Acórdão n.º 433/2016

Data de publicação30 Setembro 2016
SectionParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 433/2016

Processo n.º 36/16

Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Instância Central - 1.ª Secção do Trabalho (Lisboa), em que é recorrente o Ministério Público e recorrido Albano Morais Mateus, foi, pelo primeiro, interposto recurso, ao abrigo do disposto no n.º 1, alínea a), do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida pelo Juiz de Direito da Instância Central do Trabalho de Lisboa no âmbito do Processo n.º 43370/02.OTTLSB, com a referência 336145298 (cf. fls. 243-245) que, afastando, por inconstitucionalidade, «a aplicação da [...] Base XXII, n.os 1 e 2 da Lei n.º 2127, quando interpretada no sentido de consagrar, sem mais, um prazo preclusivo de 10 anos» (cf. fls. 245), decidiu pela admissão liminar do incidente de revisão de incapacidade e determinou a realização do exame médico de revisão ao sinistrado.

2 - Resulta dos autos, com interesse para o caso sub judicie, que:

a) Na presente ação, emergente de acidente de trabalho, está em causa um acidente de trabalho sofrido por Albano Morais Mateus, ocorrido em 16/03/1998, tendo o sinistrado, ora recorrido, sido inicialmente declarado curado sem desvalorização, com alta conferida pelos serviços clínicos da Lusitânia - Companhia de Seguros, S. A., em 1/04/1998;

b) Em 27/03/2003, o sinistrado (representado pelo Ministério Público) veio invocar que se encontrava pior das sequelas do acidente de trabalho e que necessitava de tratamento, pelo que requereu a submissão a exame de revisão (cf. fls. 43-44);

c) O Tribunal do Trabalho de Lisboa (4.º Juízo - 3.ª Secção) notificou, por várias vezes, a seguradora para prestar a assistência clínica necessária ao sinistrado (cf. designadamente fls. 56 e fls. 61-62);

d) O Tribunal decidiu, em 18/11/2004, na sequência de exame realizado por junta médica de estomatologia, a fixação de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 1,49 % desde 1/04/98 e a atribuição ao sinistrado de uma pensão anual e vitalícia de (euro) 95,48 (cf. fls. 117);

e) Em 19/09/2008 o sinistrado (representado pelo Ministério Público) requereu revisão da incapacidade que se encontrava fixada (cf. fls. 162), tendo sido realizado exame por perito médico do Tribunal em 30/10/2008 que concluiu no sentido da manutenção da IPP de 1,49 % (fls. 170-171);

f) Não se conformando com o resultado desse exame, o sinistrado, com o patrocínio do Ministério Público, requereu, em 3/11/2008 (fls. 176), a realização de exame de revisão por junta médica;

g) A seguradora juntou, entretanto, documento aos autos com a informação de que o sinistrado se encontrava em tratamentos de estomatologia, após consulta realizada em 25/11/2008 (cf. fls. 189);

h) Em 5/02/2009 foi realizado o exame pericial por junta médica, tendo-se concluído pela manutenção da IPP de 1,49 %. Nesse exame foi, contudo, verificada a necessidade de reparação das próteses (dentárias), ponderada a inadaptação do trabalhador sinistrado às próteses colocadas e concluído no sentido do dever de promoção, pela Companhia de Seguros, de acompanhamento médico (de estomatologia) do sinistrado em relação à deterioração das próteses (cf. relatório de fls. 193-195);

i) Em 16/04/2009, foi proferida decisão judicial (fls. 205-206) que manteve a pensão fixada ao sinistrado por força da incapacidade permanente e parcial de 1,49 % que lhe foi atribuída, mas condenou a empresa seguradora «a prestar o tratamento mencionado a fls. 193», ou seja, a reparação das próteses;

j) Em 7/01/2015, o sinistrado, ora recorrido, patrocinado oficiosamente pelo Ministério Público, requereu (cf. fls. 221-222) nova revisão da incapacidade parcial permanente que lhe havia sido fixada, alegando o agravamento das sequelas derivadas do acidente de trabalho por ele sofrido em 16/03/1998 (em concreto: «dentes e próteses em mau estado, encontrando-se partidas e desgastadas», cf. requerimento a fls. 224);

k) A Seguradora veio opor-se alegando a extemporaneidade do pedido, uma vez já tinham decorrido mais de dez anos, que era o prazo proferido na Base XXII, n.º 2 da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, desde a data da fixação da incapacidade e que o incidente de revisão posterior mantivera a incapacidade (cf. fls. 229-230). Assim, e por considerar esgotado o prazo legal, concluiu no sentido da rejeição liminar do pedido formulado pelo sinistrado;

l) Por seu turno, na resposta então formulada pelo Ministério Público foi defendida a tempestividade do pedido de revisão, alegando-se que em sede do anterior incidente de revisão a seguradora fora condenada a prestar assistência médica ao sinistrado e invocando-se a jurisprudência constitucional exarada nos Acórdãos n.os 147/06, 59/07 e 161/09 (cf. resposta do Ministério Público a fls. 238-239);

m) A Juíza do Tribunal do Trabalho de Lisboa proferiu decisão no sentido da admissão liminar do incidente de revisão de incapacidade, assim fundamentada:

«[...]

Apreciando.

No caso dos autos é aplicável o regime jurídico constante da Lei n.º 2.127 de 03/08/1965 (Base LI, n.º 1, alínea a) do referido diploma legal e artigo 83.º, n.º 1 do Decreto n.º 360/71, de 21 de agosto e artigo 41º da Lei 100/97 de 13 de setembro (LAT) e 71º do Decreto-Lei n.º 143/99 de 30 de abril (RLAT».

Nos termos da Base XXII, n.os 1 e 2 da citada Lei n.º 2.127, quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique a aplicação de prótese ou ortopedia as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada e a revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão, podendo ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.

Não se ignora a jurisprudência do Tribunal Constitucional que tem vindo a considerar em determinadas situações não ser inconstitucional a fixação do prazo de 10 anos constante da Base XXII da Lei 2127, argumentando, para além do mais, que a circunstância de o pedido de revisão da pensão formulado no período de 10 anos ter sido indeferido significa que não houve evolução desfavorável das sequelas da lesão nesse período, razão pela qual se deve considerar consolidada a situação (por todos, Acórdão n.º 111/2014, in www.tribunalconstitucional.pt).

No entanto, no caso dos autos surge um elemento diferenciador, na situação clínica do sinistrado, que afasta a presunção de estabilização dessa situação, estabilização essa que esteve na base das decisões de não inconstitucionalidade.

Com efeito, a sentença proferida no âmbito do incidente de revisão em 16/04/2009 condenou a seguradora a prestar assistência clínica ao sinistrado, facto este que tornou insubsistente a "presunção" de estabilização da situação clínica que as referidas decisões do Tribunal Constitucional associaram à inexistência de qualquer revisão da incapacidade durante o referido período de dez anos.

Conforme se conclui no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 161/2009, disponível in www.tribunalconstitucional.pt. «[...] deixa de ter base de sustentação a tese da não inconstitucionalidade associada à consideração de que, decorrido esse prazo, era normal que se tivesse por estabilizada a situação clínica do sinistrado, justificando-se a solução legal questionada pela proteção da segurança da posição jurídica dos responsáveis pela reparação dos danos derivados do acidente de trabalho. Como se assinalou no relatório inicial, a seguradora, na sua comunicação de 9 de novembro de 1995, quando se disponibilizou a custear a intervenção cirúrgica, logo salientou que se reservava o direito de, "subsequentemente e em função dos resultados da intervenção cirúrgica, requerer a revisão da pensão". Sendo indiscutivelmente atendível esta reserva, para a hipótese, em caso de sucesso da intervenção, de o sinistrado recuperar por inteiro a visão, o que poderia levar, não apenas à redução, mas à própria extinção do direito à pensão, não pode deixar de se considerar igualmente atendível a pretensão de, com base em alegado agravamento da situação determinado pelas complicações derivadas do insucesso de uma segunda intervenção, se proceder à revisão da incapacidade, apesar de há muito decorrido o prazo inicial de dez anos. A situação, a partir da decisão da prestação de intervenção cirúrgica, assumiu um caráter de não estabilidade, que afasta a razão de ser do entendimento, subjacente ao Acórdão n.º 612/2008, da razoabilidade da solução legal questionada, que afastaria a sua inconstitucionalidade, e acaba por a aproximar mais das situações, atrás descritas, em que a não estabilização da situação derivava da ocorrência de revisões da pensão por reconhecidas alterações do grau de incapacidade do sinistrado.»

Ora, no caso dos autos, antes de completados os 10 anos em causa a seguradora foi condenada a prestar tratamentos médicos ao sinistrado, o que significa que a sua situação clínica não se consolidou, assim ficando afastada a «presunção» de estabilização da situação clínica do sinistrado.

Assim, ter-se-á de afirmar que ocorreu uma evolução desfavorável das sequelas da lesão sofrida pelo sinistrado no período de 10 anos, contados desde a data da fixação inicial da pensão, ocorrida com a sentença proferida em 18/11/2004, ao ponto de ele necessitar de prestações em espécie, mormente, do tratamento médico em causa (neste sentido, veja-se Acórdão do Tribunal da relação do Porto de 2/06/2014 (proc. 159/2002.2) in www.dgsi.pt e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 161/2009, disponível in www.tribunalconstitucional.pt).

Por isso, e com tais fundamentos, não se verifica a caducidade do direito de pedir a revisão da pensão, afastando-se consequentemente a aplicação da referida Base XXII, n.os 1 e 2 da Lei n.º 2.127, quando interpretada no sentido de consagrar, sem mais, um prazo preclusivo de 10 anos, por...

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