Acórdão n.º 526/2016

Data de publicação07 Novembro 2016
SectionParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 526/2016

Processo n.º 1059/15

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, o Tribunal da Comarca de Braga - Núcleo de Braga - Instancia Central - 1.ª Secção de Trabalho, numa ação com processo especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado Manuel da Costa Vieira e ré Generali - Companhia de Seguros, SpA, proferiu sentença a 9 de junho de 2015.

Inconformada, a ré recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou o recurso improcedente e confirmou a decisão recorrida por acórdão de 22 de outubro de 2015.

2 - Por ainda inconformada, a ré interpôs recurso deste aresto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro [LTC]), nos seguintes termos (fls 113-116):

«[...] a Recorrente continua inconformada coma a decisão proferida por este Tribunal da Relação de Guimarães que decidiu julgar desconformes com o texto constitucional a normas constante da alínea a) do n.º 5 do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro (Tabela Nacional de Incapacidade por acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais).

[...] Dela vem agora a Recorrente, porque estão em tempo e para tal tem legitimidade (Cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 72.º da Lei do T. Constitucional), interpor recurso para o Tribunal Constitucional».

Prosseguindo o processo para alegações, a recorrente alegou (fls. 141-146) concluindo do seguinte modo:

«A.) A Recorrente perfilha o entendimento, a bonificação prevista na alínea a) do n.º 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais apenas quando o trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional não for reconvertível em relação ao posto de trabalho, sob pena de violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.

B.) O recorrido, à data do sinistro, tinha 56 anos, o que determinou a aplicação do fator de bonificação de 1,5, em harmonia com a alínea a) do n.º 5 do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro (Tabela Nacional de Incapacidade por acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais).

C.) A Recorrente crê que a aplicação do fator de bonificação, apenas tendo como critério da idade do sinistrado, terá necessariamente de ser considerado inconstitucional, por violação do princípio da igualdade.

D.) Ao dispor que "quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator" o trabalhador, mesmo que possa retomar sem qualquer outra limitação o posto de trabalho anterior, poderá beneficiar de idêntica bonificação se "tiver 50 anos ou mais", o legislador parece ter querido colocar na mesma situação daqueles que se encontram impossibilitados de retomar o posto de trabalho anterior todos os que tenham 50 ou mais anos. A ser assim, àquela circunstância, que se traduz numa circunstância negativa que acresce à perda da capacidade de ganho que, por força do acidente de trabalho ou da doença profissional, atinge o trabalhador, seria equiparado o simples facto de se ter atingido a idade de 50 anos, ou seja, o mero decurso do tempo.

E.) Não se vê em que é que a circunstância de ter atingido a idade de 50 anos (ou qualquer outra) constitui fundamento razoável para determinar a produção da referida consequência, isto é, a majoração em 50 % do valor dos coeficientes relevantes para o cálculo da indemnização devida por acidente de trabalho ou doença profissional.

F.) Não se vê em que é que a circunstância de ter atingido a idade de 50 anos (ou qualquer outra) constitui fundamento razoável para determinar a produção da referida consequência, isto é, a majoração em 50 % do valor dos coeficientes relevantes para o cálculo da indemnização devida por acidente de trabalho ou doença profissional.

G.) O facto de o trabalhador doente ou acidentado ter atingido a idade de 50 anos, e elevação em metade da indemnização, correspondente à perda da sua capacidade de ganho, a que tem direito em virtude da sua incapacidade, consagra uma solução manifestamente desprovida de fundamento. O ponto é que essa falta de fundamento é tal que permite considerar arbitrária a solução, não se fundando, como se não funda, na realidade, em qualquer dado científico ou de experiência suscetível de a justificar. Na verdade, porque é que uma tal bonificação seria justificada aos cinquenta anos, e não já aos quarenta ou quarenta e cinco, ou não apenas aos sessenta ou mesmo aos cinquenta e cinco? Ou, mais radicalmente, porque é que tal bonificação há de decorrer, pura e simplesmente do decurso do tempo, da simples circunstância de se atingir uma determinada idade?

H.) O que se encontra consagrado na alínea a) do n.º 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças é uma prescrição que dispensa uma tal consideração, substituindo-a por uma regra rígida e inflexível que faz inelutavelmente decorrer do facto de a vítima de determinado acidente de trabalho ou de doença profissional ter atingido uma determinada idade (50 anos) o benefício de uma bonificação de 50 %. Em lugar de uma valoração de todas as circunstâncias (entre as quais a idade de vítima, que pode revelar-se relevante, no cálculo da indemnização decorrente da incapacidade) o que temos aqui é a substituição de uma tal ponderação, que, valorizando a intensidade e gravidade das lesões, atende a todos os aspetos da situação, pelo seu oposto: a automática e mecânica bonificação (em 50 %)dos coeficientes de incapacidade, pelo mero facto de se ter atingido a idade de cinquenta anos, independentemente (e por isso, com desconsideração) da natureza e características da incapacidade em questão e do caráter e tipo de acidente de trabalho ou da doença profissional que a originou.

I.) Ora, a proibição do arbítrio tem sido identificada como uma exigência do princípio da igualdade, constitucionalmente garantido, tendo esta posição sido consensualmente assumida por diversos Tribunais Constitucionais, como se recorda entre outros, no Acórdão n.º 232/2003, de 3 de maio, do Tribunal Constitucional Português.

J.) Assim, a diferenciação de tratamento estabelecida pela alínea a) do n.º 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais entre os trabalhadores de idade igual ou superior a 50 anos e os demais, para o efeito de atribuir aos primeiros, nas condições cima referidas, uma bonificação de 50 % dos seus coeficientes de incapacidade, é manifestamente infundada, por irrazoável e desprovida de qualquer fundamentação racional, pelo que deve ser considerada uma diferenciação de tratamento não justificada por qualquer valor constitucionalmente relevante. Nestes termos, entender-se que aquele segmento normativo constitui uma violação ao princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República, sendo, como tal, inconstitucional.

K.) Assim, há que concluir que os Tribunais devem recusar a aplicação do normativo em questão, fazendo aplicação da bonificação prevista na alínea a) do n.º 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais apenas quando o trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional não for reconvertível em relação ao posto de trabalho.

L.) Resumindo, não deverá ser aplicada à bonificação de 1,5 à soma das incapacidades, apenas porque o Sinistrado à data dos factos tinha 56 anos, porquanto tal resulta de um juízo arbitrário violador do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.»

Por sua vez, o recorrido, Manuel da Costa Vieira, representado pelo Ministério Público, contra-alegou (fls. 147-185), concluindo:

«V. Conclusões

22.º

Nos autos, que determinaram a apresentação do recurso de constitucionalidade em apreciação, por sentença de 9 de junho de 2015 (cf. fls. 66-68 dos autos), o Meritíssimo Juiz da 1.ª Secção de Trabalho - J2, Instância Central de Braga, apreciou ação com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado Manuel da Costa Vieira e ré, "Generali - Companhia de Seguros, SpA".

23.º

O sinistrado, operador de máquinas-ferramentas (torneiro mecânico de 3.ª) na firma "Jobasi - Acessórios Elétricos e Bronzes, S. A.", sofreu um acidente de trabalho em 10 de fevereiro de 2014, tendo a alta ocorrido em 28 de julho de 2014.

24.º

O sinistrado sofreu lesões determinantes de uma incapacidade parcial e permanente (IPP) de 10,35 %, atribuída, por unanimidade, pela junta médica.

Com efeito, a referida junta médica, em 4 de junho de 2015, comprovou o «esfacêlo do polegar direito» e a «anquilose da interfalângica e dismorfia cicatricial na face palmar de F1/F2 com perturbação da sensibilidade», tendo atribuído, ao sinistrado, uma incapacidade parcial e permanente de 10,35 % (cf. fls. 63-64 dos autos).

25.º

Na sentença, proferida em 9 de junho de 2015, o Meritíssimo Juiz de 1.ª instância apreciou o processo emergente de acidente de trabalho e concluiu (cf. fls. 67-68 dos autos) (destaques do signatário):

"Decidindo:

Tendo em conta as informações clínicas constantes dos autos sobre a natureza das lesões, a gravidade destas, as suas sequelas, o estado geral, a idade e a profissão do(a) sinistrado(a), sendo certo que inexiste fundamento que permita um entendimento diverso do expendido pelos peritos que integraram a junta médica, parece-nos adequado o enquadramento e o coeficiente por eles arbitrado no exame que efetuaram (artigo 138.º, n.º 2 do C.P.T.).

Àquele coeficiente global de incapacidade e à retribuição auferida pelo(a) sinistrado(a) corresponde, nos termos do disposto nos artigos 48.º, n.º 3, alínea c), 75.º, 76.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro e Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro, o capital correspondente à remição da pensão anual e vitalícia de 720,10 (euro).

Pelo exposto, decide-se fixar em 10,35 % o coeficiente de IPP que afeta o(a) sinistrado(a) desde 29/07/2014, dia imediato ao da alta, e, em consequência, condena-se a seguradora a pagar ao(à) sinistrado(a)...

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