Assento n.º 3/2000, de 11 de Fevereiro de 2000

Assento n.º 3/2000 Processo n.º 43 073. - Acordam no plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: Paulo Jorge Martins da Nóbrega, que foi julgado no processo comum n.º 98/90 da 2.' Secção do 2.º Juízo do Funchal, interpôs o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, ao abrigo do artigo 437.º do Código de Processo Penal, com os seguintes fundamentos: Por Acórdão deste Supremo Tribunal de 26 de Fevereiro de 1992, proferido em recurso interposto naquele processo da comarca do Funchal, e em provimento do recurso interposto pelo Ministério Público, foi o recorrente condenado na pena unitária de 17 anos de prisão e 1 500 000$00 de multa pela comissão de um crime de associação criminosa para a prática de tráfico de estupefacientes, do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, e de dois crimes de tráfico agravado de estupefacientes, dos artigos 23.º, n.º 1, e 27.º do mesmo diploma legal.

[Tinha sido condenado, na 1.' instância, pela comissão de um crime de tráfico de estupefacientes, dos artigos 23.º, n.º 1, e 27.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 430/83, e pela de um crime de associação criminosa, do seu artigo 28.º, nas penas parcelares de 10 anos de prisão e 500 000$00 de multa e de 11 anos de prisão e 500 000$00 de multa e, em cúmulo, na pena única de 14 anos de prisão e 1 000 000$00 de multa.] A alteração da qualificação jurídica feita por esta instância baseou-se no entendimento expresso de que não correspondia a alteração substancial de factos descritos na acusação a simples modificação do enquadramento jurídico dos mesmos factos, quer em relação ao tipo legal do crime, quer em relação ao número de vezes em que o crime convolado havia sido cometido, como se pode verificar pela seguinte transcrição do acórdão respectivo, proferido em 26 de Fevereiro de 1992, no processo n.º 42 222, deste Tribunal: 'Pretende o ilustre representante do Ministério Público o agravamento da pena unitária aplicada ao arguido Nóbrega, visto considerar a sua actuação como merecedora de uma punição mais elevada, mas mais ajustada à sua personalidade, embora considere como correctas as punições parcelares que lhe foram impostas.

Este arguido cometeu um crime de associação criminosa e teve directa intervenção em duas condutas distintas, na sequência dos objectivos daquela associação criminosa, de tráfico agravado de estupefacientes.

Parece ter considerado o tribunal recorrido, de forma manifestamente implícita, que essa actividade deste arguido seria constitutiva de um crime continuado dessa natureza, mas já se demonstrou que não é admissível, na situação dos autos, a subsunção da conduta dos arguidos a esta figura criminal.

Por isso, há que concluir que o arguido Nóbrega cometeu, não um, mas dois crimes de tráfico agravado de estupefacientes, além do já referido de pertença a associação criminosa.

No entanto, porque a respectiva matéria não é objecto de recurso, está este Supremo Tribunal impossibilitado de proceder à determinação das correspondentes penas parcelares dos diversos crimes de tráfico agravado de estupefacientes, e apenas pode, por o recurso respeitar a esse aspecto, agravar a correlativa punição unitária.

Mostra-se ajustada a punição de 11 anos de prisão e 1 000 000$00 de multa pelo crime de associação criminosa para a prática de ilícitos de tráfico de estupefacientes, do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 430/83, que lhe foi imposta pela 1.' instância.

E, porque a correspondente pena parcelar não foi objecto de recurso, deve ser igualmente considerada como ajustada a pena imposta pela sua actuação enquadrável na previsão dos artigos 23.º, n.º 1, e 27.º, alínea g), do mesmo diploma, de 10 anos de prisão e 500 000$00 de multa.

Mas não se configura como adequada, atentas as gravidades das condutas, a quantidade de produto obtido para revenda e a acumulação de infracções, bem como os aspectos negativos da sua personalidade que foram apontados no local próprio, a pena unitária que lhe foi imposta.

Por tais razões, considera-se como correcta a aplicação de uma pena unitária de 17 anos de prisão e 1 500 000$00 de multa, com o que se dá provimento ao recurso do Exmo. Representante do Ministério Público.' Sucede, no entanto, que essa posição interpretativa da lei, assumida pelo mesmo acórdão, se encontra em oposição com o Acórdão deste Supremo de 18 de Janeiro de 1991, no processo n.º 41 379 (in Colectânea de Jurisprudência, 1991, t. I, p. 5), bem como o Acórdão, igualmente deste Supremo, de 5 de Julho de 1991, no processo n.º 41 644 (in Colectânea, 1991, t. III, p. 29), uma vez que, em ambos, se terá entendido que a condenação por crime diverso do constante da acusação, ainda que baseada nos factos aí descritos, traduz uma alteração substancial da acusação, só admissível com as formalidades previstas pelo artigo 359.º do Código de Processo Penal.

Oportunamente foi esclarecido que se considerava como acórdão fundamento o que foi proferido em 18 de Janeiro de 1991, no processo n.º 41 379.

Foram apresentadas alegações, em que: a) O recorrente defendeu dever ser proferido acórdão, com força obrigatória geral, no sentido de que 'deve ser fixada jurisprudência no sentido da proibição de condenação por uma circunstância modificativa não prevista na acusação ou pronúncia, ainda que a factualidade respectiva ali se encontre narrada', por a expressão utilizada na alínea f) do artigo 1.º do Código de Processo Penal dever ser entendida como referida a um sentido teleológico, correspondente ao propósito de proibir 'a imputação de outro crime, ou a agravação dos limites máximos da pena abstractamente aplicável'; b) O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, depois de se ter referido à conveniência de se firmar jurisprudência sobre o problema prévio de ser ou não possível, no domínio do actual Código de Processo Penal, relativamente à questão de se saber se a decisão preliminar sobre oposição de acórdãos pode ou não ser revista no acórdão final, sustentou que este último, no caso concreto, deveria ser formulado nos seguintes moldes: 'Não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, para os fins dos artigos 1.º, alínea f), 120.º, 284.º, n.º 1, 303.º, n.º 3, 309.º, n.º 2, 359.º, n.os 1 e 2, e 379.º, alínea b), do Código de Processo Penal, a simples alteração da sua qualificação jurídica, mesmo que para crime mais grave.' Foram corridos os vistos devidos.

A final, veio a ser proferido, em 27 de Janeiro de 1993, o Assento uniformizador de jurisprudência n.º 2/93, no qual, depois de se ter deixado em aberto, por não ser objecto do recurso, o problema de se saber se, efectuada uma convolação para crime mais grave, se poderia ou não aplicar uma pena superior à moldura penal prevista para o crime relativamente ao qual se havia feito a convolação, se fixou a seguinte interpretação obrigatória: 'Para os fins dos artigos 1.º, alínea f), 120.º, 284.º, n.º 1, 303.º, n.º 3, 309.º, n.º 2, 359.º, n.os 1 e 2, e 379.º, alínea b), do Código de Processo Penal, não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave.' O recorrente, inconformado, recorreu para o Tribunal Constitucional, a sustentar ser inconstitucional, por violação dos artigos 32.º, n.º 5, e 18.º, n.º 2, da Constituição, o artigo 1.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, em conjugação com os artigos 120.º, 284.º, n.º 1, 303.º, n.º 3, 309.º, n.º 2, 359.º, n.os 1 e 2, e 379.º, alínea b), do mesmo Código (sic).

Esse Tribunal, por seu Acórdão de 31 de Maio de 1995, veio decidir julgar inconstitucional - por violação do princípio constante do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição - o disposto no artigo 1.º, alínea f), do Código de Processo Penal, conjugado com os artigos 120.º, 284.º, n.º 1, 303.º, n.º 3, 309.º, n.º 2, 359.º, n.os 1 e 2, e 379.º, alínea b), e interpretado nos termos constantes do Assento n.º 2/93, como não constituindo alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), mas tão-só na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídico-penal dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que o arguido seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa.

E, em consequência, concedeu provimento ao recurso e determinou a reformulação da decisão recorrida em consonância com o decidido sobre a questão da inconstitucionalidade.

Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, o Exmo.

Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que nada haveria que reformular no Assento n.º 2/93 em causa, na medida em que se não tinha pronunciado, nem o poderia ter feito, sobre a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido, na decisão que foi recorrida para o Tribunal Constitucional (uma vez que o acórdão que procedeu à convolação foi, não o que foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, mas aquele que, proferido neste Supremo, tinha tomado a natureza de acórdão recorrido no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência no âmbito dos presentes autos - isto é, o Acórdão de 26 de Fevereiro de 1992, no processo n.º 42 222).

Sucede, no entanto, que, depois da prolação do Acórdão do Tribunal Constitucional de 31 de Maio de 1995, que determinou a reformulação do Assento n.º 2/93, mas antes de ter havido conhecimento do primeiro, proferiu este Supremo Tribunal, em 7 de Junho de 1995, um outro assento, no processo n.º 47 407, e que já transitou em julgado, no qual se estabeleceu a seguinte doutrina obrigatória sobre o ponto de direito que não tinha sido apreciado no Assento n.º 2/93: 'O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave...

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