Decreto-Lei n.º 142/77, de 09 de Abril de 1977

Decreto-Lei n.º 142/77 de 9 de Abril 1. A disciplina militar, conforme dispunha o artigo 1.º do Regulamento Disciplinar de 2 de Maio de 1913, 'é o laço moral que liga entre si os diversos graus da hierarquia militar; nasce da dedicação pelo dever e consiste na escrita e pontual observância das leis e regulamentos militares'.

Segundo o mesmo Regulamento, ela obtém-se 'pela convicção da missão a cumprir e mantém-se pelo prestígio que nasce dos princípios de justiça empregados, do respeito pelos direitos de todos, do cumprimento exacto dos deveres, do saber, da correcção de proceder e da estima recíproca'.

São estes, ainda hoje, os princípios fundamentais em que assenta a disciplina militar, condição indispensável para o cumprimento da missão histórica e nacional cometida às forças armadas e sem a qual não seria, nem será, possível a sobrevivência destas, seja em que quadrante for.

Mas, como projecção que são desses princípios, as normas regulamentares que regem as forças armadas não se cristalizam; antes evoluem de acordo com a própria evoluçãosocial.

As forças armadas constituem uma comunidade dentro da própria sociedade em que se inserem; como tal, inevitável será que, ao longo dos tempos, sofram no seu seio a influência do ambiente social que as cerca.

Essa influência, todavia, não pode ir além de determinados limites, sob pena de destruir o equilíbrio e a íntima coesão que as animam.

A comunidade militar - 'instituição nacional', na expressão sintética, mas eloquente, da Constituição vigente - só poderá cumprir integralmente a missão que constitucionalmente lhe é atribuída, e que consiste na defesa da 'independência nacional, da unidade do Estado e da integridade do território', se lhe forem garantidos os meios indispensáveis.

E um deles é a disciplina.

Sem esta não haverá forças armadas.

A nenhuma comunidade se exige tanto dos seus componentes como à militar; sacrifício da própria vida é, mais do que um simples risco do serviço, um dever do soldado, em certos casos.

Tão especiais condições de serviço são, pois, incompatíveis com a existência de um estatuto idêntico ao dos restantes profissionais, sejam eles do sector público, sejam doprivado.

A razão de ser do direito militar assenta na própria existência das forças armadas; se estas existem, aquele tem de subsistir.

  1. O Regulamento de Disciplina Militar que agora se substitui e cujas linhas fundamentais remontam ao de 1913, carecia de adaptação aos princípios informadores da nova sociedade portuguesa, traduzidos na Constituição da República.

    Não podia deixar a nova lei fundamental do Estado de projectar os seus reflexos no âmbito das forças armadas e da legislação militar, sugerindo a consagração de soluções mais consentâneas com os tempos actuais, soluções essas que, todavia, e como é evidente, jamais deveriam sacrificar as imprescindíveis e intemporais exigências de unidade, força moral e eficiência das forças armadas.

    Desta maneira, considerou-se conveniente atender a uma certa prática, radicada em velha tradição nacional, em que avultam, humanizados, os princípios da hierarquia e da autoridade como pressupostos indissociáveis do espírito dinâmico e consciente de missão. Ao mesmo tempo procurou-se reforçar a ética profissional, salvaguardar os diversos direitos e interesses em jogo e atribuir uma maior predominância e preocupação às regras da justiça.

    Aproveitou-se ainda a oportunidade para introduzir algumas correcções e aperfeiçoamentos impostos pela experiência ou pelas necessidades, por forma a tornar o texto anterior mais adaptado ao espírito da nova época, expurgando-o de conceitos e regras ultrapassados, inúteis ou contraditórios.

  2. As soluções adoptadas integram-se no contexto constitucional.

    Na verdade, algumas foram - de inegável repercussão - as inovações introduzidas, tendo como objectivo fundamental a dignificação da função militar.

    Assim, no campo substantivo, assinala-se a eliminação dos quartos de sentinela, guardas e patrulhas como medidas punitivas. Entendeu-se que a importância e grandeza destas tarefas mal se compadeciam com o seu carácter sancionatório e com os reflexos negativos sempre ligados à aplicação de qualquer castigo.

    Interdita-se a prática de actividades políticas aos elementos das forças armadas na efectividade de serviço, aliás na sequência do artigo 275.º da Constituição e em conformidade com a doutrina fixada anteriormente na Lei n.º 17/75, de 26 de Dezembro.

    Sublinha-se, por outro lado, o facto de o novo Regulamento acolher ideia de aproximar e unificar no mesmo regime punitivo os oficiais e sargentos, em reconhecimento da nova realidade sócio-militar recentemente delineada.

    Em matéria de processo, de todo omissa no Regulamento que ora se substitui, consagra-se formalmente o princípio do contraditório (que, aliás, já vinha sendo observado na prática dos últimos anos), impondo-se a articulação da nota de culpa por forma a possibilitar uma ampla e completa defesa do arguido.

    Reafirmam-se os direitos de recurso hierárquico e de queixa e, pela primeira vez, se regula o recurso contencioso das decisões do vértice da hierarquia.

    Neste último aspecto, introduz-se uma modificação importante e totalmente nova: em matéria disciplinar, o contrôle jurisdicional dos actos punitivos é confiado ao Supremo Tribunal Militar. Por um lado, trata-se de um órgão constitucionalmente revestido de poder soberano, objectivo, imparcial e independente, cuja composição garante uma melhor preparação técnica na matéria, e, por outro lado, evita-se que se quebre a sequência normal da justiça militar. Aliás, contraditório seria confiar a esse órgão o conhecimento das mais graves infracções à disciplina no domínio criminal e negar-lhe essa competência em matéria de idêntica natureza mas de grau inferior.

    Outro aspecto importante consiste nos novos moldes assinalados à intervenção dos conselhos superiores de disciplina.

    Consagrados definitivamente como órgãos de consulta nos domínios mais relevantes do campo da disciplina, eles surgem não com qualquer carácter repressivo ou natureza jurisdicional, mas antes e apenas como instituto legal de defesa dos arguidos no âmbito administrativo-militar e, simultaneamente, como instrumentos de apoio à justiça, perfeição e segurança das decisões finais do executivo.

    A aplicação prática do presente Regulamento será o seu melhor juiz.

    Os ensinamentos que dela resultarem serão desde já recolhidos e analisados em continuidade, por forma a constituírem objectivo e razão da sua reformulação, porventura mais profunda, quer nos seus conceitos, quer no seu articulado, ajustando sempre a exigência da evolução à perenidade dos princípios.

    Nestes termos: O Conselho da Revolução decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 148.º da Constituição, o seguinte: Artigo 1.º É aprovado o Regulamento de Disciplina Militar que faz parte integrante do presente diploma, para ter execução em todas as forças armadas.

    Art. 2.º As dúvidas suscitadas na sua aplicação serão resolvidas por despacho interpretativo do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.

    Art. 3.º O Regulamento de Disciplina Militar entra em vigor no dia 10 de Abril de 1977.

    Visto e aprovado em Conselho da Revolução em 1 de Abril de 1977.

    Promulgado em 1 de Abril de 1977.

    Publique-se.

    O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.

    REGULAMENTO DE DISCIPLINA MILITAR TÍTULO I Da disciplina militar CAPÍTULO I Disposições gerais ARTIGO 1.º (Conceito de disciplina) A disciplina militar consiste na exacta observância das leis e regulamentos militares e das determinações que de umas e outros derivam; resulta, essencialmente, de um estado de espírito, baseado no civismo e patriotismo, que conduz voluntariamente ao cumprimento individual ou em grupo da missão que cabe às forças armadas.

    ARTIGO 2.º (Bases da disciplina) A disciplina deve encaminhar todas as vontades para o fim comum e fazê-las obedecer ao menor impulso do comando; coordenando os esforços de cada um, assegura às forças armadas a sua principal força e a sua melhor garantia de bom êxito. Para que a disciplina constitua a base em que judiciosamente deve afirmar-se a instituição armada, observar-se-á rigorosamente o seguinte: 1. Todo o militar deve compenetrar-se de que a disciplina, sendo condição de êxito da missão a cumprir, se consolida e avigora pela consciência dessa missão, pela observância das normas de justiça e do cumprimento exacto dos deveres, pelo respeito dos direitos de todos, pela competência e correcção de proceder, resultantes do civismo e patriotismo que leva à aceitação natural da hierarquia e da autoridade e ao sacrifício dos interesses individuais em favor do interesse colectivo.

  3. Os chefes, principalmente, e em geral todos os superiores, não devem esquecer, em caso algum, que a atenção dos seus subordinados está sempre fixa sobre os seus actos e que, por isso, a sua competência, a sua conduta irrepreensível, firme mas humana, utilizando e incentivando o diálogo e o esclarecimento, sempre que conveniente e possível, são meios seguros de manter a disciplina. Serão responsáveis pelas infracções praticadas pelos subordinados ou inferiores, quando essas infracções tenham origem em deficiente acção de comando.

  4. O superior, nas suas relações com os inferiores, procurará ser para eles exemplo e guia, estabelecendo a estima recíproca, sem contudo a levar até à familiaridade, que só é permitida fora dos actos de serviço.

    Tem ainda por dever curar dos interesses dos seus subordinados, respeitar a sua dignidade, ajudá-los com os seus conselhos e ter para com eles as atenções devidas, não esquecendo que todos se acham solidariamente ligados para o desempenho de uma missão comum.

  5. Aos superiores cumpre instruir e exercitar os inferiores que sirvam sob as suas ordens no conhecimento da legislação em vigor.

    São responsáveis pelas ordens que derem, as quais devem ser em conformidade com as leis e regulamentos, e, nos casos omissos ou extraordinários, fundadas na melhor razão. A...

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