Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2018

Data de publicação19 Fevereiro 2018
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2018

Revista 1181/13.TBMCN-A.P1.S1

Acordam no pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:

Fernando de Oliveira Pinto e Darcília de Sousa Magalhães vieram opor-se à execução que Maria Augusta Silvestre Moreira e Manuel Maria Ferreira da Costa lhes movem, alegando, além do mais, a falta de título executivo, em virtude de ao mesmo subjazer um contrato de mútuo nulo por falta de forma.

Os exequentes pugnaram pela validade do título executivo.

Foi proferido saneador-sentença, julgando-se a oposição procedente e a execução extinta, com fundamento na nulidade do contrato de mútuo subjacente à emissão da declaração de dívida apresentada como título executivo.

Inconformados, os exequentes interpuseram apelação, em cujo âmbito a Relação do Porto julgou procedente o recurso, determinando o prosseguimento dos autos.

Os executados interpuseram recurso de revista desse acórdão, requerendo o respectivo julgamento ampliado (com intervenção do pleno das secções cíveis deste Tribunal), nos termos do art. 686º do CPC, por se revelar «conveniente assegurar a uniformidade da jurisprudência», para superar a divergência que se vem manifestando sobre a questão suscitada no recurso, cujo objecto delimitaram com as seguintes conclusões:

«A - Toda a execução tem por base um título executivo.

B - A exequibilidade extrínseca da pretensão do exequente é conferida pela sua incorporação num título executivo, num documento que formaliza por via legal a faculdade de realização coactiva da prestação

C - O título executivo é assim condição geral de qualquer execução, sua condição necessária e suficiente. Não havendo acção executiva sem título.

D - A confissão de dívida que suporta a execução configura um mútuo no valor de 6.000.000$00 (trinta mil euros)

E - Os mútuos de valor de (euro) 30.000,00 só são válidos se forem celebrados por escritura pública (artigo 1143º do C. Civil).

F - O mútuo é a verdadeira causa de pedir da obrigação executada.

G - Havendo invalidade formal do negócio jurídico subjacente ao título executivo tal afectará não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do respectivo documento como título executivo.

H - Atingindo a nulidade formal, não só a exequibilidade da pretensão, como também a exequibilidade do título.

I - O negócio em apreço nestes autos só seria válido se celebrado por escritura pública.

J - Não tendo sido observada tal forma é o mesmo nulo.

L - Sem título não há acção executiva.

M - Violou o douto acórdão em crise o disposto no artigo 1143º do CC e 703º do CPC.».

Os exequentes contra-alegaram, sustentando a improcedência do recurso.

Os autos foram apresentados ao Exmo. Presidente deste Supremo Tribunal, que deferiu a pretensão dos recorrentes de que se procedesse ao julgamento ampliado da revista

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer ao abrigo do art. 687º, n.º 1, do CPC, culminando com a seguinte proposta de uniformização:

«Constitui título executivo, face ao disposto no art. 46.º, n.º 1, al, c), do CPC/95, o documento particular que contém o reconhecimento de dívida resultante de negócio nulo por falta de forma».

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*

A Relação considerou assente a seguinte factualidade:

«1. Na execução a que os presentes autos estão apensos foi apresentada à execução o documento escrito particular de fls. 8 da execução, o qual se mostra datado de 18-7-95 e contém as assinaturas dos dois executados, tendo o seguinte teor, na parte relevante:

"Nós abaixo assinados Fernando de Oliveira Pinto, casado com Darcília de Sousa Magalhães Pinto...declaramos que nos confessamos devedores ao Sr. Manuel Maria Ferreira da Costa e mulher Maria Augusta Silvestre Moreira, da importância de 6.000.000$00, que este nos fez o favor de emprestar, a fim de ser utilizado na n/ vida particular, no dia 18-7-95, pelo prazo de um ano."».

*

A questão suscitada nas enunciadas conclusões consiste em saber se, estando o negócio jurídico subjacente ao escrito particular oferecido à execução afectado de invalidade formal, esta acarreta a inexequibilidade daquele.

No caso em apreço, o título apresentado na execução constitui o reconhecimento da existência de uma obrigação contratual para os executados, decorrente de um contrato de mútuo que os mesmos ali confessavam haver celebrado com os exequentes, no dia 18-7-1995, tendo-se vencido a obrigação, no montante de 6.000.000$00, com a interpelação judicial, concretizada pela citação, nos termos do art. 805.º, n.º 1, do CC.

Contudo, nos termos do art. 1143.º do CC (na redacção conferida pelo DL 190/85 de 24/6), tal contrato de mútuo (de valor superior a 200.000$00) só teria sido válido se celebrado por escritura pública (1), o que não sucedeu, como resulta do acordo das partes no processo.

O art. 46.º do CPC (DL 329-A/95, de 12/12) - aplicável, quanto aos títulos executivos, às execuções que, como a dos autos, hajam sido iniciadas até à data da entrada em vigor do NCPC (1-09-2013), em conformidade com o disposto no art. 6.º, n.º 3, da Lei 41/2013, de 26/6 (que aprovou este código) - estabelecia as várias espécies de títulos executivos, entre os quais figuravam:

[...] «b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário [...] que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;

c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável [...], ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto».

Aquela alínea b) era aplicável a «documentos elaborados ou autenticados, por notário [...]» que importassem constituição ou reconhecimento de «qualquer obrigação», enquanto o campo de acção desta alínea c) restringia-se aos documentos (particulares) que importassem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias ou de prestação de facto ou de entrega de coisas - «móveis», na redacção original do DL 329-A/95, expressão, depois, eliminada com o DL 38/2003 de 8/3.

O novo CPC, aprovado pela citada Lei n.º 41/2013 e que - como se disse - não é aqui aplicável, veio interromper a tendência evidenciada pela evolução da nossa lei que se caracterizava por uma progressiva simplificação e ampliação dos títulos executivos extrajudiciais (2). À luz do actual art. 703.º, de entre aquelas duas espécies de documentos apenas podem servir de base à execução os exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de quaisquer obrigações, portanto, também, as de natureza pecuniária, a cuja aplicabilidade se destinava a citada alínea c) daquele art 46.º (3).

Entretanto, pelo Ac. do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, in DR I n.º 201 de 14/10/2015, foi declarada, «com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante...

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