Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2017

Data de publicação22 Fevereiro 2017
SectionSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2017

Processo n.º 1373/06.7TBFLG.G1.S1-A

Acordam no Pleno das Secções Cíveis do STJ:

Relatório

Em 15/05/2006 Casa de Codizais, Sociedade de Vinhos. Lda. intentou contra o Estado português, Bom Paraíso - Sociedade Imobiliária, Lda., Manuel Clementino Gonçalves Oliveira e Rosa Maria Teixeira Nunes, acção de condenação, com processo ordinário, pedindo: a) o reconhecimento do direito de propriedade da Autora sobre ambos os prédios rústicos que identifica na petição inicial, afirmando ser a possuidora de forma pública e pacífica da propriedade murada que integra os referidos prédios desde 1998; b) a declaração de que o artigo 1408 urbano do Torno constitui uma duplicação do artigo 1002 de Airães e que a habitação ali referida se situa totalmente na freguesia de Airães, Felgueiras; c) a declaração de que a Ré "Bom Paraíso" nunca possuiu o que quer que fosse da propriedade referida e que a descrição predial 620 de Torno provém de terrenos anteriormente pertencentes a Gaspar Francisco de Matos Castro e Menezes ou Casa da Veiga; d) que fosse reconhecido que da propriedade em causa o mencionado Gaspar apenas foi proprietário da parcela referida no artigo 37 e, consequentemente, caso se entenda que o prédio descrito sob o artigo 620 do Torno compreende parte da propriedade em causa e caso se entenda que a Ré "Bom Paraíso" adquiriu essa parcela, se reconheça que da referida parcela o terceiro Réu apenas comprou a parcela do artigo 37; e) que fossem os Réus condenados a absterem-se de praticar qualquer acto que perturbe a posse da Autora sobre a propriedade murada identificada, sob pena de multa, e mantida a Autora na posse da mesma ou subsidiariamente com a exclusão da parcela 37; f) que fosse ordenado o cancelamento do registo efectuado na Conservatória do Registo Predial em 01.03.2012, apresentação 366, sobre a ficha de Torno.

Os Réus contestaram.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada, tendo os Réus sido absolvidos do pedido.

Inconformada a Autora recorreu.

O Tribunal da Relação negou provimento à apelação, tendo confimado a sentença apelada.

Novamente inconformada a Autora interpôs recurso de revista a 07/03/2014, tendo a revista sido negada pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão proferido a 11/09/2014.

Casa de Codizais, Sociedade de Vinhos. Lda., interpôs então, nos termos dos artigos 688.º e seguintes do Código do Processo Civil, recurso para uniformização de jurisprudência quanto à questão jurídica que identifica como sendo a seguinte: "perante o caso de duplicação de descrições prediais e linhas de registo incompatíveis, qual o valor a atribuir o registo derivado do acto mais antigo?" (artigo 10.º do Recurso).

Para o efeito invocou uma oposição de julgados entre o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/02/2012, no processo n.º 67/07.0TBCRZ.P1.S1 (doravante designado Acórdão fundamento) e o Acórdão recorrido no âmbito deste processo proferido, como já se referiu, a 11/09/2014.

O Ministério Públio não respondeu ao Recurso.

O Recurso agora apresentado apresenta as seguintes conclusões:

"I. - O acórdão recorrido relativamente à mesma questão fundamental de direito está em oposição com o acórdão do STJ de 23/02/2012, no processo n.º 67/07.0TBCRZ.P1.S1;

II. Sendo adoptada a tese do Acórdão fundamento a acção teria de proceder.

III. Encontrando-se um prédio duplamente descrito na Conservatória do Registo Predial com inscrições a favor dos AA. e dos RR., verifica-se haver uma concorrência de presunções derivadas do registo, devendo neste caso, prevalecer a que derivar do acto de registo mais antigo, valendo para o efeito a data de apresentação a registo, ou tendo a mesma data o respectivo número de ordem.

IV. A resposta à questão da duplicação das descrições prediais e resolução dos registos incompatíveis está nos artigos 6.º n.º 1 e 34.º do Código do Registo Predial.

V. Do parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e Notariado Conselho Técnico do Registo Predial [sic] de 16/11/2011, invocado no Acórdão recorrido, colhe-se de fundamental a questão da incompetência dos conservadores do registo predial, ao contrário dos juízes, para, sem intervenção dos interessados ou decisão judicial, procederem à anulação da segunda descrição criada e respectivo trato sucessivo, uma vez constatada a duplicação e a preocupação com a aberração jurídica e negação da essência do sistema registo predial que a duplicação de descrições com traços sucessivos incompatíveis traduz e a que o acórdão recorrido não dá a melhor resposta.

VI. O acórdão recorrido, tal como aqueles que o antecedem no mesmo sentido, perante a situação de duplicação de descrições prediais entende implicitamente não haver previsão legal e não integra a lacuna que implicitamente entende existir da forma mais consentânea com o comando do artigo 10.º do Código Civil, pois a regra construída em face daquela entendida imprevisão legal é a da desconsideração dos efeitos de um registo pela superveniência de outro noutra linha de registo anormalmente construída.

VII. A norma que o intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema, não seria a de atribuição de igual valor a ambos os registos, pois a referida regra põe em causa a essência do sistema do registo predial, ao desconsiderar toda uma linha de registo e todo o trabalho jurídico na sua construção, muitas vezes centenário, pelo simples facto de quase cem anos depois, ter sido aberta uma nova linha duplicada.

VIII. Viola assim com o devido respeito, no nosso entendimento, o acórdão recorrido o disposto no artigo 6.º n.º 1 e 34.º do Código do Registo Predial e 10.º do Código Civil.

IX. Ao contrário a tese do acórdão fundamento não entende haver lacuna e resolve a questão por aplicação pura, literal e simples do n.º 1 do artigo 6.º do Código do Registo Predial.

X. Tem fundamento legal que resulta da expressão clara do artigo 6.º do Código do Registo Predial, plausível, tendo em conta a segurança jurídica que o sistema de registo predial pretende conferir ao atribuir ao primeiro titular o respectivo direito.

XI. Dever-se-á contudo ir um pouco mais longe e considerar a antiguidade do trato sucessivo, fazendo prevalecer o trato sucessivo mais antigo e não simplesmente a inscrição de aquisição mais antiga, numa conjugação do disposto no artigo 34.º com o artigo 6.º n.º 1 do Código do Registo Predial.

Termos em que deve ser admitido e julgado procedente o presente recurso, fixando-se jurisprudência Uniforme, de acordo com as conclusões e fundamentos propostos ou outros que melhor se entendam, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que julgue procedente a acção".

Defende-se, por conseguinte, a prevalência da linha de trato sucessivo mais antiga sobre a posterior "que deve ser anulada" (artigo 29.º do Recurso), por aplicação dos artigos 6.º n.º 1 e artigo 34.º do Código do Registo Predial.

Em conformidade com o disposto no artigo 692.º n.º 1 do Código do Processo Civil o recurso para uniformização de jurisprudência foi aceite, com efeito meramente devolutivo, a 30/04/2015.

Fundamentação

a) De Facto:

Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada:

1.1 - Encontra-se inscrito sob o artigo 1022 da matriz predial urbana da freguesia de Airães, Felgueiras e descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º 11/140585, o prédio urbano composto por casa de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, com a superfície coberta de 450 m2, terraço com a área de 90m2, arrumos com a área de 110 m2 e quintal com 1.550 m2, sito no lugar do Telhado, mostrando-se a respectiva aquisição a favor da Autora Casa de Codizais - Sociedade de Vinhos, Lda., registada provisoriamente a 14/5/1998, tendo o registo sido convertido em definitivo a 7/7/1998;

1.2 - Encontra-se inscrito sob o artigo 359 da matriz predial rústica da freguesia de Airães, Felgueiras, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º 536/251194, o prédio rústico sito no lugar do Telhado, com 4.850 m2, mostrando-se a respectiva aquisição a favor da Autora Casa de Codizais - Sociedade de Vinhos, Lda., registada provisoriamente a 14/5/1998, tendo o registo sido convertido em definitivo a 7/7/1998;

1.3 - Encontra-se descrito sob a ficha n.º 620/180699, na Conservatória do Registo Predial de Lousada, o prédio misto composto de edifício de rés-do-chão e andar, com anexo, com a área coberta de 549,50 m2 e descoberta de 4.450 m2 e terreno a mato com 20.600 m2, mostrando-se a respectiva aquisição registada - desde 25/10/2000 - a favor da Ré Bom Paraíso - Sociedade Imobiliária, Lda., conforme certidão de fls 44 a 46 que aqui se dá por reproduzida;

1.4 - No dia 12 de Abril de 2006, no Âmbito da execução fiscal n.º 179120040101727, em que é executada a Ré "Bom Paraíso", o Estado Português, por intermédio do serviço de finanças de Lousada, procedeu à venda, mediante propostas em carta fechada, do prédio misto sito no lugar de Telhado, freguesia de Torno, Lousada, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1048, com a área coberta de 549,50 m2 e oito divisões assoalhadas, uma cozinha, quatro casas de banho, três corredores, três despensas, cinco varandas, anexo destinado a garagem, e logradouro, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1088, sendo o terreno a mato com a área de 20.600 m2, a confrontar do Norte com caminho público, Sul e Poente com "Bom Paraíso, Imobiliária, Lda.", Nascente com limite do Concelho e Casa de Codizais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º 620/180699, ao terceiro Réu, que procedeu ao depósito do preço em 26 de Abril de 2006:

1.5 - Por escritura de compra e venda celebrada em 3 de Agosto de 2000, no Cartório Notarial de Fafe, Joaquim José Teixeira Regadas, na qualidade de administrador único e em representação da sociedade anónima KJ Imobiliária SA, declarou vender e José Carlos Cunha Nunes, na qualidade de sócio gerente da Bom Paraíso - Sociedade Imobiliária, Lda., declarou...

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