Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2012, de 21 de Maio de 2012

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2012 Processo n.º 667/08.1GAPTL.G1 -A.S1 Recurso n.º 38 553/11 Fixação de jurisprudência Acordam no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: O Ministério Público, representado pela Ex. ma Procuradora- -Geral -Adjunta junto do Tribunal da Relação de Guima- rães, interpôs recurso extraordinário para fixação de juris- prudência do acórdão proferido naquela Relação em 3 de Maio de 2011, no âmbito do processo n.º 667/08.1GAPTL. G1, que decidiu ter o Ministério Público de apresentar, quando utilize o prazo a que se faz referência no n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, declaração onde manifeste essa intenção, não podendo ser convidado a apresentá -la.

Em sentido oposto indicou o acórdão da Relação de Évora prolatado em 16 de Outubro de 2007, que deci- diu que, em processo penal, o Ministério Público pode praticar acto processual nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, ao abrigo do disposto no artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, sem pagar multa ou emitir declaração no sentido de pretender praticar o acto naquele prazo.

Em conferência concluiu -se pela admissibilidade do recurso, face à oposição de soluções relativamente à mesma questão de direito no domínio da mesma legislação, tendo- -se ordenado o seu prosseguimento.

A Ex. ma Procuradora -Geral -Adjunta nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões ( 1 ): 1 — O Ministério Público, paulatinamente libertado e autonomizado face ao poder executivo, foi evoluindo para órgão autónomo de administração da justiça, unicamente subordinado aos fins da descoberta da verdade material e da realização da justiça, «daqui decorrendo a exigência de que, em todas as suas intervenções no processo penal, obedeça a critérios de estrita objectividade jurídica», pas- sando mais tarde a gozar da exigência constitucional de autonomia, caracterizada «pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade, e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas na lei». 2 — A atribuição constitucional de funções ao Ministé- rio Público revela não só que na orgânica constitucional do Estado é ao Ministério Público que compete o seu exercí- cio, mas também «que esse exercício há -de processar -se de acordo com as notas que constitucionalmente devem presi- dir à actuação do Ministério Público, a saber, da legalidade e da estrita objectividade (a incluir a imparcialidade)». 3 — O exercício da acção penal, em harmonia com as condições previstas no Estatuto do Ministério Público, é garantia de uma intervenção unicamente movida por critérios de legalidade, com total autonomia institucional, desligada dos específicos interesses, seja do arguido, seja da vítima, e despojada de interesses próprios, constituindo assim «pilar» das garantias fundamentais do nosso sistema processual penal. 4 — Os princípios constitucionais da autonomia, da independência, da legalidade e da estrutura acusatória do processo constituem alicerce do estatuto de intervenção do Ministério Público, perspectivado no Código de Processo Penal de 1987 como um sujeito do processo, com a função de «colaborar com o Tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as interven- ções a critérios de estrita objectividade», incumbindo -lhe assim, e em especial, nomeadamente, interpor recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa, partilhando pois, com o Tribunal, da incondicional intenção de verdade e de justiça e obedecendo a critérios de estrita legalidade e de objectividade. 5 — A Constituição acolheu o paradigma de Minis- tério Público como um órgão de justiça, independente e autónomo, seja em relação ao poder executivo, seja rela- tivamente ao poder judicial, erguido assim à categoria de magistratura. 6 — O Ministério Público não é um órgão jurisdicional, mas «são judiciais as suas atribuições, isto é, realizam -se segundo princípios, fins, objecto, organização e estatuto próprios do poder judicial». 7 — Considerando a natureza, funções e estatuto, a lei estabeleceu um tratamento diferenciado do Ministério Público, face a outros sujeitos do processo, em diversos aspectos incluindo o que respeita ao pagamento de mul- tas processuais, estatuindo o artigo 522.º do Código de Processo Penal que o Ministério Público está isento de custas e multas. 8 — No sentido da prossecução da boa administração da justiça — que exige sempre a conciliação de dois interes- ses: o da maior participação possível dos diversos sujeitos processuais na conformação da decisão e o da prolação desta em tempo útil — a lei fixa prazos peremptórios para a prática de actos, cujo decurso implica a extinção do direito à sua prática, salvaguardando, porém, a possibilidade de o acto ser ainda praticado fora do respectivo prazo em casos de justo impedimento, cujos fundamentos expressamente indica. 9 — Em virtude da possibilidade de ocorrência de cir- cunstâncias que, embora não integrando justo impedi- mento, justificam também, pelos referidos interesses em causa, a admissibilidade do acto, desde que praticado agora em curto prazo, a lei estabelece ainda a possibilidade de o acto poder ser validamente praticado dentro dos três pri- meiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo. 10 — Considerando, porém, os interesses da celeridade e da disciplina processual, impõe a lei que a validade do acto, praticado no referido prazo de três dias, fique depen- dente do pagamento imediato de uma multa, cujo montante é ainda agravado consoante o acto seja praticado no 2.º ou no 3.º dia, embora o Juiz possa determinar a redução ou dis- pensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado. 11 — É o que expressamente preceitua o artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, na redacção introdu- zida pelo Decreto -Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.

O mesmo artigo impõe, nos n. os 6 e 7, a obrigação de a secretaria notificar o interessado para pagar multa, sempre que o acto tenha sido praticado em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida. 12 — Tendo em conta as funções do Ministério Público no processo penal, com o inerente dever de defesa da le- galidade e procura objectiva e imparcial de concorrer para a realização da justiça, esta faculdade da prática do acto nos três dias subsequentes ao termo de prazo peremptório não poderia deixar de abranger os actos praticados pelo Ministério Público, uma vez que, também relativamente a ele, podem ocorrer circunstâncias que imponham justifi- cadamente o seu uso, no interesse da justiça, independen- temente da verificação de justo impedimento. 13 — Contudo, por força da sua natureza de órgão da administração da justiça penal, a lei, compreensivelmente, isenta -o genericamente de quaisquer custas ou multas. É o que resulta expressamente da letra da lei — artigos 107.º, n.º 5, e 522.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e ar- tigo 145.º, n. os 5 a 7, do Código de Processo Civil. 14 — Letra da lei que não comporta outro sentido, no- meadamente o da exigência de acrescer, para o Ministério Público, o dever de, sob pena de preclusão do acto, for- mular também uma qualquer declaração dentro do aludido prazo de três dias. 15 — Aliás, também não poderia considerar -se que essa exigência resultava do espírito da lei, na consideração do sistema jurídico global em que avulta a natureza do Ministério Público como órgão de justiça. 16 — Tão -pouco ocorre qualquer lacuna, pois que a imposição de tal obrigação não corresponde a qualquer exigência de compleição do sistema no sentido de preen- chimento de uma falta de previsão.

Efectivamente, 17 — Não resulta do sistema, tal como o descrevemos e interpretámos, qualquer posição de desigualdade de ar- mas ou de falta de equidade, quando o Ministério Público é isento de custas e multas, atento o que acima se referiu sobre o seu estatuto, a qualidade de órgão de justiça e a natureza de interesse público dos correspondentes deveres e direitos.

Tudo circunstâncias que bem justificam aquela isenção, não podendo esta de forma alguma considerar -se «infundamentada, desrazoável ou arbitrária» ou «subs- tancialmente discriminatória à luz das finalidades do pro- cesso penal», como seria necessário para que pudessem considerar -se ofendidos os referidos princípios de igual- dade de armas e da exigência de um processo equitativo. 18 — A utilização pelo Ministério Público da faculdade prevista no artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Ci- vil, aplicável por força da norma do artigo 107.º, n.º 5, tão -pouco poderá justificar o afastamento dessa regra de isenção. 19 — Não pode ser fundamento para a imposição de uma obrigação de declaração de utilização da faculdade, como contraponto «simbólico» da multa aplicada a outros intervenientes.

Seria esquecer que o Ministério Público não é «parte», antes órgão de justiça, constituindo uma Magistratura autónoma, com um exigente estatuto cor- respondente, imbuído do interesse público dominante que fundamenta a sua intervenção. 20 — Embora seja seu dever utilizar aquela faculdade apenas nos casos em que os interesses públicos da justiça o imponham, nunca seria aquela declaração que legitima- ria a sua intervenção e menos ainda justificaria que a sua inexistência implicasse, sem mais, a preclusão do direito de recorrer.

Não sendo despiciendo recordar que entre os seus deveres se integra o de recorrer no interesse da defesa, se as exigências de justiça o aconselharem. 21 — Nem, salvo o devido respeito, seria justificado concluir pela exigência da referida declaração a partir da interpretação da norma do artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, por força do artigo 107.º, n.º 5, em harmo- nia com a Constituição, pois que — considerando a natu- reza, específico estatuto e funções do Ministério Público e os seus correspondentes...

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