Decreto-Lei n.º 49212, de 28 de Agosto de 1969

Decreto-Lei n.º 49212 1. De há muito se tornou usual na estruturação do direito do trabalho a distinção entre as 'relações individuais' e as 'relações colectivas', abrangendo estas últimas os chamados 'conflitos colectivos'. Para efeitos de regulamentação, correspondem às primeiras os contratos individuais de trabalho e às segundas as convenções colectivas.

Quer os contratos individuais, quer as convenções colectivas obedecem, em geral, na sua negociação e estruturação, aos princípios fixados na lei, sendo-lhes vedado contrariar qualquer norma preceptiva ou proibitiva, bem como incluir disposições que importem para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o legalmente previsto.

O Decreto-Lei n.º 47032, de 27 de Maio de 1966, constitui actualmente o diploma fundamental do direito português no domínio da regulamentação jurídica do contrato individual do trabalho. Quanto às convenções colectivas, o seu regime continua a basear-se no preceituado pelo Decreto-Lei n.º 36173, de 6 de Março de 1947.

Como é natural, têm exigências muito diferentes as negociações conducentes à celebração dos contratos individuais e as que visam a celebração de convenções colectivas: no primeiro caso, a negociação é conduzida pelo próprio interessado com vista à satisfação de interesses que são também exclusivamente seus, ao passo que, na contratação colectiva, a negociação é orientada, total ou parcialmente, pelos órgãos representativos dos interessados e com vista ao estabelecimento de normas de aplicação obrigatória, susceptíveis de abranger toda uma categoria profissional ou actividade.

A celebração dos contratos individuais não apresenta hoje, na generalidade dos sistemas jurídicos, qualquer dificuldade, tanto pelo que respeita às formalidades a observar, como no que toca ao respectivo conteúdo. Contribuem para isso a longa tradição jurídica na negociação individual e a preocupação crescente, sobretudo nas últimas décadas, da exacta pormenorização dos direitos e obrigações que integram a relação de trabalho. A evolução que sob este aspecto continua a verificar-se não prejudica a afirmação feita, já que essa evolução se relaciona mais com o objecto da relação do que com as correspondentes formalidades e garantias.

O mesmo não sucede com a chamada contratação colectiva, cujo aparecimento e aceitação estão ìntimamente ligados à consagração e evolução dos regimes sindicais de representação orgânica, dos quais constitui como que uma emanação.

Não pode, por isso, falar-se a seu respeito em longa tradição, embora a intensidade com que a experiência da representação sindical tem sido vivida nos últimos tempos comece a emprestar-lhe já foros de aceitação que a legitima como sistema natural de resolução dos conflitos colectivos.

Entre as principais dificuldades que à contratação colectiva se opõem, constam os obstáculos inerentes à celebração, em geral derivados da diversidade da força económica e portanto contratual das partes, e toda a problemática ligada às garantias relacionadas com o cumprimento, aperfeiçoamento e revisão das convençõescelebradas.

Para superação dessas dificuldades recorrem os sistemas a meios diferentes, consoante o conteúdo ideológico das suas determinantes doutrinárias ou o maior ou menor progresso da sua evolução jurídica.

E, assim, ao lado de regimes que continuam a considerar a contratação colectiva como o mero resultado de um jogo de forças actuantes, para o que se considera legítimo o recurso a todos os meios de acção directa, ainda que violentos, designadamente as paralisações de actividade (greve e lock-out), outros sistemas há que, por forma mais ou menos expressa, encaram já a contratação colectiva como um simples meio de coordenação pacífica de interesses, desempenhando nos conflitos colectivos papel semelhante ao que compete aos contratos individuais nas relações de igual natureza. Para os sistemas que aceitam este entendimento, a contratação colectiva tem de ser naturalmente acompanhada por instrumentos adequados à resolução pacífica dos conflitos, de modo a evitar a sua degeneração em contraste violento. Recorre-se para o efeito, em geral, à existência de órgãos arbitrais de conciliação, que, com a garantia do Estado, procuram objectivar em soluções equitativas os aspectos acerca dos quais as partes não conseguiram chegar a acordo.

Apreciada a questão pela perspectiva histórica, pode dizer-se que se alcançou tal entendimento por uma via semelhante àquela que percorreram os conflitos individuais.

Com efeito, do mesmo modo que, de início, os conflitos individuais de interesses tiveram na 'justiça privada' a sua forma normal de solução, sistema que se confiava às próprias partes o direito de impor, se necessário pela força (individual ou do agrupamento social a que cada um pertencia), a resolução das divergências existentes, também nos conflitos colectivos natural é que se tivesse começado por aceitar idêntica fórmula de 'justiça privada', confiando igualmente aos interessados a sua resolução.

Como é sabido, porém, à medida que as estruturas jurídicas e políticas se foram aperfeiçoando, o sistema da 'justiça privada' nos conflitos individuais foi substituído pela 'justiça pública', em que o Estado chamou a si a pacificação dos diferendos através dos tribunais, não permitindo que os particulares fizessem justiça por suas próprias mãos (salvo em casos excepcionais).

Idêntica orientação se tem observado no domínio dos conflitos colectivos, onde cada vez mais se vai substituindo a intervenção directa das partes pela dos órgãos jurisdicionais de competência institucionalizada.

E não são apenas razões de natureza jurídica que aconselham tal orientação; no mesmo sentido depõem objectivos de ordem social e política. À maior justiça e equidade das soluções assim encontradas junta-se a garantia da paz e da ordem, que só desse modo ficarão convenientemente asseguradas, com a legitimidade inerente à ponderação de todos os interesses em presença.

Esta tem sido também a orientação desde o início preconizada entre nós pelo Estatuto do Trabalho Nacional, e nela residem, outrossim, a justificação das determinações legais relativas à proibição dos meios violentos de resolução dos conflitos colectivos e a marcada tendência de todo o sistema para canalizar a pacificação desses conflitos através dos organismos corporativos. Pode dizer-se que ao nosso sistema apenas tem faltado a exacta individualização dos órgãos arbitrais e de conciliação que a sua estrutura pressupõe, obrigando temporàriamente a recorrer a fórmulas indirectas de intervenção conciliadora.

De qualquer modo, foi-se acumulando uma experiência que hoje deve considerar-se concludente e susceptível de permitir já a consagração de fórmulas legais mais expressas e de mais acentuada expressão orgânica, com vista à criação dos referidos órgãos arbitrais e concomitante processo de conciliação.

Essa a finalidade do presente diploma legal, que apresenta, como primeira inovação, a seguinte: 2. Sistematização da regulamentação das relações colectivas de trabalho. - O desejo de ordenação das matérias segundo uma determinada lógica, em ordem à sua...

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