Acórdão n.º 231/2016

Data de publicação06 Junho 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 231/2016

Processo n.º 1085/15

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - PORTSIMI - Empresa de Trabalho Temporário, S. A., interpôs recurso para este Tribunal da Decisão Arbitral de 30 de outubro de 2015, nos termos da qual foi julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral que havia apresentado.

O requerimento de recurso é do seguinte teor:

«[...] Exige o artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, na redação em vigor) que, no presente requerimento, se indique, desde logo, a norma cuja inconstitucionalidade, ou ilegalidade, se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.

6.º

Pelo que a Requerente esclarece, desde já, que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie e cuja desconformidade à Constituição da República Portuguesa foi objeto de discussão, da Decisão Arbitral recorrida, corresponde ao artigo 103.º, n.º 4, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), onde se dispõe que "Tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido".

7.º

Com efeito, sustentou a Requerente, no Pedido de Pronúncia Arbitral em causa e, bem assim, nas suas alegações, que aquele artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS, deverá ser interpretado, de acordo com a Constituição da República Portuguesa, no sentido de que apenas quando, eventualmente, o substituído não tenha meios suficientes para satisfazer o crédito do Estado, existe a possibilidade legal de a entidade patronal, ou seja, o substituto, ser responsabilizado, em sede de reversão de eventual processo de execução fiscal que venha a ser instaurado contra o responsável originário - o substituído -, por força do não pagamento voluntário do montante de imposto alegadamente devido (cf. Certidão do processo relativo ao pedido de pronúncia arbitral n.º 18/2015-T, emitida pelo Centro de Arbitragem Administrativa e que ora se junta como Documento n.º 3).

8.º

Sendo, consequentemente, inconstitucional o mesmo artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS, quando interpretado - como fez a Administração tributária e acedeu a Decisão Arbitral ora recorrida - no sentido de que, estando em causa rendimentos sujeitos a retenção que não foram contabilizados, nem comunicados, como tal, aos respetivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido, responsabilidade essa que se materializa, no entendimento da Administração tributária, na possibilidade de exigir o imposto, alegadamente devido, direta e integralmente ao substituto, ainda na fase de pagamento voluntário.

9.º

Com efeito, como melhor sustentará a Requerente em sede de Alegações, entende a Requerente que o artigo 103.º, n.º 4 do Código do IRS, na interpretação defendida pela Administração tributária e acolhida pela Decisão Arbitral proferida no âmbito do Pedido de Pronúncia Arbitral n.º 118/2015T, é materialmente inconstitucional.

10.º

De facto, conforme alegou a Requerente, no Pedido de Pronúncia Arbitral n.º 118/2015T, o artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS, na interpretação acolhida pela Administração tributária, viola o princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o princípio da igualdade fiscal, ínsito nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo e da coerência do sistema fiscal, previstos no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e, ainda, os direitos à propriedade e à iniciativa privada, previstos nos artigos 61.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa.

11.º

Não obstante, o Tribunal Arbitral, na Decisão Arbitral objeto do presente recurso e proferida no processo de apreciação do Pedido de Pronúncia Arbitral n.º 118/2015T, e no âmbito do qual se discutiu a (in)constitucionalidade do artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS, entendeu que "não se vê [...] que pela circunstância de o legislador ter introduzido uma regra de responsabilidade solidária no pagamento de um tributo nas condições específicas em que o fez, daí decorra qualquer violação do princípio da capacidade contributiva, ainda que tal regime se verifique em fase de pagamento voluntário" (cf. pág. 27 da Decisão).

12.º

Acresce que, quanto ao argumento, apresentado pela Requerente, de que a interpretação que a Administração tributária fez do artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS, afigura-se, também, violadora do princípio da igualdade fiscal, do princípio da proporcionalidade e do princípio da coerência do sistema fiscal, o Tribunal Arbitral entendeu dever ser improcedente tal fundamento, escudando-se no argumento segundo o qual "não se está [...] perante a criação de um novo imposto [...] mas perante uma alteração ao regime de responsabilidade fiscal específica na previsão de situações de substituição tributária".

13.º

Pelo que, não se conformando a Requerente com o teor da referida Decisão Arbitral, vem, pelo presente, interpor recurso da mesma para o Tribunal Constitucional, com fundamento na inconstitucionalidade material do artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS, conforme melhor explanará, em sede própria, nas suas Alegações [...]»

2 - Na parte que ora releva, foi a seguinte a decisão objeto de recurso:

«[...] É pois à luz destes princípios e igualmente tendo em conta a intenção e os fins visados pelo legislador subjacentes à alteração levada a cabo no artigo 103.º do CIRS que não encontramos razões para discordar da interpretação que a AT fez do mesmo, traduzida e corporizada ria prática, e face ao regime de responsabilidade solidária aí consagrado, na possibilidade de exigência do pagamento do imposto de forma indistinta, ao substituto ou ao substituído, da acordo com o regime em questão.

Concluindo-se ainda, e como se verá, que a alteração legislativa em causa, materializada na responsabilidade solidária entre substituto e substituído nas condições aí expressamente previstas e tendo em conta o fim visado com a mesma, não afronta quaisquer princípios da "constituição fiscal" ou normas do ordenamento jurídico normativo tributário.

A Requerente em defesa da sua tese subscreve ainda que a interpretação do n.º 4 do artigo 103.º do CIRS, na redação que lhe foi conferida pela LOE 2007, levada a cabo pela AT, no sentido de "viabilizar a exigência do imposto não retido ainda, em fase de pagamento voluntário, e já não, apenas, na fase de cobrança coerciva" (cf. artigo 93.º do pedido de pronúncia arbitral) viola vários princípios constitucionais, de entre os quais o principio da capacidade contributiva, da igualdade fiscal, da proporcionalidade em sentido amplo e da coerência do sistema fiscal, estribando-se para tanto num parecer da autoria do Professor Casalta Nabais junto com o seu articulado sob o documento n.º 6.

Quanto à violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, há de ter-se em conta, subscrevendo aqui a posição de Manuel Faustino [...], que "os critérios geralmente invocados para justificar a repartição dos encargos fiscais pelos contribuintes assentam modernamente em duas teorias fundamentais: a teoria do benefício e a teoria da capacidade contributiva. Para a primeira, cada beneficiário dos bens e serviços prestados pelo Estado deve suportar os respetivos custos: paga quem tem recursos que permitam aceder à utilização dos bens e serviços. Para a segunda não deve existir qualquer relação entre a utilização dos bens e serviços prestados pelo Estado e o dever de os suportar; paga quem pode e na medida em que puder, independentemente da utilização dos serviços que o imposto visa tomar possíveis. O encargo não tem qualquer relação direta com a utilidade efetiva que os bens públicos possam ter para o contribuinte"

A capacidade contributiva sendo um conceito jurídico económico [...], reconduz-se ao princípio de que "todos os cidadãos devem pagar impostos sobre a totalidade dos seus rendimentos, e na medida destes", princípio este normativado no artigo 4.º da LGT:

Artigo 4.º

Pressupostos dos tributos

"1 - Os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.

2 - As taxas assente, na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou ma remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.

3 - As contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumento de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade são considerados impostos."

Se bem que, no caso específico do n.º 4 do artigo 103.º do CIRS, não estejamos especificamente perante "rendimento", a verdade é que não se vê (ao contrário do que infere a Requerente) que pela circunstância de o legislador ter introduzido uma regra de responsabilidade solidária no pagamento de um tributo nas condições específicas em que o fez, daí decorra qualquer violação do princípio da capacidade contributiva, ainda que tal regime se verifique em fase de pagamento voluntário.

Não estamos propriamente perante a criação de qualquer "novo" imposto, mas sim perante a alteração de um regime de responsabilidade no caso de não cumprimento de uma norma cuja observância e cumprimento compete ao responsável tributário.

No que se refere à ofensa ao princípio constitucional da igualdade fiscal:

A dimensão constitucional estruturante do princípio da igualdade, tem expressão no artigo 13.º da Constituição da República no sentido de que "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei", daqui resultando um princípio de generalidade ou universalidade da tributação no sentido de que "todos...

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