Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020

Data de publicação25 Janeiro 2021
ELIhttps://data.dre.pt/eli/actconst/751/2021/01/25/p/dre
SeçãoSerie I
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020

Sumário: Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral da norma do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, ao atribuir caráter meramente interpretativo ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, aditado a este Código pelo artigo 152.º da citada da Lei n.º 7-A/2016, determina a aplicabilidade nos anos fiscais anteriores a 2016, da norma do mesmo n.º 7, em conjugação com o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, segundo a qual a isenção objeto de tais preceitos não abrange as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos.

Processo n.º 843/19

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio requerer, em conformidade com o disposto no artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro («Lei do Tribunal Constitucional»), a organização de um processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, com vista à apreciação da inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, ao atribuir caráter meramente interpretativo ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, aditado pelo artigo 152.º da citada da Lei n.º 7-A/2016, determina a aplicabilidade nos anos fiscais anteriores a 2016, da norma de tal n.º 7, em conjugação com a alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo 7.º, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, segundo a qual a isenção prevista nesses preceitos não abrange as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos.

Como fundamento, o requerente alega que tal norma já foi julgada inconstitucional em mais de três casos concretos pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente nos Acórdãos n.os 644/2017, 92/2018 e 52/2019 (acessíveis, assim como os demais adiante referidos, a partir da ligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), já transitados em julgado, e, bem assim, na Decisão Sumária n.º 161/2019 (acessível a partir da ligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/), igualmente transitada em julgado.

2 - Notificado para, querendo, se pronunciar sobre o pedido, nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos.

3 - Discutido o memorando elaborado pelo Presidente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir em conformidade com o que então se estabeleceu.

II. Fundamentação

§ 1.º Os pressupostos da fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade de norma julgada inconstitucional em três casos concretos

4 - De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa, o Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional em três casos concretos. Este preceito é reproduzido, no essencial, pelo artigo 82.º da Lei do Tribunal Constitucional, que determina pertencer a iniciativa a qualquer dos juízes do Tribunal ou ao Ministério Público, devendo promover-se a organização de um processo com as cópias das correspondentes decisões, o qual é concluso ao Presidente, seguindo-se os termos do processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, previsto naquela Lei.

5 - O presente pedido de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade formulado pelo Ministério Público tem por base quatro decisões proferidas em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade.

Com efeito, o Acórdão n.º 644/2017, confirmando a Decisão Sumária n.º 404/2017, julgou inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, «a norma do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, ao atribuir caráter meramente interpretativo ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, aditado a este Código pelo artigo 152.º da citada da Lei n.º 7-A/2016, determina a aplicabilidade nos anos fiscais anteriores a 2016, da norma do mesmo n.º 7, em conjugação com o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do referido Código, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, segundo a qual a isenção objeto de tais preceitos não abrange as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos». Tal julgamento foi reafirmado - com diferenças ínfimas de pormenor ao nível da redação da norma, que não afetam o seu conteúdo - pelos Acórdãos n.os 92/2018 e 52/2019 e pela Decisão Sumária n.º 161/2019.

Encontram-se, por conseguinte, reunidas as condições indispensáveis à apreciação da citada norma em sede de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, nos termos da Constituição e da Lei do Tribunal Constitucional.

§ 2.º A questão de constitucionalidade

6 - O artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016 alterou o artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, com a redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, reformulando as alíneas i) e u) do respetivo n.º 1 e aditando-lhe um novo n.º 7.

O referido artigo 7.º, no seu n.º 1, alínea e), segundo a redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, inalterada pela Lei n.º 7-A/2016, dispõe o seguinte:

«Artigo 7.º

Outras isenções

1 - São também isentos do imposto:

[...]

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;

[...].»

Por sua vez, o n.º 7 do mesmo artigo 7.º, aditado ao Código do Imposto de Selo pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016, tem a seguinte redação:

«Artigo 7.º

Outras isenções

[...]

7 - O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.»

Por fim, o artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016 estabeleceu que a redação dada pelo artigo 152.º ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo tem «caráter interpretativo».

7 - É este caráter interpretativo, na medida em que determine a aplicação retroativa do n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, às comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões que está em causa no presente processo.

Especificamente, questiona-se se a interpretação legalmente estabelecida do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, nos termos da conjugação do n.º 7 do mesmo preceito com o artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, e segundo a qual não são abrangidas pela isenção do imposto do selo prevista naquela alínea as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos, pode aplicar-se nos anos anteriores a 2016 - i.e., antes da entrada em vigor dos artigos 152.º e 154.º da Lei n.º 7-A/2016 - , é compatível com a proibição de criação de impostos com natureza retroativa, estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.

Nos termos literais em que se encontra prevista, a isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, abrange quaisquer comissões cobradas por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a outras instituições da mesma natureza e a sociedades de capital de risco, independentemente de estarem em causa operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito. Assim, apesar de se fazer menção expressa à atividade de concessão de crédito, não se associa a isenção relativa à cobrança de comissões ao exercício daquela atividade, mas apenas e só à natureza das entidades envolvidas. Já o citado n.º 7 do mesmo artigo 7.º, aditado em 2016, veio estatuir uma associação necessária daquela isenção às «garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito» (itálico acrescentado).

A constitucionalidade de tal associação, em si mesma considerada, e valendo para os anos de 2016 e seguintes, não é objeto de apreciação no presente processo.

O que está em causa é o entendimento legalmente estabelecido de que a mesma associação vale necessariamente, também, para os anos anteriores a 2016, atento o caráter interpretativo atribuído pelo artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016 ao preceito que a veio prever. Com efeito, segundo dispõe o artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, produzindo efeitos a partir do início de vigência desta última, com ressalva dos «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de natureza análoga».

§ 3.º A proibição constitucional de impostos com natureza retroativa

8 - No domínio fiscal rege, desde a revisão constitucional de 1997, a norma do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição: ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa. Consequentemente, o legislador não pode criar impostos com tal natureza ou introduzir nos impostos existentes modificações...

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