Assento n.º 5/94, de 24 de Março de 1994

Assento n.° 5/94 Acordam, em sessão plenária, no Supremo Tribunal de Justiça: I - Maria Elizabete Macedo da Silva recorre, com base no artigo 763.° do Código de Processo Civil, para o pleno deste Supremo do Acórdão deste mesmo Tribunal de 10 de Novembro de 1992, proferido no processo n.° 82 295, em recurso de revista, em que era recorrido António Paulo Mendes da Silva.

A recorrente invoca, como fundamento, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Fevereiro de 1983, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 324, pp. 584 e seguintes, e Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 117.°, pp. 61 e seguintes, e baseia-se em que, no domínio da mesma legislação, acerca da mesma questão fundamental de direito este Supremo assumiu soluções opostas: tratar-se-ia de saber, a propósito e no âmbito da acção de divórcio, se, saindo um dos cônjuges de casa onde ambos habitavam, o que fica e propõe acção de divórcio tem, para além daquele facto, ónus de prova de culpa do réu, ou se, pelo contrário, o que saiu tem ónus de prova de que agiu sem culpa.

Em 15 de Junho, próximo passado, a 1.' Secção deste Supremo proferiu, por unanimidade, o Acórdão a fls. 35 e 36, nos termos do artigo 766.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, no sentido de que existe a oposição que serve de base a este recurso, que, assim, mandou prosseguir.

A recorrente apresentou subsequentes alegações, concluindo (fls. 39 e seguintes): A) Ao contraírem casamento entre si, com vista à formação de uma comunhão plena da vida, nos termos do artigo 1577.° do Código Civil, os cônjuges ficam reciprocamente vinculados aos deveres conjugais, designadamente ao de coabitação, sendo normal que os cônjuges vivam um com o outro, adoptando a residência de família previamente fixada; B) Nos presentes autos, foi dado como provado que, após o casamento, autora e réu foram viver com os pais da primeira para Taboeira, Cantanhede, ou seja, que o lar conjugal foi fixado em casa dos sogros do recorrido, nada permitindo contrariar tal conclusão; C) O pedido de divórcio só pode proceder se se verificarem os diferentes requisitos do artigo 1799.°, n.° 1, do Código Civil, isto é: violação dos deveres conjugais culposa grave ou reiterada que comprometa a possibilidade de vida em comum; D) Foi dado como provado que o réu saiu, no dia de Páscoa de 1989, de casa dos sogros, onde vivia com a autora, e que, após essa data, lá não voltou; E) Assim, ao sair da residência previamente fixada, o recorrido não só violou o dever conjugal de coabitação como comprometeu definitivamente, a possibilidade de vida em comum, dado que não voltou àquela residência decorridos que estão mais de quatro anos, tendo, assim, eliminado qualquer convivência em comum; F) Antes de analisarmos a problemática da culpa importa, enquanto questão prévia, assentar que o casamento assume a natureza de contrato, pois resulta de duas declarações de vontade livremente expressas, contrapostas mas harmonizáveis, emitidas pelos nubentes, de quererem casar um com o outro; G) Nem a intervenção do Estado na respectiva celebração através da figura do oficial público, à semelhança do que acontece com o notário na outorga de escritura pública, afasta tal natureza jurídica do casamento, de acordo com o artigo 189.°, n.° 2, do Código do Registo Civil, o Estado não é parte no acto matrimonial, sendo testemunhal e proclamatória a intervenção do oficial público na sua realização; H) Nem a pré-fixação legal dos efeitos fundamentais do casamento altera tal natureza contratual, pois a sujeição a efeitos previamente fixados na lei verifica-se nos mais diversos tipos de contratos, designadamente o arrendamento, cujos direitos e obrigações dos contraentes, à semelhança do que acontece com o casamento, se prolongam e sofrem mutações legais no tempo sem que, por isso, deixe o mesmo de assumir natureza contratual; I) Ora, sendo o casamento um contrato, encontra-se sujeito ao regime jurídico do artigo 799.°, n.° 1, do Código Civil, relativamente à prova da culpa no incumprimento contratual; J) Assim, é ao cônjuge infractor do dever conjugal, designadamente de coabitação, que cabe o ónus de demonstrar que agiu sem culpa, sob pena de, verificando-se os demais requisitos exigidos pelo artigo 1779.°, n.° 1, do Código Civil, dados como provados nos autos, se ter de dar como assente a culpa e, dessa forma, por reunião de todos os pressupostos, decretar-se o divórcio peticionado; L) Nem este entendimento comporta qualquer desrespeito pelo artigo 342.°, n.° 1, do Código Civil, cuja aplicação é aqui afastada pelo artigo 344.°, n.° 1, do mesmo diploma, já que, havendo presunção de culpa, esta tem de ser acatada; M) Mas ainda por outro fundamento, designadamente o artigo 342.°, n.° 2, do Código Civil, o divórcio deveria ter sido concedido; N) Na verdade, da aplicação desta norma resulta que é ao cônjuge que sai de casa que incumbe fazer a prova de circunstâncias justificativas da sua conduta violadora dos deveres conjugais, tornando este insusceptível de qualquer censura ou reprovação, na medida em tal facto é impeditivo do direito ao divórcio por parte do outro cônjuge, demonstração que, não logrando ser feita, deverá ter como consequência o divórcio peticionado; O) E a conclusão é ainda esta se atentarmos em que a prova de que o cônjuge infractor dos deveres conjugais actuou sem culpa se apresenta como demonstração da realidade de facto negativo, cuja prova é de muito maior dificuldade do que a de factos positivos, o que decorre do artigo 343.°, n.° 1, do Código Civil no que respeita às acções de declaração negativa, devendo assim, também sob esta perspectiva, o ónus da prova de inexistência de culpa por parte do cônjuge infractor recair sobre este e não sobre o outro; P) Assim, não tendo o recorrido, cônjuge infractor do dever conjugal de coabitação, ilidido a presunção de culpa que sobre ele legalmente recaía, nem tão-pouco provado factos impeditivos do direito ao divórcio da requerente, que, por seu lado, provou todos os demais requisitos do mesmo direito, previstos no artigo 1779.°, n.° 1, do Código Civil, o douto acórdão recorrido deveria ter declarado dissolvido, por divórcio, o casamento entre a recorrente e o recorrido, pelo que deve o mesmo ser revogado e substituído por decisão nesse sentido, dado encontrarem-se violados, entre outros, os artigos 1577.°, 799.°, n.° 1, 342.°, n.° 2, e 344.°, n.° 1, do Código Civil, fixando-se, para tanto, assento que fixe a seguinte doutrina: o casamento não deixa de ser um contrato, à luz do artigo 1577.° do Código Civil; sendo um contrato, deve considerar-se submetido ao regime do artigo 799.° do Código Civil relativamente à prova da culpa; dado tratar-se de facto impeditivo do direito ao divórcio, é ao réu que incumbe fazer a prova de que, em face das circunstâncias verificadas, a sua conduta não é reprovável; porque a prova de factos negativos reveste sérias dificuldades, é mais curial que se faça incidir sobre o cônjuge infractor o ónus da prova da inexistência de culpa da sua parte.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público apresentou o douto parecer a fls. 47 e seguintes, terminando por propor a confirmação do acórdão recorrido e a formulação de assento onde se diga: O abandono do lar conjugal só fundamenta o divórcio quando não seja imputável ao abandonado, competindo a este, quando o invoca, a prova da exclusão de culpa sua.

Foram proporcionados vistos a todos os Ex.mos Conselheiros deste Supremo.

II - Visto o disposto no artigo 766.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, ao tribunal pleno compete reapreciar, sendo caso disso, oficiosamente, a questão prévia da existência da oposição de acórdãos.

Contudo, não valerá a pena dizer muito acerca desta questão.

Em rigor e ao contrário do que uma leitura apressada da lei poderia fazer crer, nem seria indispensável que, aqui e agora, algo explicitássemos sobre a existência de oposição de acórdãos.

Com efeito, o que a lei (n.° 3 do artigo 766.° do Código de Processo Civil) diz é que o acórdão da Secção a tal respeito não impede que o pleno decida em sentido contrário; o que vale por dizer que pode não fazer, necessariamente, caso julgado sequer formal.

Mas isto só significa que o pleno pode pronunciar-se em sentido contrário e fazê-lo oficiosamente; não significativa que o pleno tenha de abordar a questão para dizer o mesmo que a...

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