Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 33/2017

Data de publicação08 Março 2017
SectionSerie I
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 33/2017

Processo n.º 682/16

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional,

I - Relatório

1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, em conformidade com o disposto no artigo 82.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante LTC), a organização de um processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade, com vista à apreciação, pelo Plenário, da constitucionalidade da norma que estabelece que «o limite superior a 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação de remuneração do Perito em montante superior» resultante dos artigos 17.º, n.os 1 a 4, do Regulamento das Custas Processuais (conjugado com a Tabela IV do mesmo Regulamento).

Por forma a legitimar o seu pedido, o requerente alega que o Acórdão n.º 656/2014 julgou inconstitucional a norma resultante dos n.os 1 a 4 do artigo 17.º, conjugados com a Tabela IV, ambos do Regulamento das Custas Processuais, juízo de inconstitucionalidade que foi reafirmado, subsequentemente, pela Decisão Sumária n.º 291/2016, de 13 de maio, pela Decisão Sumária n.º 411/2016, de 7 de junho, e pela Decisão Sumária n.º 497/2016, de 6 de julho.

A estas decisões somam-se ainda as contidas no Acórdão n.º 16/2015 (a qual julgou inconstitucional a norma extraída do artigo 17.º, n.os 2 e 4, do Regulamento das Custas Processuais, em articulação com a Tabela IV anexa ao mesmo, aqui com o fundamento de que esta norma determina que, por cada perícia, os peritos não podem auferir mais de 10 UC, ainda que o tipo de serviço, os usos de mercado, a complexidade da perícia e o trabalho necessário à sua realização levem a considerar que a remuneração devida é superior); no Acórdão n.º 250/2016 (embora circunscrita aos n.os 2 e 4 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais e tabela IV anexa ao mesmo e com uma formulação não absolutamente coincidente com a contida nos arestos anteriormente citados); e, por fim, no Acórdão n.º 375/2016 e na Decisão Sumária n.º 376/2015, de 5 de junho, embora adotando formulação decisória não absolutamente coincidente.

De acordo com o requerente, todas as decisões citadas transitaram em julgado.

2 - Notificado para se pronunciar sobre o pedido, nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, aplicáveis por força do artigo 82.º, todos da LTC, o Primeiro-Ministro, na sua resposta, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.

3 - Discutido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal a que se refere o artigo 63.º, n.º 1, da LTC, cumpre elaborar o acórdão nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, em conformidade com o entendimento que prevaleceu.

II - Fundamentação

a) Verificação dos pressupostos

4 - A apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade de uma norma, em processo de fiscalização abstrata, pode ser requerida sempre que a mesma tiver sido julgada inconstitucional em três casos concretos, pelo Tribunal Constitucional, num processo de generalização dos juízos de inconstitucionalidade com fundamento na repetição do julgado (artigo 281.º, n.º 3, da Constituição).

Este preceito é reproduzido, no essencial, pelo artigo 82.º da LTC o qual, em todo o caso, tem um conteúdo mais denso, dispondo que a iniciativa pertence a qualquer dos juízes do Tribunal Constitucional ou ao Ministério Público, devendo promover-se a organização de um processo com as cópias das correspondentes decisões, o qual é concluso ao presidente, seguindo-se os termos do processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade previsto nesta mesma lei. Cumpre, em primeiro lugar, verificar se estão preenchidos os pressupostos previstos nas normas acabadas de citar.

5 - Verifica-se que a norma contestada foi, na realidade, julgada inconstitucional em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, em mais do que três casos concretos (conforme referido no ponto 1), pelo que se considera preenchido o pressuposto previsto no artigo 281.º, n.º 3, da Constituição.

O presente processo de fiscalização abstrata foi promovido pelo Ministério Público, que tem legitimidade para tal, nos termos do artigo 82.º da LTC.

b) Delimitação da norma objeto de fiscalização

6 - O pedido de declaração de inconstitucionalidade incide sobre a norma segundo a qual, por cada perícia, os peritos não podem auferir mais de 10 UC de remuneração, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro.

Embora as diversas decisões do Tribunal Constitucional sobre esta norma a tenham extraído da interpretação conjugada do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais e da tabela IV do mesmo, a delimitação exata do preceito em causa, no que diz respeito ao artigo 17.º, foi diferenciada. Algumas decisões entendiam essa norma como decorrente dos n.os 1 a 4 deste artigo (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 656/2014 e as Decisões Sumárias n.º 291/2016, n.º 411/2016 e n.º 497/2016) enquanto outras a retiravam dos n.os 2 e 4 do mesmo (cf. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 16/2015, n.º 250/2016, n.º 375/2016 e a Decisão Sumária n.º 376/2015).

7 - Sob a epígrafe «Remunerações fixas», o artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais dispõe o seguinte, nos seus n.os 1 a 4:

«1 - As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento.

2 - A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efetuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela IV, que faz parte integrante do presente Regulamento.

3 - Quando a taxa seja variável, a remuneração é fixada numa das seguintes modalidades, tendo em consideração o tipo de serviço, os usos do mercado e a indicação dos interessados:

a) Remuneração em função do serviço ou deslocação;

b) Remuneração em função do número de páginas ou fração de um parecer ou relatório de peritagem ou em função do número de palavras traduzidas.

4 - A remuneração é fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, desde que se contenha dentro dos limites impostos pela tabela IV, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem e quando requeridas até ao encerramento da audiência, nos termos fixados para as testemunhas e desde que não seja disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.»

A tabela IV do Regulamento das Custas Processuais, a que se referem os n.os 2 e 4 deste artigo (para além dos seus n.os 5 e 6, que estão fora do objeto do nosso exame), prescreve que a "Remuneração por serviço/deslocação" da categoria "Peritos e peritagens" é de "1 UC a 10 UC (serviço)".

8 - A dimensão normativa objeto do julgamento de inconstitucionalidade, nos casos concretos, foi sempre a norma que determinava o caráter absoluto e intransponível do limite de remuneração dos peritos (10 UC, tal como decorre da tabela IV), impedindo a remuneração do perito em montante superior. Sendo essa a norma, pode verificar-se que ela é suscetível de ser interpretativamente extraída da leitura dos n.os 2 e 4 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais em conjugação com a sua tabela IV (em rigor, com o valor máximo aplicável à primeira categoria constante da lista). Efetivamente, o n.º 1 limita-se a determinar a regra geral do direito à remuneração dos peritos que colaborarem em diligências processuais e o n.º 3 contém os critérios que devem presidir à fixação em concreto da remuneração sempre que a taxa seja variável.

A norma objeto de análise no presente processo será, portanto, a que impede a fixação de remuneração de perito em montante superior ao limite de 10 UCs, interpretativamente extraída dos n.os 2 e 4 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais em conjugação com a sua tabela IV.

c) Enquadramento da questão

9 - A solução normativa decorrente do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais e da sua tabela IV garante e regula a remuneração das pessoas que colaboram com o tribunal a título incidental, coadjuvando na realização de diligências processuais. A remuneração destas pessoas, os peritos e outro tipo de agentes portadores de uma especial qualificação ou know-how, como tradutores, intérpretes ou consultores técnicos, entre outros, constitui encargo compreendido nas custas judiciais mas distintos da taxa de justiça. Em todo o caso, e como é realçado no Acórdão n.º 656/2014, do Tribunal Constitucional (pontos 8. e 9.):

«8 - O artigo 16.º do Regulamento da Custas Processuais ocupa-se do tipo de encargos compreendidos nas custas judiciais. Estes encargos representam, de um modo geral, as despesas que os processos normalmente comportam, designadamente no âmbito da produção de prova dos factos relevantes para a resolução jurídica do litígio. Distinguem-se, pois, da taxa de justiça.

Entre os encargos previstos no artigo 16.º citado, contam-se «as retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo» (alínea h), do seu n.º 1).

Salvador da Costa, socorrendo-se de Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, refere a este propósito que «intervêm acidentalmente nos processos, além das testemunhas a que se reporta a alínea e) do n.º 1 deste artigo, os peritos, os tradutores, os intérpretes, os depositários, os encarregados de vendas, os técnicos e outros. A despesa...

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