Acórdão n.º 599/2015

Data de publicação14 Julho 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 599/2015

Processo n.º 124/2013

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes Adelina Maria Moreira Cavadas, António da Silva Hora Ramalho, Olindina Rocha Gomes Ramalho, Rosa Carla da Silva Ramalho, Fernando Hélder Costa Gonçalves e António da Silva Ramalho e recorrida EP-Estradas de Portugal, S. A., os primeiros vêm interpor recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 29 de novembro de 2012 (cf. fls. 1273-1301), que negou provimento ao recurso de revista interposto pelos expropriados (ora recorrentes) do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, por seu turno, julgou parcialmente procedentes os recursos de apelação então interpostos pelas partes (pela entidade expropriante, ora recorrida e pelos expropriados, ora recorrentes).

2 - Os recorrentes pretendem que sejam apreciadas as questões de constitucionalidade assim formuladas no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (cf. fls. 1308-1310):

«ADELINA MARIA MOREIRA CAVADAS e demais Recorrentes nos autos à margem melhor supra identificados, em que é Recorrida, E. P. - Estradas de Portugal, S. A., notificados do teor do Acórdão proferido nos presentes autos, vêm, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da L.O.F.P.T.C., interpor Recurso para o Tribunal Constitucional, o que fazem nos termos seguintes:

1.º

Nos presentes autos de expropriação, debateu-se a questão de saber se pese embora um solo se encontre, parcial ou totalmente inserido em Reserva Agrícola Nacional, o mesmo pode, mais do que ser classificado como solo apto para a construção, como tal ser avaliado, designadamente, por apelo ao critério constante do n.º 12 do artigo 26.º do C.E.

2.º

E a questão colocou-se no sentido de saber se, pese embora o alcance limitativo da imposição de uma restrição de utilidade pública, as circunstâncias do caso concreto, pela verificação dos pressupostos que o legislador ordinário formula para que um solo se classifique como solo apto para a construção, e, concomitantemente, pela verificação daquelas que são descritas na norma supra citada (designadamente, demonstrando-se relativamente a si preenchido uma condição última, ou seja, a da aquisição do solo com anterioridade face à entrada em vigora do P.D.M.), poderia justificar a aplicação, mesmo que a título analógico, do n.º 12 do artigo 26.º do C.E., e assim avaliar-se o solo.

3.º

Ora, a questão suscitou-se junto deste Tribunal, tendo aí Vossas Excelências enunciando que esta questão interpretativa - a de eventual aplicação por analogia do regime prescrito para as zonas verdes do plano urbanístico aos terrenos incluídos na vinculação situacional da propriedade decorrente da inclusão na RAN/REN - envolve prioritariamente a resolução de uma questão de constitucionalidade, ainda não definitivamente solucionada pelo Tribunal Constitucional (fls. 24 do Acórdão recorrido).

4.º

Porém, e percorrendo a jurisprudência que no patamar constitucional sobre esta questão se vem gerando, concluiu este Tribunal por assumir a jurisprudência expressa por outro Aresto deste Supremo Tribunal, dizendo que não é possível aplicar analogicamente o disposto no artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, aos casos de expropriação de terrenos integrados na RAN (fls. 27).

5.º

E fê-lo em dissonância com aquilo que foi defendido pelos Recorrentes, concluindo, de resto, que violaria, aliás, o princípio constitucional da igualdade, indemnizar o expropriado de um terreno integrado na RAN que, em virtude de um superior interesse público, é proprietário de um terreno sem aptidão construtiva, com base em critérios de construção previstos para o terreno que possuía essa aptidão, [...] como na hipótese do n.º 12 do artigo 26.º (fls. 28).

6.º

Ora, a nosso ver, e como oportunamente expressamos, um entendimento desta natureza é necessariamente inconstitucional. De facto, dizer-se, como vimos suceder ao longo das instâncias e agora, em termos definitivos, por este Supremo Tribunal de Justiça, que um solo integrado em R.A.N. não pode ser avaliado como solo apto para a construção, ao abrigo do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do C.E., é privar-se o Expropriado de uma justa indemnização,

7.º

Daí que, tendo sido suscitada a questão da inconstitucionalidade de tal interpretação (dizendo-se que a ser de outro modo, e não colhendo este entendimento nos exatos termos evidenciados, não podemos deixar de invocar a inconstitucionalidade da interpretação efetuada dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 12, quando se considera não se pode avaliar o terreno expropriado como apto para construção, nem aplicar por analogia o preceituado no artigo 26.º, n.º 12 do C.E., mesmo que tal terreno cumpra os requisitos gerais do seu artigo 25.º, n.º 2, quando o mesmo seja integrado em Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial cuja publicação ocorreu em data posterior à sua aquisição pelos Expropriados, devendo o mesmo ser avaliado como solo apto para outros fins, nos termos do disposto no artigo 27.º do C.E., por manifesta violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 13.º, 18.º e 62.º, ambos da Constituição da República Portuguesa), designadamente ao nível da conclusão X formulada e nos artigos 116.º e seguintes das Alegações,

8.º

E não admitindo o Acórdão proferido recurso ordinário,

9.º

Estão preenchidos os requisitos legais para a admissão do presente recurso.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser admitido e, consequentemente, na sua admissão, deverão os Recorrentes ser notificados de modo a apresentarem oportunamente a sua motivação.»

3 - O requerimento de recurso para este Tribunal foi admitido por despacho do Tribunal a quo de 11/02/2013 (cf. fls. 1317).

4 - Tendo o recurso de constitucionalidade prosseguido no Tribunal Constitucional, foram as partes notificadas para produzir alegações (cf. fls. 1328).

5 - Em sede de alegações de recurso, os recorrentes apresentaram as seguintes conclusões (cf. fls. 1386-1392):

«Conclusões:

I. O objeto do presente recurso centra-se em saber se a interpretação que da norma do n.º 12 do artigo 26.º do C.E. foi feita pelo Supremo Tribunal de Justiça se revela, de facto, consentânea com aquele que é o âmbito de proteção e garantia do n.º 2 do artigo 62.º da C.R.P., e, designadamente, se se revela suscetível de um juízo de inconstitucionalidade perante a violação do princípio da justa indemnização e, inerentemente, como vem sendo defendido, do próprio princípio da igualdade na sua vertente externa.

II. Na verdade, porque o direito de propriedade não é mais visto como um direito absoluto, ante a declaração ou reconhecimento do interesse público subjacente à execução de um projeto ou obra, impõe garantir-se que como contrapartida à ablação do bem ou direito por aquela via motivado se assegura a efetivação, no plano patrimonial, de uma justa composição à pessoa do visado.

III. Ora, se não compete a este Tribunal pronunciar-se sobre os critérios (legais) arvorados com vista à fixação da dita indemnização, compete-lhe já, porém, apreciar se a interpretação que destes é feita, em cada caso concreto, se revela adequada e consentânea com os princípios que enformam a expropriação por utilidade pública, de modo a concluir-se pela [i]legitimidade com que a mesma é realizada, designadamente por apelo ao princípio da justa indemnização que aquela postula.

IV. No concreto caso dos autos, as instâncias, em geral, e o Tribunal recorrido, em concreto, foram chamados a tomar posição sobre uma questão que vem sendo, sobretudo na vigência do atual diploma legal (pese embora fosse já a mesma suscitada, ainda que em moldes diferentes, também ao nível do Código das Expropriações de 1991), suscitada de forma muito premente, como seja a de saber se um solo inserido em Reserva Agrícola Nacional, pode, mais do que ser classificado como "solo apto para a construção", ser como tal avaliado, designadamente, por apelo ao critério constante do n.º 12 do artigo 26.º do C.E. e se tal solução se revela, dependendo do prisma que se adote, [in]constitucional.

V. Note-se, porém, e é esta uma ressalva que também neste quadro importa desde já deixar, a convocação feita por via das diferentes instâncias jurisdicionais, se tem por tema central algo comum a anteriores pronúncias (dissonantes entre si), ainda assim tem a enformá-lo um conjunto de elementos específicos e de argumentos jurídicos que, com ressalva por melhor opinião, não tiveram enquadramento no âmbito das ditas pronúncias anteriores.

VI. De facto, e ainda que se reconheça a existência de um conjunto de limitações inerentes à imposição de uma restrição de utilidade pública, como é a que deriva da inserção em Reserva Agrícola Nacional, as circunstâncias do caso concreto, pela verificação dos pressupostos que o legislador ordinário formula para que um solo se classifique como "solo apto para a construção", e, concomitantemente, pela verificação daquelas que são descritas na norma supra citada (designadamente, demonstrando-se relativamente a si preenchido uma condição última, ou seja, a da aquisição do solo com anterioridade face à entrada em vigora do P.D.M.), poderia justificar a aplicação, mesmo que a título analógico, do n.º 12 do artigo 26.º do C.E., e assim avaliar-se o solo, sem se ofenderem os princípios da igualdade e da justa indemnização.

VII. Não sendo o legislador ordinário particularmente preciso na determinação do sentido e alcance desta concreta norma (algo que herdou, na versão atual, da anterior redação do mesmo diploma, que esta norma, porém, veio alargar), vem sendo, todavia, construído do ponto de vista doutrinal e jurisprudencial uma justificação relacionada com...

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