Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 2/2017

Data de publicação07 Abril 2017
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 2/2017

Acórdão do STA de 22-02-2017, no Processo n.º 1658/15, da 2.ª Secção

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em julgamento ampliado:

A Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), inconformada, interpôs recurso de revista nos termos do artigo 150.º do CPTA, da decisão do TCA Norte datada de 3 de Julho de 2015, que concedeu provimento ao recurso então deduzido, pela Autoridade Tributária e Aduaneira da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (TAF de Aveiro) datada de 30 de Dezembro de 2014, que julgou procedente a acção administrativa especial, deduzida pela ora recorrente contra a ora recorrida, no seguimento do pedido de anulação do acto de indeferimento de recurso hierárquico, praticado pela Subdirectora-Geral dos Impostos, relativo a benefício fiscal consistente na isenção de IMI de prédio urbano.

Alegou, tendo concluído como se segue:

I. O douto aresto recorrido parte de lapso manifesto para considerar que a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99 de 14.09 não se sobrepõe às alíneas e) e f) do n.º 1 do actual artigo 44.º do EBF e para considerar que a Lei versa sobre CA e o EBF sobre IMI;

II. Tal asserção atentará contra o n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11 e ainda muito mais acentuadamente contra a letra do n.º 1 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11 (remissões);

III. A contar de 01.12.2003 (data da revogação da CA e do CCA) a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99 de 14.09 passou a ter, na prática, a seguinte redacção: "Imposto municipal sobre imóveis de prédios destinados à realização dos seus fins estatutários".

IV. Partindo o douto acórdão recorrido deste lapso manifesto não pode manter-se a douta conclusão de que, in casu, apenas se aplica o regime da alínea e) do n.º 1 do actual artigo 44.º do EBF, nem poderá ainda afirmar-se que a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14.09 consagra actualmente uma isenção de CA e não a isenção de IMI para as PCUP e IPSS, uma vez que estas são todas ope legis PCUP;

V. Aplicar-se-ão as duas normas, como consta do pedido de isenção apresentado à AT, sendo que, uma vez que estamos perante matéria da competência relativa da Assembleia da República (AR), regulada pela Lei n.º 151/99, de 14.09, a norma da alínea e) do n.º 1 do actual artigo 44.º do EBF, não pode considerar-se em vigor na parte em que usa o termo ou expressão "directamente", porquanto:

VI. Foi a AR, o poder legislativo, que pretendeu suprimir a expressão "directamente", naturalmente permitindo uma amplitude maior ao benefício fiscal, que antes poderia discutir-se;

VII. Esta norma isentiva tem como antecedentes os benefícios das PCUP em sede de contribuição predial (alínea c) do artigo 1.º da Lei n.º 2/78, de 17.01 e a alínea c) do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 260-D/81 de 02.09 que mandava aplicar o seu artigo 3.º e que remetia para o n.º 4 do artigo 7.º e artigo 10.º do Código da Contribuição Predial);

VIII. Benefício este que tinha uma amplitude igual à que se defende nestes autos, sendo que na vigência do Decreto-Lei n.º 260-D/81 de 02.09 já se isentava de imposto os imóveis cujos "rendimentos se destinam à realização dos fins" das PCUP;

IX. Pelo que já no âmbito da norma isentiva ao nível da Contribuição Predial se abrangiam os bens imóveis cujos rendimentos, por eles produzidos, se destinavam a financiar os fins constantes dos estatutos.

X. A norma isentiva contida na alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99 e a norma isentiva contida na alínea e) do n.º 1 do actual artigo 44.º do EBF, haverá que ser vista como tendo o mesmo alcance, sob pena de se considerar que afinal a norma da alínea d) do n.º 1 da Lei n.º 151/99, de 14.09 não tem qualquer âmbito de aplicação, o que seria uma conclusão juridicamente insustentável, até pela desconsideração face à voluntas legislatoris da Assembleia da República reveladora da vontade da lei;

XI. Mesmo que se concluísse que às isenções de IMI das PCUP (aqui incluídas as IPSS) se aplica apenas a alínea e) do n.º 1 do actual artigo 44.º do EBF, não poderia concluir-se como se conclui no douto aresto ora em apreciação quanto à integração da expressão "directamente".

XII. Constituirá ainda lapso manifesto esgrimir-se que se não for limitada a amplitude da isenção de IMI apenas aos imóveis de uso como instalações pelas PCUP, aqui incluídas as IPSS (o que a lei não diz), inutilizar-se-ia a segunda parte da norma isentiva que se considera o pressuposto objectivo do benefício fiscal.

XIII. Haverá que ter em conta o regime fiscal aplicável no seu todo, quer às PCUP quer às IPSS (alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF) porque, actualmente, todas as IPSS ganham automaticamente a qualificação de PCUP por força do Estatuto das IPSS.

XIV. O que resulta claro do artigo 8.º do Estatuto das IPSS aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 14.11.

XV. O legislador ao consagrar um regime diferente para as PCUP (aqui englobando as IPSS) do que é aplicável às Misericórdias (que também são IPSS e PCUP) não quis dar mais benefícios a estas do que àquelas entidades, nem com amplitudes diferentes, até porque os fins e acções das misericórdias, de cariz solidário e assistencial, são levados a efeito, hoje, também por muitos milhares de PCUP e IPSS.

XVI. O que pretendeu foi apenas diferentes mecanismos de controlo: para as Misericórdias não criou nenhum mecanismo de controlo (por força da parte final da alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF), para as PCUP (aqui incluídas as IPSS que não as Misericórdias) criou os que constam da alínea b) do n.º 2 e n.º 4, ambos do artigo 44.º do EBF.

XVII. Este tipo de benefícios subjectivos e de reconhecimento oficioso (a isenção de IMI das PCUP incluindo as IPSS) têm que respeitar a norma substantiva ínsita no n.º 2 do artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

XVIII. No caso, o benefício fiscal não carece de acto administrativo de mero reconhecimento. Ou seja, não é a AT que tem o poder para dizer o que cabe ou não no âmbito do benefício fiscal. Essa amplitude só pode dimanar da lei da AR, neste caso a Lei n.º 151/99, de 14.12, uma vez que o acto de reconhecimento tem sempre efeito meramente declarativo, porque o benefício é de reconhecimento oficioso.

XIX. Pelo que os mecanismos previstos na lei, neste caso no EBF, são de mero Controlo do benefício fiscal, mas nunca podem permitir não o reconhecer, tendo em conta o princípio da legalidade ínsito na CRP.

XX. Por outro lado haverá ainda que ter em conta que as normas sobre benefícios fiscais admitem interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF).

XXI. Não confere com a realidade o argumento plasmado no douto aresto recorrido tem a ver com esta passagem: "Se o legislador tivesse pretendido relevar a afectação à utilidade pública dos rendimentos dos imóveis, o mais adequado seria isentar de imposto esses rendimentos em si mesmos e não a propriedade e posse desses bens".

XXII. Tal argumento não fará sentido ao nível dos rendimentos das PCUP, uma vez que estão isentas de IRC, como se infere da alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRC e a recorrente tem um despacho publicado no DR que lhe confere esse benefício (que por isso é do domínio público).

XXIII. A interpretação da lei plasmada no aresto recorrido, ao invés do que refere, fere o que denomina de "coerência interna", pela razão de que existe uma norma idêntica - ou melhor, aparentemente mais restritiva - que é aplicada com a amplitude defendida pela recorrente.

XXIV. Em sede de IMT, a Administração Fiscal, considera que integra o conceito do destino, directo e imediato, de uma PCUP (como consta do parecer da própria AT, sancionado pelo SEAF, citado na PI) não só o facto de um prédio se destinar a instalações da entidade, mas também quando se destine a obter rendimentos para financiar a PCUP, aceitando a mera alegação da PCUP nesse sentido constante em acta do órgão de direcção.

XXV. Nesta linha de pensamento uniforme de aplicação de normas fiscais com redacções similares, a isenção de IMI deverá sempre ser considerada a estas entidades desde que: aleguem que o prédio se destina às suas instalações; aleguem que o prédio se destina a obter rendimentos, desde que estes sejam para financiar exclusivamente a PCUP de acordo com os estatutos.

XXVI. É exactamente o que ocorre em sede de isenção de IMT quanto às PCUP (aqui incluídas as IPSS) como resulta do disposto no artigo 6.º alíneas d) e e) do CIMT e do artigo 10.º n.º 2 alínea b) do CIMT.

XXVII. Foi alegado na PI e não foi colocado em causa pela AT que o parecer sobre a interpretação da norma isentiva das PCUP e IPSS em sede de IMT não era aplicado a todas as entidades na dimensão que o mesmo comporta. Por isso deve ter-se por assente esse desiderato.

XXVIII. É com base na declaração do destino dos bens constante da deliberação de aquisição que é conferida a isenção de IMT. Tal mecanismo, de mero controlo de benefícios, será de aplicar em sede de IMI.

XXIX. A expressão "directamente" constante da alínea e) do n.º 1 do actual artigo 44.º (antigo artigo 40.º) do EBF, provinda da versão original do EBF, de 1989, a considerar-se que tem algum conteúdo, visa obrigar as PCUP (aqui incluídas as IPSS) a consignarem expressamente perante o Fisco o destino dos imóveis (instalações ou obtenção de rendimentos), ficando, assim responsabilizados os seus responsáveis pelo uso do bem no âmbito do escopo da entidade, com a correlativa responsabilidade nos termos gerais de direito.

XXX. Atentará contra a coerência do sistema fiscal que uma norma isentiva em sede de IMT aparentemente mais restritiva em termos de literalidade, seja aplicada com uma amplitude total (prédios de uso em instalações e prédios de rendimento) e uma norma literalmente menos restritiva, em sede de IMI, seja aplicada de forma muitíssimo mais restritiva em termos de amplitude.

XXXI. Em conclusão, os benefícios fiscais em sede de IMI das PCUP (aqui englobadas as IPSS, salvo as Misericórdias): iniciam-se a partir do...

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