Assento n.º 5/93, de 06 de Abril de 1993

Assento n.° 5/93 Acordam no pleno do Supremo Tribunal de Justiça: António dos Reis Silva e esposa, Maria José, recorreram para o pleno deste Tribunal com fundamento em oposição entre os Acórdãos deste mesmo Tribunal de 24 de Novembro de 1987, proferido no processo n.° 75 346, 1.' Secção, e de 10 de Fevereiro de 1983, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 324, a pp. 561 e segs.

Reconhecida a existência da invocada oposição, o recurso prosseguiu.

Nas suas alegações, os recorrentes pedem que se revogue o acórdão impugnado e se lavre assento no sentido de que 'o direito de preferência concedido ao arrendatário pelo artigo 29.° de Lei n.° 76/77, de 29 de Setembro (Lei do Arrendamento Rural), não abrange a venda de quota do prédio, regendo, em tal caso, o artigo 1409.°, n.° 1, do Código Civil'.

Os recorridos, após defenderem que não há oposição relevante, por não serem iguais as situações de facto que serviam de pressuposto às decisões tomadas, sustentam que, sendo diferente o entendimento do Tribunal, deve ser negado provimento ao recurso e firmado assento que declare que, 'na compra e venda de quota de prédio rústico arrendado, o arrendatário rural tem, nos termos do disposto no artigo 27.° da Lei n.° 76/77, de 29 de Setembro, direito de preferência em relação a terceiro não arrendatário'.

O Ex.mo Magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela confirmação do acórdão recorrido e pela solução do conflito de jurisprudência através de assento com a seguinte formulação: O direito de preferência concedido ao arrendatário pelo artigo 29.° da Lei n.° 76/77, de 29 de Setembro (Lei do Arrendamento Rural), abrange a venda de quotas do prédio.

Cumpredecidir.

O tribunal pleno não está vinculado à decisão preliminar da secção, como expressamente dispõe o n.° 3 do artigo 766.° do Código de Processo Civil; há, pois, que reexaminar a questão com o fim de se decidir se se verificam os pressupostos que condicionam o conhecimento do objecto do recurso.

Ora, fazendo o seu reexame, concluímos que são idênticas as situações de facto apreciadas nos dois acórdãos que se dizem em oposição, pois trata-se, em qualquer dos casos, da venda de quota ideal de prédio rústico, dado de arrendamento rural, a pessoa diferente do arrendatário e relativamente à qual este pretende exercer o direito de preferência.

Com efeito, no Acórdão de 10 de Fevereiro de 1983, com o qual se invoca a oposição, cuidou-se do caso da venda de seis décimas partes indivisas de um prédio rústico, de que os autores eram arrendatários, feita pelo seu dono a terceiro, não arrendatário desse prédio, por escritura pública de 2 de Novembro de 1977; e no Acórdão de 24 de Novembro de 1987 foi versada a preferência na venda do direito a metade de um prédio rústico feita pelo proprietário, por escritura pública de 29 de Setembro de 1979, a pessoa diferente do respectivo arrendatário rural.

Não obstante esta identidade de situações de facto, no acórdão-fundamento foi negado ao arrendatário o direito de preferência, enquanto no acórdão recorrido foi-lhe reconhecido esse direito.

Adoptaram, pois, soluções clara e diametralmente opostas relativamente à mesma questão fundamental de direito, não tendo havido, durante o intervalo de publicação dos dois acórdãos, qualquer modificação legislativa a interferir, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida; os dois arestos foram proferidos em processos diferentes e presume-se o trânsito em julgado do acórdão anterior.

É assim de reconhecer a oposição entre os mencionados acórdãos, proferidos no domínio da mesma legislação (Lei n.° 76/77, de 29 de Setembro), relativamente à mesma questão fundamental de direito, pelo que se considera justificado o recurso para o tribunal pleno, passando-se a conhecer do seu objecto.

Segundo o artigo 29.°, n.° 1, da Lei n.° 76/77, de 29 de Setembro, com base no qual foram proferidos os acórdãos em oposição: No caso da venda ou dação em cumprimento de prédios objecto de arrendamento rural, têm direito de preferência, em primeiro lugar, os respectivos arrendatários.

De que lado estará afinal a boa doutrina? Do lado do acórdão recorrido ou do lado do acórdão-fundamento? Por outras palavras: o direito de preferência concedido ao arrendatário rural não abrange a venda de quota ideal do prédio, mas apenas a venda de todo o imóvel? Ou abrange também a venda de quota ideal? No primeiro sentido, para além do acórdão-fundamento, pronunciou-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 14 de Outubro de 1980 (Colectânea de Jurisprudência, ano V, t. 3, p. 30).

E no segundo, além do acórdão recorrido, decidiram os Acórdãos da Relação de Coimbra de 15 de Março de 1983 (sumariado no Boletim, n.° 326, p. 534) e do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 1984 (Boletim, n.° 333, p. 428).

Propendemos afoitamente para a solução adoptada no Acórdão de 24 de Novembro de 1987.

Vejamos os fundamentos do Acórdão de 10 de Fevereiro de 1983, segundo a descrição feita por Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119.°, p. 382: a) Letra do texto - o artigo 29.° da Lei n.° 76/77 refere-se à venda de prédios, e não de quotas de prédios; b) Natureza da norma - o carácter excepcional do direito de preferência não permite a sua aplicação analógica a casos não previstos na lei; c) História do preceito - o confronto do artigo 29.° da Lei n.° 76/77 com o artigo 25.° do Decreto-Lei n.° 201/75 revela que o novo diploma omitiu deliberadamente a referência à transmissão 'de quota ideal de prédio indiviso', para não conceder o direito de preferência ao arrendatário nesse caso. Ideia confirmada pelo facto de a nova lei ter eliminado a doutrina proclamada na parte final do n.° 1 do artigo 25.° do diploma anterior segundo a qual a preferência do arrendatário rural cedia em face do direito de preferência do co-herdeiro e do comproprietário. A cedência deixou de ter lugar precisamente porque deixou de existir o direito de preferência do arrendatário no caso de venda ou dação em cumprimento de 'quota ideal do prédio indiviso'; d) Espírito da lei - o direito de preferência visa, no caso do arrendamento rural, eliminar a relação senhorio-arrendatário. E esse objectivo não é, no caso, alcançado com a solução aceite pelas instâncias. O arrendatário tornar-se-ia comproprietário do imóvel, em 6/10 dele, mas continuaria como arrendatário em relação aos 4/10 restantes.

Como acentua aquele mestre, nenhum dos argumentos se revela convincente.

O texto da disposição legal exerce, sem dúvida nenhuma, uma dupla influência, muito importante, na fixação do sentido da respectiva norma.

Por um lado, todos sabem que a norma não pode valer com um sentido que não encontre um mínimo bastante de correspondência no invólucro verbal da respectiva disposição (artigo 9.°, n.° 2, do Código Civil).

Por outro lado, é certo também que o sentido que melhor corresponda ao significado natural das palavras usadas na lei fica, por esse simples facto, melhor credenciado que os outros para se impor ao intérprete avisado como a verdadeira expressão do pensamento legislativo. A tal resultado conduz, com efeito, a presunção estabelecida na própria lei, em matéria de interpretação de textos, de que o legislador, ao...

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