Acórdão n.º 486/2016

Data de publicação13 Outubro 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 486/2016

Processo n.º 600/16

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 - Nos presentes autos de reclamação deduzida ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante referida como "LTC"), em que é reclamante João Manuel Oliveira Rendeiro e reclamados o Ministério Público e o Banco de Portugal, foi requerido pelo Ministério Público junto deste Tribunal, com base no disposto no artigo 43.º, n.º 5, da LTC, «que corram em férias os prazos processuais previstos na lei». Para o efeito, invocou o seguinte:

«1.º Considerando, entre o mais a data da prática dos factos e o prazo máximo de prescrição, por despacho de 3 de junho de 2015, proferido pela Senhora Juíza do Tribunal de Concorrência, Regulação e Supervisão, foi atribuída aos presentes autos natureza urgente.

2.º Ora, aproximando-se um período de férias judiciais e tendo em atenção que a razão que motivou a declaração de urgência não só se mantém como, naturalmente, ganhou acuidade [...].» (fls. 71)

Por despacho de fls. 73, proferido em 15 de julho de 2016, determinou-se a notificação da recorrente, ora reclamante, para se pronunciar sobre tal requerimento. Concomitantemente, determinou-se que, de modo a acautelar o efeito útil do mesmo, atenta a proximidade das férias judiciais, que, de forma provisória e cautelar, os prazos processuais na presente reclamação corressem em férias, até decisão definitiva do incidente. Em conformidade, foi ordenada a vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 77.º, n.º 3, da LTC.

Uma vez apresentado o parecer do Ministério Público (fls. 76-79), a conferência proferiu, em 22 de julho de 2016, o Acórdão n.º 482/2016, indeferindo a reclamação apresentada (cf. o artigo 77.º, n.º 1, da LTC; v. fls. 82-96).

2 - A fls. 101 e ss. veio o reclamante opor-se a que, na presente reclamação, «corram em férias os prazos processuais previstos na lei» e arguir a irregularidade do despacho de fls. 73 que, de forma provisória e cautelar, determinou que no caso concreto e até à decisão definitiva do requerido pelo Ministério Público, tais prazos corressem em férias, com fundamento em inadmissibilidade legal e inconstitucionalidade.

Com efeito, segundo o reclamante, decorre do artigo 43.º, n.º 5, da LTC, que o relator no Tribunal Constitucional só pode determinar, a requerimento de qualquer interessado, que os prazos processuais não se suspendam durante as férias judiciais desde que o processo em causa seja legalmente qualificado como urgente na ordem jurisdicional de onde provém, o que in casu não se verifica, uma vez que a natureza urgente do processo-base resulta apenas do despacho mencionado no requerimento do Ministério Público, despacho esse que, nos termos do seu teor literal, conferiu «"natureza urgente [ao processo] até à leitura da sentença em 1.ª instância, devendo igualmente os atos da secretaria ser praticados com a maior urgência possível (artigo 103.º, n.º 2, alínea b), do CPP, aplicado ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO"» (cf. o n.º 9, fls. 102). Acresce que, ainda segundo o reclamante, o despacho de atribuição, a título provisório e cautelar, de caráter "urgente" à presente reclamação, «não se encontra fundamentado em qualquer dispositivo legal, nem tão pouco cabe na previsão do art. 43.º, n.º 5, da LTC ou na Lei Processual Penal, sendo antes um despacho completamente ad hoc, sem previsão legal e consequentemente, legalmente inadmissível.» (cf. o n.º 12, fls. 103). Mais:

«13 - A interpretação efetuada por esse Tribunal Constitucional do disposto no art. 43.º da [LTC], em especial do n.º 5 e do art. 103.º do CPP no sentido de ser admissível, ao Relator, determinar cautelarmente e de forma provisória a urgência de um processo/incidente até decisão final sobre esse incidente, fora das situações excecionais previstas naqueles artigos é inconstitucional por violação das mais elementares regras e princípios do processo justo e equitativo, da transparência e lealdades processuais, das garantias de defesa asseguradas ao arguido e respeito pelo princípio da proporcionalidade das suas limitações, consagrados nos artigos 2.º, 3.º, n.os 2 e 3, 18.º, 20.º, n.º[s] 1, 4 e 5, 29.º, 32.º, n.º[s] 1, 2 5, e 10, 202.º, n.º 2, 203.º, parte final, 204.º e 205.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.

14 - O sentido conforme com a Constituição da República Portuguesa que deveria ter sido adotado na interpretação dos referidos artigos é o de não ser admissível, por não ter cabimento legal, a determinação, ainda que cautelar ou provisória da urgência de um determinado processo fora das situações específicas e absolutamente excecionais previstas nos artigos 103.º do CPP e 43.º da [LTC].» (fls. 103)

Estes mesmos argumentos foram retomados no requerimento de fls. 122 e ss, apresentado na sequência da notificação do mencionado Acórdão 482/2016, retirando-se a consequência da invocada irregularidade do despacho de fls. 73:

«19 - [P]ara além de revogado o despacho proferido a fls. 73 na parte em que determina a urgência cautelar e provisória dos autos, e sua substituição por outro que, em obediência à Lei e à Constituição se limite a determinar seja o recorrente notificado para se pronunciar sobre o requerimento apresentado pelo MP, não correndo tal prazo em férias judiciais, deve ser revogado o acórdão agora proferido por ter sido proferido em férias judiciais, fora das situações em que tal prolação é admissível.» (fls. 125)

3 - A arguição da irregularidade do despacho do relator de fls. 73 que, de forma provisória e cautelar, determinou que na presente reclamação os prazos processuais previstos na lei corram em férias até que seja decidida definitivamente a pretensão oportunamente apresentada pelo Ministério Público traduz-se numa reclamação (cf. o artigo 78.º-B, n.º 2, da LTC), justificando-se, por isso a abertura do contraditório aos demais interessados.

O Ministério Público veio dizer que a aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 5, da LTC, abrange os casos em que a qualificação como urgente é feita ope judicis (Acórdão n.º 393/2015), e que, por outro lado, essa natureza se manteve em todas as fases posteriores, como é evidenciado, por exemplo, pelo despacho proferido em 15 de julho de 2015 (fls. 117 e ss.). Além disso, o facto de nas instâncias se ter considerado que a natureza urgente não se aplicava à prática de atos dos intervenientes processuais não é decisivo para efeitos de, no Tribunal Constitucional, os prazos previstos na lei correrem em férias, como o mesmo Tribunal de forma clara e fundamentada já entendeu e decidiu (Acórdão n.º 393/2015) (ibidem). Especificamente sobre a determinação provisória e cautelar de os prazos processuais no presente processo correrem em férias judiciais, disse o seguinte:

«4.º

Assim, como com o decurso do tempo, a razão que motivou a da qualificação como urgente do processo não só se manteve como ganhou pertinência, naturalmente que, até este incidente estar definitivamente resolvido e tendo em consideração a proximidade das férias judiciais, só poderia ter sido determinado, como foi, que, de forma cautelar e provisória, os prazos corressem em férias.

5.º

Efetivamente, se assim fosse, poderia chegar-se a uma situação em que, quando o incidente estivesse definitivamente resolvido, grande parte ou mesmo a totalidade das férias já tivesse decorrido, não se revestindo de utilidade o pedido ainda que viesse a ser deferido.

6.º

Naturalmente que se o pedido não for deferido, têm de ser retiradas as consequências quanto aos atos praticados, nunca sendo, pois, o reclamante prejudicado.

7.º

Essencial é que o reclamante - como, aliás, todos os intervenientes processuais - conheça claramente qual o regime que está a ser aplicado para...

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