se aos serviços e entidades integrados na rede de prestação de cuidados de saúde primários, considerada para todos os efeitos legais como uma via de acesso generalizado à rede de prestação de cuidados de saúde, sem prejuízo da sua missão específica de providenciar cuidados de saúde tendencialmente gratuitos, abrangentes e continuados aos cidadãos.

2 - A rede de prestação de cuidados de saúde primários é constituída pelos centros de saúde integrados no Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelas entidades do sector privado, com ou sem fins lucrativos, que prestem cuidados de saúde primários a utentes do SNS nos termos de contratos celebrados ao abrigo da legislação em vigor, e, ainda, por profissionais e agrupamentos de profissionais em regime liberal, constituídos em cooperativas ou outras entidades, com quem sejam celebrados contratos, convenções ou acordos de cooperação.

3 - A rede de cuidados de saúde primários promove, simultaneamente, a saúde e a prevenção da doença, bem como a gestão dos problemas de saúde, agudos e crónicos, tendo em conta a sua dimensão física, psicológica, social e cultural, sem discriminação de qualquer natureza, através de uma abordagem centrada na pessoa, orientada para o indivíduo, a sua família e a comunidade em que se insere.

Artigo 2.º Natureza jurídica 1 - Os serviços e entidades integrados na rede de prestação de cuidados de saúde primários podem revestir uma das seguintes figuras jurídicas: a) Serviços públicos de prestação de cuidados de saúde primários, dotados de autonomia técnica e administrativa, designados por centros de saúde; b) Entidades privadas, com ou sem fins lucrativos, com quem sejam celebrados contratos ou acordos nos termos do n.º 2 do artigo anterior.

2 - O disposto do número anterior não prejudica a gestão de serviços do SNS por outras entidades, públicas, privadas, com ou sem fins lucrativos, cooperativas ou outras entidades, mediante a celebração de contratos de gestão, contratos-programa, convenções e acordos para a prestação de cuidados de saúde primários, nos termos dos artigos 33.º e 34.º do Estatuto do SNS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, e do Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de Agosto.

3 - Os centros de saúde com gestão pública previstos na alínea a) do n.º 1 regem-se pelas normas do presente diploma, pelas normas do SNS, pelos regulamentos internos e, subsidiariamente, pelas normas aplicáveis ao sector público administrativo (SPA).

Artigo 3.º Princípios da prestação de cuidados de saúde primários 1 - A prestação de cuidados de saúde primários rege-se pelos seguintes princípios: a) Liberdade de escolha, pelo cidadão, do seu médico de família; b) Cobertura de todos os cidadãos, através da sua livre inscrição num único centro de saúde, sendo dada prioridade, no caso de carência de recursos, aos residentes na respectiva área geográfica; c) Acesso, por motivo de doença súbita ou acidente, de qualquer cidadão a qualquer centro de saúde; d) Prestação de cuidados de saúde com humanidade e respeito pelos utentes; e) Atendimento dos utentes com qualidade, eficácia e em tempo útil; f) Cumprimento das normas de ética e deontologia profissionais.

2 - Para efeitos de prestação de cuidados de saúde primários, são utentes de cada centro de saúde os indivíduos nele inscritos, devendo identificar-se, sempre que a ele recorram, através do respectivo cartão de utente.

3 - As normas de inscrição para os residentes ou deslocados temporariamente são fixadas por despacho do Ministro da Saúde.

Artigo 4.º Princípios de gestão na prestação de cuidados de saúde primários 1 - Os serviços e entidades prestadores de cuidados de saúde primários devem pautar a sua gestão pelos seguintes princípios: a) Desenvolvimento da actividade de acordo com planos de actividade anuais e respectivos orçamentos, no respeito pelo cumprimento dos objectivos definidos; b) Garantia aos utentes da prestação de cuidados de saúde com qualidade, acompanhada de uma gestão criteriosa dos recursos disponíveis; c) Financiamento das actividades, com base numa capitação ponderada em função dos objectivos estabelecidos e dos utentes inscritos, conforme previsto no artigo 18.º; d) Gestão integrada dos recursos disponíveis e partilhados pelas diferentes unidades; e) Articulação funcional da rede de prestação de cuidados de saúde primários com as restantes redes de prestação de cuidados de saúde.

2 - O centro de saúde pode dispor de extensões, situadas em locais da sua área de influência, devendo actuar sempre como um todo funcional na prossecução do objectivo de proporcionar aos utentes uma maior...

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