Acórdão n.º 412/2015

Data de publicação06 Outubro 2016
SectionParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 412/2015

Processo n.º 1002/14

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes Avelino Abel Vaz Maia e Hugo Rafael Rebelo Isidro e são recorridos o Ministério Público e Manuel Santos do Val, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro [LTC]).

2 - Os ora recorrentes foram absolvidos, em primeira instância, dos crimes de que eram acusados bem como do pedido de indemnização cível contra si deduzido.

Interposto recurso pelo assistente e demandante, por acórdão de 28 de janeiro de 2013, o Tribunal da Relação de Lisboa, julgando parcialmente procedente o recurso, decidiu alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância e condenar os arguidos do seguinte modo:

i) O arguido Hugo Isidro, na pena de um ano e seis meses de prisão pelo crime de dano e na pena de dois anos e seis meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida e, em cúmulo jurídico, na pena única de três anos e três meses de prisão;

ii) O arguido Avelino Abel Vaz Maia, na pena de um ano de prisão pelo crime de dano e na pena de dois anos de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, e em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e seis meses de prisão.

Interpuseram, então, os arguidos recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por despacho proferido no Tribunal da Relação de Lisboa em 17 de março de 2013, por "dúvidas acerca da constitucionalidade da nova redação dada [pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro] à norma em causa [a alínea e) do n.º 2 do artigo 400.º do CPP], atento o disposto no art. 32.º, n.º 1 da CRP, estando em causa as garantias de defesa do arguido que, após uma decisão absolutória da primeira instância, se vê confrontado, pela primeira vez, com uma decisão condenatória, em pena de prisão efetiva, sem ter tido oportunidade de questionar a medida desta", foi decidido admitir o recurso, "deixando ao Supremo Tribunal de Justiça a primazia na tomada de posição sobre aquela controvérsia".

O Ministério Público respondeu, sustentando tanto a admissibilidade do recurso ("como única forma de respeitar o direito ao recurso constitucionalmente consagrado") como a sua procedência (no sentido da suspensão das penas únicas aplicadas aos arguidos). Diferente parecer emitiu o Procurador-Geral-Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça, que se pronunciou no sentido da inadmissibilidade legal do recurso.

Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o recurso viria a ser rejeitado, inicialmente, por decisão sumária e, após reclamação desta, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de setembro de 2014, que a indeferiu.

É deste acórdão que vem agora interposto o presente recurso de constitucionalidade.

3 - Indicam os recorrentes, no requerimento de recurso, que este é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, «por inconstitucionalidade material da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, ao não consagrar a exceção do recurso de condenação em pena de prisão efetiva após absolvição em 1.ª Instância», explicando que «tal omissão inviabiliza assim aos arguidos o uso da plenitude dos direitos de defesa e o uso do direito ao recurso, coartando esse mesmo direito ao não permitir que os mesmos vejam uma sua condenação ser apreciada em 2.º grau de jurisdição».

Mais referem: «Nestes termos, a interpretação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP no sentido de ser a presente decisão que condenou os arguidos em penas de prisão efetivas irrecorrível após os mesmos terem sido absolvidos em 1.ª Instância (essa decisão então também irrecorrível para aqueles nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º do CPP), gera a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, segundo a qual, aquele artigo, com a redação dada por esta lei, constitui norma interpretativa do mesmo artigo com a redação anterior - ou seja, a que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto - sendo, por isso, violadora do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa)».

4 - Prosseguindo o processo para alegações, os recorrentes alegaram concluindo do seguinte modo:

«1 - A interpretação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP no sentido de ser a presente decisão que condenou os arguidos em penas de prisão efetivas irrecorrível após os mesmos terem sido absolvidos em 1.ª Instância (essa decisão então também irrecorrível para aqueles nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º do CPP), gera a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, segundo a qual, aquele artigo, com a redação dada por esta lei, constitui norma interpretativa do mesmo artigo com a redação anterior - ou seja, a que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto - sendo, por isso, violadora do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa);

2 - Pois tal interpretação delimita as garantias de defesa e o direito ao recurso de arguido em processo criminal, impedindo que o arguido veja uma decisão que o condena ser sindicada por um outro tribunal, ficando-lhe assim vedado o direito a um único recurso;

3 - O espírito da lei na redação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP apenas poderá ser o da sua aplicação no caso de "dupla conforme", sendo inaplicável no caso de não existir "dupla conforme";

4 - Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso».

5 - Contra-alegou apenas o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões:

«1 - A decisão recorrida é o acórdão proferido em conferência no Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação da decisão sumária que, por inadmissibilidade, rejeitou os recursos interpostos pelos arguidos.

2 - Como a interpretação normativa identificada no requerimento de interposição do recurso - onde se fixa o objeto - não coincide integralmente com aquela que foi identificada quando da suscitação da questão, na reclamação para a conferência, não deve tomar-se conhecimento do objeto do recurso.

3 - Tendo a decisão da 1.ª instância sido proferida, encontrando-se em vigor o artigo 400.º, n.º 1, aliena e), do CPP, na redação dada pela Lei n.º 20/2013, de 20 de fevereiro, é esse o regime aplicável, como decorre do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/2009, tendo sido esse o aplicado.

4 - Desta forma, não se colocam questões quanto à aplicação da lei processual no tempo, como também não tem pertinência invocar a violação do princípio da legalidade, diferentemente do que ocorria quando da redação anterior.

5 - De acordo com a uniforme jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o direito ao recurso em processo penal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na redação dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão da Relação proferido em recurso interposto da decisão absolutória da 1.ª instância, que condene os arguidos em pena de prisão não superior a 5 anos, não é inconstitucional.

6 - Termos em que, a conhecer-se de mérito, deve ser negado provimento ao recurso».

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

a) Delimitação do objeto do recurso

6 - Importa em primeiro lugar decidir a questão prévia suscitada pelo Ministério Público. Com efeito, nas contra-alegações que apresentou, o Ministério Público levantou a questão da inadmissibilidade do presente recurso uma vez que «não há absoluta coincidência» entre a formulação da questão colocada perante o tribunal recorrido e a questão indicada como objeto do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

Questiona, assim, o Ministério Público, a verificação de suscitação prévia e adequada da mesma questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, respeitante ao pressuposto "legitimidade" do recurso da alínea b) do artigo 70.º da LTC, que vem previsto no n.º 2 do seu artigo 72.º

Com efeito, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). Conhecendo o Tribunal Constitucional, na fiscalização concreta da constitucionalidade, em via de recurso, visa-se permitir que o tribunal recorrido se pronuncie previamente sobre a questão de inconstitucionalidade normativa levantada.

7 - Vejamos, então, o caso dos presentes autos:

Na reclamação para a conferência, os ora recorrentes concluíram que «a interpretação normativa resultante da conjugação das normas da alínea b) do n.º 1 do art. 432.º e da alínea e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, na redação da Lei 20/2013, de 21/02, segundo o qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas Relações, em recurso, que condena em pena de prisão efetiva, quando o tribunal de 1.ª Instância tenha absolvido, [é] violadora do princípio da legalidade em matéria criminal e do direito ao recurso (art. 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, ambos da CRP)».

Segundo o Ministério Público, naquele primeiro momento, a questão de constitucionalidade suscitada foi a «inconstitucionalidade da norma dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, enquanto estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à...

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