Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 134/2019

ELIhttps://data.dre.pt/eli/actconst/134/2019/04/03/p/dre/pt/html
Data de publicação03 Abril 2019
SectionSerie I
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 134/2019

Processo n.º 716/18

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do disposto no artigo 82.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), a organização de um processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, para apreciação da constitucionalidade da norma do segmento do artigo 43.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação (referido adiante pela sigla «EA»), na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação. O requerente afirma que esta norma foi julgada inconstitucional no Acórdão n.º 195/2017, tendo tal juízo sido reiterado pelo Acórdão n.º 130/2018 e pelas Decisões Sumárias n.os 235/2017, 101/2018 e 148/2018. Todas as decisões transitaram em julgado.

2 - Notificado para, querendo, se pronunciar sobre o pedido, nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos e enviou uma nota técnica dos serviços de apoio à Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública sobre os trabalhos preparatórios do diploma que integra a norma sindicada nos presentes autos.

3 - Foi discutido em Plenário o memorando previsto no artigo 63.º da LTC, fixando-se a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver no âmbito do presente processo. Cabe agora decidir em conformidade com o que então se deliberou.

II. Fundamentação

4 - Segundo o disposto no n.º 3 do artigo 281.º da Constituição, o Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma que tenha sido por ele julgada inconstitucional em três casos concretos. Este preceito é reproduzido e densificado pelo artigo 82.º da LTC, que determina pertencer a iniciativa a qualquer dos juízes do Tribunal Constitucional ou ao Ministério Público, devendo promover-se a organização de um processo com as cópias das correspondentes decisões, o qual é concluso ao Presidente, seguindo-se os termos do processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade.

Os pressupostos de admissibilidade do pedido de generalização previsto no artigo 82.º da LTC são a legitimidade do requerente e o facto de a norma cuja declaração de inconstitucionalidade é requerida ter sido julgada inconstitucional em pelo menos três casos concretos. Ambos os pressupostos se verificam nos presentes autos. O pedido foi formulado pelo representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional e a norma cuja declaração de inconstitucionalidade é requerida foi julgada inconstitucional no Acórdão n.º 195/2017 e nas Decisões Sumárias n.os 235/2017, 101/2018 e 148/2018, em termos perfeitamente idênticos; e ainda, com uma pequena diferença na fórmula decisória destituída de relevância material, no Acórdão n.º 130/2018.

5 - O artigo 43.º, n.º 1, do EA, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, dispõe:

«1 - O regime da aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade fixa-se com base na lei em vigor e na situação existente na data em que se profira despacho a reconhecer o direito à aposentação.»

A norma julgada inconstitucional nas decisões anteriores e objeto do presente pedido de declaração de inconstitucionalidade é a do segmento deste preceito que determina que o regime da aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade se fixa com base na lei em vigor na data em que seja proferido despacho a reconhecer o direito à aposentação. Extravasa o objeto do processo o outro segmento do preceito, que atribui relevância à situação existente na data do despacho, nomeadamente o tempo de serviço e as contribuições prestadas pelo interessado no período compreendido entre o pedido de aposentação e o reconhecimento do direito pela Caixa Geral de Aposentações (referida adiante pela sigla «CGA»).

6 - Importa começar por delimitar rigorosamente a questão de constitucionalidade colocada nos presentes autos, sobre a qual incidiram os juízos anteriores.

Não está em causa questão de saber se o legislador pode alterar, designadamente em sentido desfavorável aos interessados, a fórmula de cálculo de pensões de aposentação em formação. Em causa está apenas a questão - mais restrita - da constitucionalidade da aplicação de um regime menos favorável aos funcionários que, reunidos os respetivos pressupostos, requereram a aposentação na vigência de lei antiga, mas cujo direito a aposentarem-se foi reconhecido já na vigência de lei nova.

Têm esse preciso alcance as seguintes palavras do Acórdão n.º 158/2008:

«Na verdade, sendo evidente que o facto de um interessado ter ingressado na função pública no domínio de um determinado regime legal, designadamente em matéria de definição dos requisitos para a aposentação e das regras de cálculo das respetivas pensões, não lhe outorga o direito a ver inalterado esse regime durante todo o tempo, em regra várias décadas, que durar a sua carreira até atingir o seu termo por aposentação, substancialmente distinta é a situação - que é a ora em apreço - em que os requisitos legais para a passagem à situação de aposentado se completaram no domínio da vigência de determinado regime legal e são posteriormente alterados em termos de determinarem o não reconhecimento desse direito.»

Em suma, o problema diz unicamente respeito à fixação do regime de aposentação voluntária com base na lei em vigor, não na data em que o direito à aposentação é exercido, mas na data em que a CGA o reconhece, como determina o n.º 1 do artigo 43.º do EA.

7 - A constitucionalidade do segmento pertinente do artigo 43.º, n.º 1, do EA, numa versão anterior cuja redação era idêntica à que veio a ser reposta pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, foi apreciada no Acórdão n.º 580/99, tendo-se concluído pela sua não inconstitucionalidade. Tal juízo teve a seguinte fundamentação:

«6 - Nos presentes autos, a recorrente requereu a aposentação em 27 de fevereiro de 1992. A Lei n.º 2/92, de 9 de março, entrou em vigor em 24 de março de 1992. Depois de reconhecido o direito à aposentação (em 4 de maio de 1992), a Caixa Geral de Aposentações proferiu despacho, datado de 26 de outubro de 1992, a fixar definitivamente a pensão de aposentação (despacho impugnado nos presentes autos).

Por força da norma contida no artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, a entidade recorrida, na fixação do valor da pensão, fez aplicação do disposto no artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 2/92, de 9 de março, fixando a pensão de aposentação no valor de 355 689$. Ora, a recorrente, no presente recurso de constitucionalidade, impugna precisamente este bloco normativo, uma vez que, alegadamente, de acordo com o regime vigente no momento em que requereu a pensão (artigo 53.º do Estatuto de Aposentação), a mesma deveria ter o valor de 460 000$.

7 - A recorrente sustenta, por um lado, que as normas impugnadas violam os princípios da confiança e da boa-fé, ínsitos no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição.

O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 303/90 (Diário da República, 1.ª série, de 26 de dezembro de 1990), afirmou que no princípio do Estado de direito democrático 'está, entre o mais, postulada uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas'.

Por outro lado, no Acórdão n.º 237/98 (Diário da República, 2.ª série, de 17 de junho de 1998), o Tribunal considerou que 'uma norma jurídica apenas violará o princípio da proteção da confiança do cidadão, ínsito no princípio do Estado de direito, se ela postergar de forma intolerável, arbitrária, opressiva ou demasiado acentuada aquelas exigências de confiança, certeza e segurança que são dimensões essenciais do princípio do Estado de direito'. Nesse aresto, afirmou-se ainda que o 'princípio do Estado de direito democrático [...] é um princípio cujos contornos são fluidos [...], pelo que tem um conteúdo relativamente indeterminado'. Em consequência, concluiu-se que tais características 'sempre inspirarão prudência ao intérprete e convidá-lo-ão a não multiplicar, com apoio nesse princípio, as ilações de inconstitucionalidade'.

Resulta da jurisprudência citada que o Tribunal Constitucional tem entendido que a tutela constitucional da confiança não abrange todo e qualquer juízo de previsibilidade que o sujeito possa fazer em face de determinado quadro normativo vigente. Com efeito, apenas colidirá com a tutela da confiança a afetação infundada e arbitrária de expectativas legítimas objetivamente consolidadas.

Nos presentes autos, a recorrente requereu uma pensão de aposentação num momento em que vigorava um regime que levaria à fixação do respetivo valor num determinado montante (460 000$). Contudo, nesse momento, vigorava também a norma que estabelecia que o regime aplicável à fixação da pensão de aposentação seria o regime vigente no momento em que o despacho de reconhecimento do direito à pensão de aposentação voluntária viesse a ser proferido [artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto de Aposentação]. Nessa medida, a recorrente sabia, quando requereu a pensão, que o respetivo montante seria fixado de acordo com a lei vigente no momento da prolação desse despacho.

A pensão foi definitivamente fixada no valor de 363 528$, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 2/92, de 9 de março. O regime legal aplicado determinou, portanto, uma redução do valor da pensão em relação ao valor que resultaria da aplicação do regime vigente no momento em que a pensão foi...

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