Acórdão n.º 461/2016

Data de publicação13 Outubro 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 461/2016

Processo n.º 507/15

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - Maria Teresa da Silva de Almeida Afonso apresentou no Balcão Nacional de Injunções requerimento de injunção contra Ana Cristina da Conceção Guerreiro Conchinha, com vista a obter desta o pagamento da quantia de (euro)9.388,03.

Notificada do requerimento de injunção, a requerida Ana Conchinha apresentou nos autos documento comprovativo de que havia solicitado junto do Instituto da Segurança Social, Centro Distrital de Setúbal, que lhe fosse concedido apoio judiciário, na modalidade de nomeação e pagamento de compensação a patrono e de dispensa de taxa de justiça, e demais encargos com o processo, a fim de deduzir contestação nos autos.

Comunicado pelo Instituto da Segurança Social o deferimento do benefício de proteção jurídica, nas modalidades requeridas, e pela Ordem dos Advogados a nomeação de patrono oficioso, veio a requerida, em 16 de junho de 2014, apresentar oposição ao requerimento de injunção, cuja tempestividade suportou no facto de ter sido notificada da nomeação de patrono apenas em 30 de maio de 2014.

Em 20 de junho de 2014, o Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Santiago do Cacém, Comarca do Alentejo Litoral, determinou o desentranhamento da oposição apresentada, com fundamento na sua extemporaneidade, e proferiu sentença a conferir força executiva ao requerimento de injunção.

Inconformada, a requerida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, o qual, por acórdão de 12 de março de 2015, julgou procedente o recurso, revogou a sentença recorrida e determinou o prosseguimento dos termos posteriores à contestação. Para o efeito, recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade material, de interpretação normativa da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, "no sentido de considerar como válido e eficaz o patrocínio judiciário quando o seu requerente só é dele notificado depois do patrono nomeado". Os seus termos, no que importa ao presente recurso, foram os seguintes:

«Por e-mail de 14 de maio de 2014, a Ilustre Patrona foi notificada de que tinha sido nomeada patrona da requerida para os termos deste processo.

A nomeação de patrono foi notificada à Recorrente em 30 de maio de 2014.

A oposição ao requerimento de injunção foi apresentada em 16 de junho de 2014.

O problema é só o de saber a partir de qual notificação se retoma a contagem do prazo processual que estava suspenso com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento de apoio.

O despacho recorrido que a notificação que releva é a que é feita ao patrono nomeado.

A recorrente defende que é a que é feita ao próprio requerente.

Esclareça-se, em todo o caso e porque a recorrente levanta a questão, que estas notificações são efetuadas pela Ordem, nos termos do art.º 31.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004.

A Lei n.º 34/2004 dispõe no seu art.º 24.º, n.º 4, o seguinte:

«4- Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo».

Que é este o preceito aplicável não dá lugar a dúvidas. A requerida (agora recorrente) tinha de contestar uma ação e, no decurso do respetivo prazo, requereu a concessão do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono; assim, o prazo referido ficou paralisado, suspenso, com a apresentação, no processo, de tal pedido.

Ora, a suspensão deste prazo pode cessar em duas situações diferentes, consoante o pedido seja deferido ou indeferido.

No primeiro caso, a recontagem inicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado, notificação esta que se destina a dar-lhe conhecimento do facto de ter sido nomeado. No segundo caso, é com a notificação ao próprio requerente que a contagem se retoma.

É isto mesmo que está determinado no n.º 5 do citado preceito legal:

«5- O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:

a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;

b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono».

Sendo assim, o despacho recorrido não fez mais do que aplicar a Lei.

O que, em bom rigor, a recorrente não contesta; defende é que a aplicação daquele preceito nesta situação é inconstitucional.

Conforme o seu entendimento, a norma legal terá de ser interpretada no sentido de, havendo um hiato entre a data da notificação ao patrono da sua designação e a data da notificação do beneficiário de apoio judiciário da nomeação de patrono, ser considerada a última das duas datas, para efeitos de início do prazo interrompido.

Argumenta com o facto de que só após a segunda data, por um lado, a recorrente pode exercer os seus direitos de defesa e por outro, o patrono nomeado tem conhecimento dos factos que pode e deve contestar, em que medida o pode fazer e enquadrá-los juridicamente, exercendo o patrocínio judiciário.

Concordamos.

O desfasamento entre os prazos das notificações não pode ter como consequência a impossibilidade de recorrer a tribunal, a impossibilidade do acesso ao Direito, que é, afinal, o que a Lei pretende.

Mas, com a aplicação estrita do art.º 24.º, n.º 5, é isso mesmo que se verifica.

Repare-se que, como no caso dos autos, a recorrente nada sabe (quanto ao apoio judiciário) e só vem a saber quando, por força do mesmo dispositivo legal, o prazo terminou ou está a terminar. Até este momento, a recorrente de nada sabe; se nada sabe, como pode exercer o seu direito? E note-se que a obrigação de contacto, entre patrono e patrocinado, incumbe a este último. Por isso, o art.º 31.º, n.º 2, determina que a «notificação da decisão de nomeação do patrono é feita com menção expressa, quanto ao requerente, do nome e escritório do patrono bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado». Como poderia a recorrente contactar o seu patrono em tempo útil se desconhecia que já lhe tinha sido nomeado um?

Por outro lado, como também nota a recorrente, que tipo de contestação pode oferecer o patrono sem que o patrocinado ainda o não tenha contactado? Mais ainda quando desconhece tal facto.

A execução do art.º 20.º da Constituição não pode ser impedida por acasos burocráticos como é, certamente, as notificações em datas diferentes. O que a Constituição pretende, com o n.º 2 daquele preceito, é que efetivamente a pessoa tenha um patrono judiciário, o que tem como pressuposto óbvio que as pessoas interessadas tenham conhecimento da sua relação de patrocínio.

Quando, como é o caso, tal conhecimento mútuo não existe, não se pode falar em patrocínio judiciário eficaz, útil.

Por estes motivos, entendemos que é inconstitucional o disposto no art.º 24.º, n.º 5, al. a), da Lei n.º 34/2004, quando interpretado no sentido de considerar como válido e eficaz o patrocínio judiciário quando o seu requerente só é dele notificado depois do patrono nomeado.

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso em função do que se revoga a sentença recorrida, determinando-se que o processo siga os seus termos posteriores a contestação.»

2 - O Ministério Público interpôs recurso, para si obrigatório, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante referida como LTC), peticionando a fiscalização da constitucionalidade da interpretação normativa recusada - cujo sentido é identificado a partir de transcrição do segmento final do penúltimo parágrafo da decisão recorrida -, face ao disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.

3 - Admitido o recurso, remetidos os autos a este Tribunal e determinado o prosseguimento do recurso, apenas o recorrente apresentou alegações.

Nestas, pugna, em primeiro lugar, pela delimitação do objeto do recurso, em virtude de "a questão de constitucionalidade que efetivamente está em causa, [ter] a ver direta e essencialmente com o efeito ou as...

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