Acórdão n.º 277/2016

Data de publicação14 Junho 2016
SectionParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 277/2016

Processo n.º 978/15

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 - Manuel Pinto Alves e sua mulher, Isabel Maria Fernandes Rebelo Alves, recorridos nos presentes autos, intentaram ação declarativa contra Armando Marques da Silva, ora recorrente, pedindo que fosse decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado com o segundo, bem como a sua condenação na restituição do locado livre de pessoas e bens. Em saneador-sentença, de 20 de junho de 2015, o Tribunal da Comarca do Porto julgou procedente a ação. O réu apelou, invocando, além do mais, a inconstitucionalidade dos artigos 30.º, 31.º e 32.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano ("NRAU"), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, interpretados no sentido de que «os inquilinos que não enviem os documentos comprovativos dos regimes de exceção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto à idade ou ao grau de deficiência) ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias, mesmo que não tenham sido previamente alertados pelos senhorios para a necessidade de juntar os referidos documentos e das consequências da sua não junção», uma vez que tal «consubstancia uma medida desproporcional que afeta o princípio constitucional da proteção da confiança».

Por acórdão de 23 de junho de 2015, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso. Para tanto, considerou a factualidade assente na primeira instância (v. secção 3-Factos provados de tal aresto), de que importa destacar:

(i) Que o contrato de arrendamento foi celebrado verbalmente, há cerca de 50 anos, com prazo de duração mensal, prorrogável por iguais e sucessivos períodos, enquanto não for denunciado nos termos legais (alíneas A e B);

(ii) Que o locado se destina exclusivamente à habitação do arrendatário e que a renda em janeiro de 2012 era, na sequência dos sucessivos aumentos legais, de (euro) 13,00 (alínea C);

(iii) Que o autor, ora recorrido, usando a faculdade que lhe é conferida pelo artigo 30.º do NRAU, enviou ao réu, ora recorrente, e m 30 de novembro de 2012, uma carta em que comunicava a sua intenção «de transitar o arrendamento do locado» para o NRAU, pretendendo que a renda fosse atualizada para (euro) 163,00 e que o contrato passasse a ser «com prazo certo, pelo período de cinco anos» (alínea F);

(iv) Que, em resposta, a Associação dos Inquilinos do Norte de Portugal, invocando o artigo 36.º, n.º 9, alínea b), do NRAU, afirmou que a pretensão do senhorio «não é exigível»; além disso, que o inquilino seu associado tem um rendimento mensal de (euro) 877,00, comprovado pelos recibos da Segurança Social, e o seu cônjuge sofre de uma incapacidade, circunstâncias que, em conjunto, lhe conferem «direito a uma resposta social, nomeadamente através do subsídio de renda, de habitação social ou de mercado social de arrendamento a definir em diploma próprio, nos termos do n.º 10 [do mesmo artigo] da L 31/12» (alínea G);

(v) Na mesma carta, a citada Associação acrescentou, que, «de todo o modo e como mera hipótese, sempre diremos que o montante pretendido por V. Ex.ª está mal calculado», devendo a renda exigível nos termos do artigo 35.º, n.º 2, alínea a), do NRAU ser de (euro) 129,00, acrescentando: «a idade do nosso associado de 77 anos e o rendimento inferior a 1 500 (euro) dar-lhe-á o direito a benefício quando a atualização for exigível, o que de momento não o é, pelas razões supra aludidas» (ibidem);

(vi) Respondendo a esta missiva, o autor, ora recorrido, informou, por carta datada de 20 de dezembro de 2012, que «para fazer prevalecer o consignado [no artigo 31.º, n.º 4, alíneas a) e b), do NRAU], e desde que se encontrasse nas condições expressas no n.º 5 do referido artigo 31.º, teria V. Ex.ª que comprovar o alegado dando cumprimento ao previsto no art 32.º do mesmo [diploma] legal o que não fez. Nesta conformidade, comunico que nos termos da alínea b) do n.º 5 do artigo 33.º do mesmo [diploma] legal, a renda é atualizada para a quantia de (euro) 129,00 [...] mensais [...] por aplicação dos critérios constantes nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º, considerando-se o contrato celebrado com prazo certo a partir desta comunicação» (alínea H);

(vii) Em resposta, datada de 17 de janeiro de 2013, a referida Associação contestou a interpretação feita pelo senhorio quanto ao artigo 32.º do NRAU e a sua pretensão «de lançar mão da alínea b) do n.º 5 do artigo 33.º do N.R.A.U. [...] quanto à duração do contrato, pois que a conversão para o N.R.A.U. só seria possível com o acordo das partes, nos termos do n.º 1 e n.º 9 do artigo 36.º do N.R.A.U. e que o nosso associado rejeita»; mais refere ter o associado, ora recorrente, 78 anos de idade e junta documentos comprovativos quer da idade, quer da «declaração do do pedido do R.A.B.C. emitida pela Repartição de Finanças» (alínea I),

(viii) O autor, ora recorrido, respondeu, informando que, «por extemporâneo», não aceita o conteúdo de tal carta; acrescenta que, «sem prescindir, sempre se dirá que a Lei obriga à junção dos documentos comprovativos quer da idade quer da declaração das finanças ou pedido da mesma», pelo que confirma «o teor integral» da carta referida supra em (vi) (alínea J).

Quanto à fundamentação de direito, pode ler-se no citado acórdão:

«4-1. Se a renda é devida a partir de 01-02-2013.

[...]

Conforme deflui dos factos provados, o senhorio tomou a iniciativa de proceder à atualização da renda comunicando ao inquilino o valor da renda - 163,00 euros -, o tipo de duração do contrato e o valor do locado avaliado nos termos do artigo 38 e seguintes do CIMI.

Dentro do prazo concedido pelo artigo 31 do NRAU, o inquilino respondeu ao autor referindo, que, nos termos do n.º 9 do artigo 36 da Lei n.º 6/2006 na nova redação dada pelo Lei n.º 31/2012, a pretensão não lhe era exigível e que tem um rendimento mensal diminuto, adiantando, no entanto, o montante de 129,00 euros calculado nos termos do artigo 35 que apenas se aplica quando o arrendatário invoque e comprove que o RABC (rendimento anual bruto corrigido) do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA. (retribuição mínima nacional anual).

Como o réu/arrendatário não comprovou essa situação, o Tribunal recorrido entendeu que estávamos perante uma contraproposta por o valor da renda proposto pelo senhorio não obedecer aos valores aludidos no n.º 2 do artigo 35.º do NRAU, mas, sim, aos valores referidos no artigo 30.º do NRAU, e, por falta de junção dos documentos comprovativos das circunstâncias exigidas pelos artigos 35.º e 36.º do NRAU e elencadas pelo inquilino na sua comunicação para se poder passar a esta segunda fase, considerou que esta fase não se tinha iniciado, posição que acompanhamos.

Com efeito, se o arrendatário, nesta primeira fase, pode invocar" isolada ou cumulativamente [...]o RABC do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais e/ou a idade igual ou superior a 65 anos tem de fazer acompanhar essa sua alegação do comprovativos emitido pelo serviço de Finanças competente, do qual conste o valor RABC ou o comprovativo de o ter requerido, bem como documento que comprove a sua idade - artigos 31, n.os 4, 32, n.os 1 e 2 e 36,n.º 1, do NRAU - para poder passar à segunda fase.

Como se diz na decisão recorrida "não basta a invocação das circunstâncias referidas no artigo 31, n.º 4, alínea a) e b), terá também de as comprovar documentalmente" o que não aconteceu e, como tal, não pode beneficiar das circunstâncias que alegou de acordo com o preceituado no artigo 32.n.º 4, do NRAU aplicável também à situação referida no artigo 31, n.º 4. al.a) - cf. Prof. Menezes Cordeiro, Leis do Arrendamento urbano Anotadas, Almedina, pág.490/491-

Não esqueçamos que a transição para o NRAU é da iniciativa do senhorio que pela sua comunicação desencadeia o processo negocial a que aludem os preceitos acima referidos, cujas regras foram "claramente inspiradas no CPC" - cf. Prof. Menezes Cordeiro, ob. Citada, pág.484-

Desencadeado o processo negocial, o arrendatário, ao invocar alguma das circunstâncias aludidas nos precitos legais acima referidos, tem de as demonstrar documentalmente sob pena do efeito preclusivo quanto à junção posterior tal como acontece na apresentação das provas aludidas no CPC - sobre a preclusão vide António Santos Abrantes Geraldes, Temas de Processo Civil, II Vol. Almedina, 2.ª ed. pág. 123; em todo caso, se o senhorio não tomar a iniciativa da transição para o NRAU, o contrato rege-se pelo NRAU mas com as especificidades constantes dos artigos 28 e 29" - cf. Prof. Menezes Cordeiro, obra citada, pág. 483).

Não se iniciando a segunda fase, o montante oferecido, como sendo o valor do locado corrigido, funciona como um novo valor contraposto pelo inquilino o qual, neste caso, foi aceite pelo senhorio, nos termos do artigo 33,n.º 1, parte final, do NRAU e, consequentemente, a renda é devida a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção pelo arrendatário da comunicação da aceitação, data que foi atendida no dispositivo da sentença e, por conseguinte, improcede o fundamento invocado.

4-2. Se o arrendatário pode valer-se da ignorância das regras aplicáveis.

A resposta da lei a esta questão é decisiva: "A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas"- artigo 6 do CC-

Daqui decorre que à ignorância se equipara a má interpretação: "o facto de alguém conhecer a lei mas estar convencido que ela tem o sentido a de nada lhe aproveita, se na realidade ela tiver o sentido b, Será responsabilizado e sancionado como se tivesse ajuizado exatamente as sua vinculações" - cf. Prof. José de Oliveira Ascensão. O Direito, Introdução e Teoria Geral, Almedina, 13.ª ed. pág.607 - Contudo, nas conclusões das alegações do recurso, o apelante parece defender que o desconhecimento teria de ser relevado na medida em que o princípio da boa-fé tem de estar...

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