Acórdão n.º 591/2016

Data de publicação13 Dezembro 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 591/2016

Processo n.º 278/16

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 - Martins Pinto Malheiro, S. A., recorrente nos presentes autos em que é recorrido o Instituto da Segurança Social, I. P. - Centro Distrital de Braga, apresentou um pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono, tendo em vista a oposição a injunção contra si movida junto do Balcão Nacional de Injunções com o valor de (euro) 82 950,80 (fls. 6). O pedido foi rejeitado liminarmente com base no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto (adiante referida simplesmente como "Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais" ou "LADT"), segundo o qual, «as pessoas coletivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a proteção jurídica» (fls 12).

Inconformada, a ora recorrente impugnou judicialmente tal rejeição, invocando, além do mais, a inconstitucionalidade da norma contida no citado artigo 7.º, n.º 3, assim como a sua contrariedade relativamente ao direito da União Europeia, em especial no que respeita ao artigo 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia ("CDFUE")

(fls 15 e ss.). Por despacho de 1 de março de 2016, o Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Instância Local - Secção Cível - Juiz 3, recusou provimento à impugnação por manifesta inviabilidade (artigo 28.º, n.º 4, da LADT), nos seguintes termos (fls. 48 e ss.):

«O art. 20.º da CRP reconhece vários direitos, conexos mas distintos, que se reconduzem a um direito geral à proteção jurídica.

Trata-se de um preceito programático, a concretizar pela lei ordinária, que deverá ter em conta que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos (n.º 1 in fine do citado art. 20.º).

A legislação ordinária que concretiza e regulamenta este direito compreende [...] a Lei n.º 34/2004, de 29.07 e a Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, que altera a Lei n.º 34/2004, de [29 de julho], e que é aplicável aos presentes autos. [...]

A requerente é uma pessoa coletiva com fins lucrativos, pelo que é a própria lei [- o artigo 7.º, n.º 3, da mencionada Lei n.º 34/2004, com a redação dada pela citada Lei n.º 47/2007 -] que lhe recusa este tipo de proteção.

Em contraponto, caso se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência atual ou iminente, a requerente pode sempre propor-se à recuperação, através de um processo de revitalização ou de insolvência - nos termos conjugados dos arts. 3.º, n.º[s] 1 e 4, e 17.º-A do CIRE -, beneficiando da isenção a que alude a alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP, normas estas que o ordenamento jurídico consigna para, precisamente, obviar à inconstitucionalidade que a requerente invoca mas que, pela razão vinda de referir, considero não existir.»

De novo irresignada, a requerente interpôs recurso de constitucionalidade com base no artigo 70.º n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro ("LTC"), para apreciação da norma do artigo 7.º, n.º 3, da LADT, «na parte em que recusa proteção jurídica, nomeadamente apoio judiciário, a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas e/ou na parte em que recusa proteção jurídica, nomeadamente concessão de apoio judiciário, a pessoas coletivas que nas circunstâncias económico-financeiras e sociais absolutamente excecionais mencionadas provando a sua insuficiência económica, demonstrem que o litígio para o qual é requerido o apoio exorbita da respetiva atividade económica normal, ocasionando custos consideravelmente superiores às possibilidades económicas das mesmas» (fls. 51) em confronto com o disposto nos artigos 12.º, 13.º e 20.º da Constituição. A tal requerimento juntou a recorrente uma motivação (fls. 53 e ss.), onde precisa estar em causa a inconstitucionalidade do artigo 7.º, n.º 3, da LADT, «interpretado pela Segurança Social no sentido de impedir a concessão de proteção jurídica (incluindo, portanto, o apoio judiciário em todas as suas modalidades) sem sequer procurar saber a situação de facto da sociedade recorrente e o valor das custas processuais do caso em apreço» (fls. 61, v.º).

2 - Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal, foram as partes notificadas para alegar.

Apenas a recorrente apresentou alegações (fls. 87 e ss.), concluindo no que se refere à estatuição contida no artigo 7.º, n.º 3, da LADT, de que as pessoas coletivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a proteção jurídica:

(i) A «distinção, dentro das pessoas coletivas, de diversos tipos de entidades, de acordo com a sua finalidade, como base de uma discriminação no tocante à concessão de apoio judiciário, viola os princípios da indefesa e do processo equitativo, nos termos dos artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP, bem como o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, aplicável às pessoas coletivas, por força do n.º 2 do artigo 12.º, ambos da mesma Lei Fundamental» (fls. 101);

(ii) «O artigo 20.º, n.º 1, da CRP garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos [não] se vislumbrando [...] razões que pela sua natureza excluam as pessoas coletivas com escopo lucrativo da titularidade do direito ao acesso ao sistema de justiça, com benefício de apoio judiciário, nos casos em que a sua situação económica se revele insuficiente para satisfazer os custos desse sistema [... assim,] a ideia de que a norma jurídica sob apreciação consubstancia uma restrição constitucionalmente admissível a este direito fundamental não pode ser minimamente sustentada neste caso pela razão evidente que o legislador ordinário não conferiu qualquer espécie de proteção jurídica às pessoas coletivas com fins lucrativos, tendo-lhes retirado de uma forma radical e absoluta a possibilidade de usufruírem desse direito, pelo que não estamos perante uma medida restritiva, mas sim ablativa desse direito constitucional a determinados titulares, o que se traduz numa flagrante violação do disposto no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, in fine» (fls. 102 e 104);

(iii) «A insuficiência económica das pessoas coletivas com fins lucrativos não pode ter como critério a sua colocação prévia em situação de falência ou insolvência - neste caso, estas entidades beneficiam de isenção de custas processuais a que alude a alínea t) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro - na medida em que a concessão prévia de apoio judiciário visa naturalmente obviar a que entidades viáveis do ponto de vista financeiro sejam obrigadas a colocar-se nas condições mencionadas, com prejuízo não só naturalmente para os próprios envolvidos, como para a economia em geral» (fls. 105);

(iv) «O artigo 7.º, n.º 3, do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais foi interpretado pela Segurança Social no sentido de impedir a concessão de proteção jurídica (incluindo, portanto, o apoio judiciário em todas as suas modalidades) sem sequer procurar saber se a situação de facto da sociedade Recorrente e o valor das custas processuais do caso em apreço [, o que configura, de acordo com algumas decisões do Tribunal Constitucional, nomeadamente o Acórdão n.º 279/2009 - ainda que em oposição a outros Acórdãos, como, por exemplo, os Acórdãos n.os 307/2009 e 308/2009 -] uma violação do disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, quando aplicado precisamente às pessoas coletivas com fins lucrativos que, provando a sua insuficiência económica...

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