Assento n.º 10/2000, de 10 de Novembro de 2000

Assento n.º 10/2000 Processo n.º 87/2000, 3.' Secção. - Acordam no plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do artigo 437.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal, do Acórdão proferido por tal Tribunal da Relação em 17 de Dezembro de 1999, processo n.º 4805/99, 3.' secção, com os seguintes fundamentos: No acórdão de que agora se recorre, decidiu-se que no domínio das vigências do Código Penal (CP) de 1982 (versão original) e do Código de Processo Penal (CPP) de 1987, a declaração de contumácia suspende a prescrição do procedimentocriminal; Sobre a mesma questão de direito, no âmbito da mesma legislação, foi proferido em 14 de Outubro de 1999, no recurso n.º 4445/99, da 9.' Secção da mesma Relação, acórdão em que se consagra solução oposta, isto é, que a declaração de contumácia não suspende a prescrição do procedimento criminal; Tais acórdãos decidiram a mesma questão de direito assentando em soluções opostas e no domínio da mesma legislação, tendo ambos transitado em julgado.

Na opinião do Exmo. Magistrado requerente, deverá fixar-se a seguinte jurisprudência: 'No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia não constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.' Na vista que teve dos autos, nos termos do n.º 1 do artigo 440.º do Código de Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de existir oposição de julgados e de o recurso ser admissível.

Por acórdão a fls. 24 e 25 foram julgados verificados a oposição de julgados e todos os pressupostos do recurso, nomeadamente a alegada oposição de julgados e, em consequência, foi ordenado o prosseguimento do recurso.

Cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 442.º do Código de Processo Penal, apenas o Exmo. Magistrado do Ministério Público apresentou alegações em que doutamente se defende que o conflito de jurisprudência deve resolver-se da seguinte maneira: 'No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia não constitui causa de suspensão de prescrição do procedimento criminal.' Colhidos os vistos cumpre decidir.

Da exposição acima feita, é manifesto que os dois acórdãos em conflito, ambos transitados, se pronunciaram em sentido contrário ao apreciarem o mesmo ponto de direito, no domínio da mesma legislação e relativamente a factos idênticos, pelo que se confirma existir a oposição a que se refere o artigo 437.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal.

Para fundamentar o seu ponto de vista, escreveu-se no acórdão recorrido, a certopasso: 'É que o referido n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal de 1982, versão original, tem a seguinte redacção: 'A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) o procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal [...]' Ora, a declaração de contumácia constitui um verdadeiro impedimento legal, que obsta ao prosseguimento do processo (e, portanto, do procedimento criminal) até à apresentação ou à detenção do arguido (artigo 336.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Penal de 1987). Tal como, por exemplo, há um impedimento legal de julgar o Presidente da República antes de findo o mandato por crimes estranhos ao exercício das suas funções (artigo 133.º, n.º 4, da Constituição), há um impedimento legal de julgar um arguido a que não foi possível notificar pessoalmente o despacho que designa dia para julgamento. No primeiro caso há uma falta de autorização legal em virtude das funções da pessoa, no segundo caso há uma falta de autorização legal em virtude da ausência da pessoa. Sem a declaração de contumácia, portanto, o procedimento criminal não pode continuar por falta de uma autorização legal, falta essa que resulta da ausência do arguido no processo e que caduca apenas no momento em que este se apresentar ou for detido.' Por sua vez, o acórdão fundamento baseia-se nas seguintes razões para justificar o seu ponto de vista: 'Cremos, porém, que não tem razão o digno recorrente. É, sem dúvida, verdadeira a primeira premissa em que assenta o seu raciocínio: o artigo 119.º [do Código Penal de 1982] não contém um numerus clausus de causas de suspensão da prescrição.

Simplesmente, respeitando tal norma à 'suspeição da prescrição', a remissão feita no n.º 1 para os 'casos especialmente previstos na lei' só pode referir-se aos casos em que determinado preceito legal atribua expressamente a determinado facto eficácia suspensiva da prescrição.

Assim, só poderia aceitar-se que a remissão é para os casos de suspensão de processo se: a) As expressões 'suspensão do processo' e 'suspensão da prescrição' fossem sinónimos, o que não é verdade - casos há de suspensão da prescrição que se não ligam a qualquer paragem/suspensão do processo [v. o caso paradigmático da alínea b) do n.º 1 do artigo 119.º]; ou b) Houvesse uma indicação do legislador ou se tivesse ao menos de concluir, face aos princípios gerais, no sentido de que toda e qualquer suspensão do processo implica necessariamente a suspensão da prescrição.

Ora, se é certo que o instituto da suspensão da prescrição, para além do mais, 'radica na ideia segundo a qual a produção de determinados eventos, que excluem a possibilidade de o procedimento se iniciar ou a continuar, deve impedir o decurso do prazo da prescrição' (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, 'As consequências jurídicas do crime', p. 711), já parece não poder afirmar-se, peremptoriamente, que qualquer suspensão da instância deve originar a suspensão da prescrição pelo correspondente tempo: é, do ponto de vista teórico, perfeitamente admissível que algumas causas de suspensão do processo não tenham eficácia suspensiva da prescrição. E, assim, cabe ao legislador optar por erigir em causa de suspensão da prescrição toda e qualquer suspensão do processo ou escolher casuisticamente quais os casos de suspensão do processo que devem relevar para esse efeito. E a verdade é que não encontramos no Código Penal de 1982 qualquer indício de que o legislador fez a primeira opção. O argumento histórico leva-nos até a concluir que essa opção foi deliberadamente rejeitada.' Posto isto, vejamos quais as normas jurídicas em causa.

Dispõe o artigo 119.º do Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, no seu n.º 1, o seguinte: 'A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) O procedimento...

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