Acórdão n.º 429/2016

Data de publicação06 Outubro 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 429/2016

Processo n.º 1002/14

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes Avelino Abel Vaz Maia e Hugo Rafael Rebelo Isidro e são recorridos o Ministério Público e Manuel Santos do Val, foi interposto recurso ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele tribunal de 25 de setembro de 2014.

2 - Em 29 de setembro de 2015, a 1.ª Secção deste Tribunal Constitucional acordou em «julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal (CPP), resultante da revisão realizada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos de prisão, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal (artigo 32.º, n.º 1 da Constituição)», no Acórdão n.º 412/2015.

3 - Notificado deste acórdão, o Ministério Público interpôs dele recurso obrigatório para o plenário deste Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC, invocando que «sobre a constitucionalidade daquela norma, também na redação dada pela Lei n.º 20/2013, já anteriormente o Tribunal Constitucional se pronunciara proferindo um juízo negativo de inconstitucionalidade». É identificado o Acórdão n.º 163/2015, de 4 de março, da 3.ª Secção, que confirmou a Decisão Sumária proferida no sentido de que «não viola o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, no sentido da irrecorribilidade, para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão proferido em recurso, pelo Tribunal da Relação, que aplique pena de prisão não superior a cinco anos, ainda que a decisão da 1.ª Instância seja absolutória». O recorrente sustenta que «Apesar das formulações serem diferentes, as dimensões normativas apreciadas pelos dois arestos coincidem» o que, de resto, é reconhecido expressamente no acórdão ora recorrido (cf. n.º 15 do Acórdão n.º 412/2015).

4 - Admitido o recurso, o Ministério Público alegou, formulando as seguintes conclusões:

«1 - A norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal (CPP), resultante da revisão introduzida no Código de Processo Penal pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, não viola o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, não sendo, por isso, inconstitucional.

2 - Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso».

5 - Os agora recorridos contra-alegaram, formulando, por sua vez, as seguintes conclusões:

«1 - Bem andou este Colendo Tribunal Constitucional na prolação da decisão do Ac. 412/2015;

2 - De facto, a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal (CPP), resultante da revisão introduzida no Código de Processo Penal pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, viola o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, sendo por isso, inconstitucional.

3 - Nestes termos e nos mais de direito, deve ser julgado improcedente o presente recurso julgando-se inconstitucional a referida norma, assim se fazendo ...Justiça!».

6 - Realizada a discussão em Plenário, tendo por base a decisão recorrida (o Acórdão n.º 412/2015), e tomada a decisão, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 79.º-D da LTC, cumpre agora formulá-la.

II. Fundamentação

a) Admissibilidade do recurso ao abrigo do artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC

7 - O presente recurso para o Plenário é interposto pelo Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC, com fundamento na contradição de julgados entre o Acórdão n.º 163/2015, da 3.ª Secção, de 4 de março, e o Acórdão n.º 412/2015, de 29 de setembro, proferido na 1.ª Secção.

Segundo o artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC, «se o Tribunal Constitucional vier julgar a questão da inconstitucionalidade em sentido divergente do anteriormente adotado quanto à mesma norma, por qualquer das suas secções, dessa decisão cabe recurso para o plenário do Tribunal».

É o que se verifica nos presentes autos. As 1.ª e 3.ª Secções do Tribunal Constitucional, nos Acórdãos n.os 412/2015 e 163/2015, julgaram em sentido divergente a questão de saber se é conforme à Constituição «a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP, resultante da revisão introduzida no Código de Processo Penal pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos».

Nada obsta, por conseguinte, a que se conheça do objeto do recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional

b) Delimitação do objeto do recurso

8 - A norma cuja constitucionalidade se vai apreciar no presente processo, por ter sido objeto de julgamentos divergentes referentes à sua conformação com a Constituição, é a norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, resultante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro.

Tendo em conta a natureza do recurso previsto no artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC e o princípio do pedido (artigo 79.º-C da LTC), essa dimensão normativa extraível da alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º do CPP é a única que importa apreciar no julgamento a realizar pelo Plenário nos presentes autos, e não qualquer outra, nomeadamente decorrente do mesmo preceito legal, interpretado isoladamente ou em conjunto com outros preceitos.

Os elementos caracterizadores da norma que cumpre apreciar são o facto de, no caso presente, ter existido uma decisão absolutória da primeira instância que é revertida pela decisão do Tribunal da Relação e essa reversão resultar na condenação em pena de prisão efetiva. É sobre esta dimensão normativa, resultante da interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, que o Tribunal Constitucional se vai pronunciar.

c) O direito ao recurso como garantia de defesa em processo penal prevista no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição e a jurisprudência do Tribunal Constitucional

9 - O Acórdão n.º 412/2015 julgou a norma em referência inconstitucional por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição). Foi à luz do mesmo parâmetro constitucional que diferente secção deste Tribunal formulou um juízo negativo de inconstitucionalidade daquela norma, no Acórdão n.º 163/2015 que confirmou a Decisão Sumária n.º 7/2015, proferida por remissão para a fundamentação do Acórdão n.º 49/2003.

10 - Deve começar por referir-se que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal, como tem sido invariavelmente repetido na jurisprudência do Tribunal Constitucional. Nesse aspeto, o direito ao recurso encontra-se expressamente inscrito entre os pilares constitucionais do Direito do Processo Penal da República Portuguesa.

A identificação expressa no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição do direito ao recurso como garantia de defesa, resultante da revisão constitucional de 1997, não tendo implicado novidade relativamente ao entendimento que vinha já sendo feito pelo Tribunal Constitucional da sua redação anterior (cf., entre outros, Acórdãos n.os 8/87 [n.º 6], 31/87 [n.º 5 e 7], 178/88 [n.º 5], 259/88 [n.º 2.2], 401/91 [n.º II.1 a 3], 132/92 [n.º 7], 322/93 [n.º 6]), não deixou, contudo, de representar o reconhecimento explícito da autonomia conferida a uma tal garantia no contexto geral das garantias de defesa, isto é, um valor de garantia não amortizável pelo reconhecimento de outras garantias processuais, designadamente para defesa do arguido.

«Tal explicitação constitucional tem por efeito a garantia (constitucional) da possibilidade de interposição de recurso de decisões que respeitem a direitos, liberdades e garantias, máxime que restrinjam tais direitos» (Acórdão n.º 686/2004 [n.º 6]).

11 - Integrando o direito ao recurso do arguido, constitucionalmente reconhecido, uma garantia essencial de defesa, este não pode deixar de ser um limite à liberdade conformadora do legislador quanto à delimitação das decisões de que cabe recurso e quanto à definição do regime de recursos em processo penal. É este o contexto que importa reter na análise da norma objeto de julgamento de constitucionalidade no presente processo.

Quanto à questão que nos ocupa, o Tribunal Constitucional tem vindo a aceitar como conforme à Constituição a possibilidade de a decisão de condenação na Relação, em segunda instância, ser irrecorrível, mesmo se proferida em sede de recurso interposto de decisão absolutória de primeira instância. Trata-se, com efeito, de uma matéria que conta com expressiva jurisprudência deste Tribunal que invariavelmente se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade de uma solução normativa em certa medida semelhante à que agora é objeto de análise, embora num contexto normativo anterior à Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro. É paradigmático, neste âmbito, o Acórdão n.º 49/2003 que, ao julgar a norma do...

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