Acórdão n.º 81/2016

Data de publicação29 Junho 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 81/2016

Processo n.º 1089/2013

Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, em que é recorrente Sérgio Miguel da Costa Nicolau e recorridos o Ministério da Defesa Nacional e o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, o primeiro vem interpor recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido pela Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, em 20 de junho de 2013, para que seja apreciada a inconstitucionalidade da norma jurídica extraída do artigo 49.º do Regulamento da Lei do Serviço Militar (RLSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 289/2000, de 14 de novembro, quando interpretado:

a) "[...] no sentido em que a mesma consente a exigência do pagamento de uma indemnização, como condição do deferimento da rescisão contratual requerida, cujo montante, de cerca de duas vezes superior ao total auferido durante o período de contrato, impede ou onera intoleravelmente a livre escolha de outra profissão, será materialmente inconstitucional por violação direta do artigo 47.º, n.º 1 da Constituição (direito fundamental de escolha de profissão), na dimensão do direito a não se manter no exercício de uma função ou a não ser obrigado a exercer uma profissão, e na dimensão positiva de escolher uma outra função profissional";

b) "[...] no sentido de estabelecer uma garantia do cumprimento do contrato, que pode traduzir-se na fixação de um montante indemnizatório de valor cem vezes superior ao vencimento mensal do contratado, e cerca de duas vezes superior à totalidade dos vencimentos que auferiu durante o período do seu contrato, a título de ressarcimento dos custos envolvidos na formação ministrada, tendo em conta a expectativa da afetação funcional do militar, viola o núcleo essencial do direito de livre escolha de profissão reconhecido no artigo 47.º, n.º 1 da Constituição";

c) "[...] por operar uma restrição do direito fundamental à escolha de profissão que não respeita nenhum dos critérios das leis restritivas dos direitos fundamentais (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição): nomeadamente porque, nos termos vistos, não existe lei da Assembleia da República que autorize a restrição, mas ainda porque viola o princípio da proporcionalidade em sentido estrito e o princípio da proibição do excesso, e finalmente porque relega para o exercício discricionário da função administrativa os termos da restrição de um direito fundamental";

d) "no sentido em que permite à Administração definir a indemnização ali prevista fixando a título de indemnização 50 % das quantias recebidas pelo militar a título de vencimentos e de alimentação";

Além disso, mais alega o recorrente que aquela norma é organicamente inconstitucional, na medida em que, compreendendo uma restrição à liberdade de escolha de profissão (cf. artigo 47.º, n.º 1, da CRP), não poderia constar de decreto-lei não autorizado, na medida em que a matéria em causa estaria incluída na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, que resulta fixada pelo artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP.

2 - Notificado para o efeito, o recorrente produziu alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões:

«A) A norma constante do artigo 49.º do Regulamento da Lei do Serviço Militar ("RLSM"), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 289/2000, de 14 de novembro, quando interpretada no sentido em que a mesma consente a exigência do pagamento de uma indemnização, como condição do deferimento da rescisão contratual requerida, cujo montante, de cerca de duas vezes superior ao total auferido a durante o período de contrato, impede ou onera intoleravelmente a livre escolha de outra profissão, a mesma é materialmente inconstitucional por violação direta do artigo 47.º, n.º 1 da Constituição (direito fundamental de escolha de profissão), na dimensão do direito a não se manter no exercício de uma função ou a não ser obrigado a exercer determinada profissão, e na dimensão positiva de escolher uma outra função profissional, saindo violado o núcleo essencial deste direito fundamental.

B) A norma do artigo 49.º do RLSM, interpretada no sentido de estabelecer uma garantia do cumprimento do contrato, que pode traduzir-se na fixação de um montante indemnizatório de valor cem vezes superior ao vencimento mensal do contratado, e cerca de duas vezes superior à totalidade dos vencimentos que auferiu durante o período do seu contrato, a título de ressarcimento dos custos envolvidos na formação ministrada, tendo em conta a expectativa da afetação funcional do militar, viola o núcleo essencial do direito de livre escolha de profissão reconhecido no artigo 47.º, n.º 1 da Constituição, tendo em conta o valor fixado para a indemnização, inibidor da possibilidade de mudar de profissão.

C) A norma do artigo 49.º do RLSM padece de inconstitucionalidade orgânica porque carece de lei habilitante nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alíneas b) e t), da Constituição, de acordo com o qual a regulação de matéria que respeita ao regime dos direitos, liberdades e garantias (e sobretudo a restrição de direitos fundamentais, no caso, de liberdade de escolha de profissão), está incluída no âmbito da reserva de competência relativa da Assembleia da República.

D) A norma do artigo 49.º do RLSM é materialmente inconstitucional por operar uma restrição do direito fundamental à escolha de profissão que não respeita nenhum dos critérios das leis restritivas dos direitos fundamentais (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição): nomeadamente porque não existe lei da Assembleia da República que autorize a restrição, porque viola o princípio da proporcionalidade em sentido estrito (na medida em que não pondera devidamente todos os valores constitucionais em presença, como o do direito ao trabalho, tendo em conta o regime contratual precário do Recorrente) e o princípio da proibição do excesso (tendo em conta o valor da indemnização fixada), e finalmente porque relega para o exercício discricionário da função administrativa (para um despacho do membro do Governo responsável pelas Forças Armadas) os termos da restrição de um direito fundamental.

E) A norma do artigo 49.º do RLSM, interpretada no sentido em que permite à Administração definir a indemnização ali prevista fixando a título de indemnização 50 % das quantias recebidas pelo militar a título de vencimentos e de alimentação, viola a "garantia do mínimo" do direito à retribuição, reconhecido no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, conduzindo à absoluta erradicação deste direito, visto ter habilitado a que fosse exigido ao militar ora Recorrente uma indemnização de valor total superior à totalidade do que auferiu, a título de vencimento, durante todo o período do seu contrato.» (fls. 1026 a 1028)

3 - Notificado para o efeito, o recorrido Ministério da Defesa Nacional veio apresentar as contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões:

«[...]

1.º A dimensão condicionante de deferimento da rescisão contratual do militar com o pagamento da justa indemnização advém, não do artigo 49.º do RLSM, mas sim, de clausulado contratual a que se vinculou, de livre vontade, bem como a um conjunto de deveres e obrigações, de cariz militar, que o condicionam, pela natureza das coisas e bem assim, acarretam consequências, em razão da sua livre vontade em querer rescindir o contrato de prestação de serviço militar.

2.º Se tal condicionante de deferimento tem origem, ainda que indiretamente, no pagamento...

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