Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 404/2012, de 08 de Outubro de 2012

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 404/2012 Processo n.º 773/11 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: I — Relatório 1 — Requerente e pedido. — O Provedor de Justiça veio requerer, ao abrigo do disposto na alínea

  1. do n.º 2 do ar- tigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no n.º 1 do artigo 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novem- bro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obri- gatória geral, das normas constantes do artigo 34.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1 -B/2009, de 7 de julho, que aprova a Lei de Defesa Nacional, e dos artigos 1.º, 2.º, n. os 1, 2 e 3, 4.º, n. os 1 e 2, e 5.º, n. os 1, 2 e 3, da Lei n.º 19/95, de 13 de julho, diploma que estabelece o regime de queixa ao Provedor de Justiça em matéria de defesa nacional e Forças Armadas.

    A norma do artigo 34.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1 -B/2009, de 7 de julho (retificada e aprovada em anexo à Declaração de Retificação n.º 52/2009, de 20 de julho), que aprova a Lei de Defesa Nacional, tem a se- guinte redação: «Artigo 34.º Provedor de Justiça 1 ― Os militares na efetividade de serviço podem, depois de esgotados os recursos administrativos legal- mente previstos, apresentar queixas ao Provedor de Justiça por ações ou omissões dos poderes públicos responsáveis pelas Forças Armadas de que resulte vio- lação dos seus direitos, liberdades e garantias, exceto em matéria operacional ou classificada. 2 ― . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .» O teor dos artigos 1.º, 2.º, n. os 1, 2 e 3, 4.º, n. os 1 e 2, e 5.º, n. os 1, 2 e 3, da Lei n.º 19/95, de 13 de julho, diploma que estabelece o regime de queixa ao Provedor de Jus- tiça em matéria de defesa nacional e Forças Armadas, é o seguinte: «Artigo 1.º Queixa ao Provedor de Justiça Todos os cidadãos, nos termos da Constituição e da lei, podem apresentar queixa ao Provedor de Justiça por ações ou omissões dos poderes públicos responsáveis pelas Forças Armadas de que tenha resultado, nomeada- mente, violação dos seus direitos, liberdades e garantias ou prejuízo que os afete.

    Artigo 2.º Queixa por parte de militares ou de agentes militarizados das Forças Armadas 1 ― Sendo queixosos os militares ou os agentes militarizados das Forças Armadas, a queixa referida no artigo anterior só pode ser apresentada ao Provedor de Justiça uma vez esgotadas as vias hierárquicas es- tabelecidas na lei. 2 ― O recurso interposto nos termos do número anterior considera -se indeferido decorridos que sejam 15 dias úteis sem que seja decidido. 3 ― Quando não haja lugar ao recurso hierárquico ou estiver esgotado o prazo para interpor recurso hie- rárquico da ação ou omissão, nos termos do n.º 1, a queixa é levada ao conhecimento do Chefe do Estado- -Maior -General das Forças Armadas ou do chefe de estado -maior do respetivo ramo, conforme os casos, que dispõe de 10 dias úteis para se pronunciar, findos os quais, sem que a pretensão individual tenha sido satisfeita, pode a mesma ser dirigida diretamente ao Provedor de Justiça. 4 ― . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Artigo 4.º Processo 1 ― A queixa deve conter o nome completo do quei- xoso e a indicação da sua residência, a sua identificação militar completa, a referência à força, unidade, esta- belecimento ou órgão em que desempenha funções, bem como a menção de que foram esgotadas as vias hierárquicas ou de que dela foi previamente dado conhe- cimento ao Chefe do Estado -Maior -General das Forças Armadas ou ao chefe de estado -maior respetivo, tendo decorrido, sem satisfação do pedido, o prazo referido no n.º 3 do artigo 2.º 2 ― A queixa é apresentada por escrito ou oralmente, devendo neste caso ser reduzida a auto.

    Artigo 5.º Âmbito pessoal de aplicação 1 ― O disposto nos artigos 2.º, 3.º e 4.º aplica -se:

  2. Aos militares dos quadros permanentes das Forças Armadas na situação de ativo ou que, encontrando -se na situação de reserva, estejam em serviço efetivo;

  3. Aos militares das Forças Armadas que cumpram o serviço efetivo normal ou que prestem serviço efetivo em regime de voluntariado ou em regime de contrato;

  4. Aos militares das Forças Armadas que cumpram serviço efetivo decorrente de convocação ou de mobi- lização, nos termos da legislação respetiva. 2 ― O disposto no artigo 3.º aplica -se ainda aos militares que se encontrem na situação de reserva fora do serviço efetivo ou na situação de reforma. 3 ― O disposto nos artigos 2.º e 4.º não se aplica aos agentes militarizados das Forças Armadas que estejam na situação de reforma, aplicando -se -lhes, contudo, o disposto no artigo 3.º» 2 — Fundamentos do pedido. — Entende o Provedor de Justiça que tais normas, nos segmentos em que, por um lado, fazem depender a apresentação de queixa ao Prove- dor de Justiça da exaustão dos recursos administrativos previstos na lei e, por outro, circunscrevem a possibili- dade de apresentação de queixa ao Provedor de Justiça às situações que envolvam a violação de direitos, liberdades e garantias dos próprios militares queixosos ou prejuízo para estes, violam as normas contidas nos artigos 23.º, n. os 1 e 2, e 18.º, n. os 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Quanto à questão da alegada inconstitucionalidade da solução legal que impõe a prévia exaustão das vias hie- rárquicas previstas na lei para a apresentação de queixa ao Provedor de Justiça por parte dos militares ou agentes militarizados das Forças Armadas, os fundamentos do pedido são, em síntese, os seguintes: Não obstante o Tribunal Constitucional ter apreciado questão jurídico -constitucional idêntica no Acórdão n.º 103/87, e ter decidido, com vários votos de vencido, pela sua não inconstitucionalidade, entende o Requerente, Provedor de Justiça, colocar de novo a questão, por não concordar com os fundamentos da tese que fez vencimento no citado Acórdão; O direito de queixa ao Provedor de Justiça (artigo 23.º da Constituição) é um direito fundamental que beneficia do regime constitucional próprio dos direitos, liberdades e garantias, vertido nos artigos 17.º e 18.º do texto cons- titucional; Fazer depender a possibilidade de apresentação de queixa ao Provedor de Justiça do esgotamento prévio dos meios de impugnação hierárquicos dentro da estrutura militar não constitui uma mera regulamentação do direito em causa, como se defendeu no Acórdão n.º 103/87, mas antes uma verdadeira restrição ao exercício, neste caso por parte dos militares, daquele direito fundamental; Resulta inequivocamente do n.º 2 do artigo 23.º da Constituição que o legislador constituinte conformou o direito fundamental de queixa ao Provedor de Justiça como independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis, pelo que qualquer concretização do direito que faça depender o seu exercício da utilização obrigatória, prévia ou póstuma, de meios de reclamação graciosos ou contenciosos previstos na lei, não está apenas a proceder à sua regulamentação, antes limita -o num dos seus elementos estruturantes — a que, de resto, o legislador constitucional deu expressão direta no n.º 2 do artigo 23.º da Lei Fundamental — impondo -lhe uma verdadeira restrição; Não pode aceitar -se, como se pretende no citado Acór- dão n.º 103/87, que a obrigatoriedade de exaustão de re- cursos administrativos por parte dos militares queixosos constitua um limite imanente da garantia constitucional associada ao direito fundamental de queixa ao Provedor de Justiça.

    Sendo certo que a atividade política dos órgãos de soberania ou a atividade judicial constituirão limites imanentes à atividade do Provedor de Justiça (e ao cor- respondente direito fundamental de queixa de todos os cidadãos, como se reconhece no artigo 22.º do Estatuto do Provedor de Justiça), o mesmo não poderá dizer -se de limites associados ao estatuto constitucional específico de certos cidadãos pelo facto de estarem inseridos numa determinada instituição, neste caso caracterizada por uma estrutura de hierarquia, de comando e de disciplina, como é a das Forças Armadas; Se há que admitir que os valores de hierarquia, de co- mando e de disciplina «constituirão limites ao exercício de determinados direitos por parte dos referidos cida- dãos — desde logo os elencados no artigo 270.º da Cons- tituição —, também é verdade que a Constituição é clara ao afirmar que a definição legal de eventuais restrições concretas ao exercício de direitos por parte dos militares tem de ser feita ‘na estrita medida das exigências próprias das respetivas funções’. Não é manifestamente o caso do direito individual e privado de queixa ao Provedor de Justiça de que beneficiam todos os cidadãos»; Estando em causa uma restrição ao direito de queixa ao Provedor de Justiça, torna -se imprescindível verificar se a restrição em análise passa o teste do artigo 18.º, n. os 2 e 3, da CRP; Antes de tudo, ela não encontra arrimo no artigo 270.º da Constituição, que consagra um elenco taxativo de direitos cujo exercício por parte designadamente dos militares é suscetível de ser objeto de eventuais restrições, a regular por lei, e que não abarca o direito de queixa ao Provedor de Justiça.

    Pelo que a restrição decorrente da imposição do esgotamento dos recursos hierárquicos para a apresentação de queixa ao Provedor de Justiça por parte dos militares não é expressamente autorizada pela Lei Fundamental.

    Deste modo, a análise da sua eventual admissibilidade passará pela verificação da necessidade de conjugação do direito fundamental de queixa ao Provedor de Justiça com eventuais princípios, objetivos ou valores constitu- cionais que com aquele possam contender, com vista à sua harmonização; Partindo do pressuposto de que a restrição em causa foi estabelecida pelo legislador ordinário para permitir a compatibilização de diferentes bens com relevância cons- titucional — por um lado, o direito fundamental de queixa ao Provedor de Justiça, por outro o princípio constitucional relacionado com o...

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