Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2011, de 17 de Maio de 2011

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2011 Revista n.º 1839/06.9TBMTS.P1.S1 (Julgamento ampliado de revista) Acordam no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça: Relatório. — EP — Estradas de Portugal, E. P. E., devidamente identificada nos autos, requereu a expro- priação litigiosa urgente por utilidade pública da parcela n.º 42, terreno com área de 3616 m 2 , e que corresponde ao prédio rústico, sito no lugar de Recarei de Baixo, fre- guesia de Leça do Balio, concelho de Matosinhos, des- crito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o n.º 01651/170297, inscrito na matriz predial sob o artigo 53.º, tudo contra o pagamento da indemnização de € 270 300, atribuída por decisão arbitral às expropriadas Maria Aldina Pereira da Silva Moutinho, casada com Carlos da Silva Moutinho, e Maria Arminda Pereira da Silva, todos com os sinais dos autos.

A utilidade pública e urgência foram declaradas por despacho do Secretário das Obras Públicas, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 31 de Agosto de 2004. Da decisão arbitral recorreram os expropriados e expro- priante e, admitidos ambos os recursos, procedeu -se à avaliação, sendo junto um laudo subscrito e apresentado por todos os peritos, no qual apresentam unanimidade de opiniões quanto à caracterização da parcela e valor da indemnização da benfeitoria que fixaram em € 2118,75. Divergiram quanto à classificação do solo e, consequen- temente, quanto à valoração do terreno em causa.

Quanto à classificação do solo, os peritos nomeados pelo tribunal e os designados pelos expropriados foram de opinião de que o solo se deveria classificar como «solo apto para construção», defendendo que, segundo tal critério, a indemnização deveria ser fixada em € 304 286,40, pelo que, somando tal valor ao da indemnização devida pela benfei- toria, o resultado seria o da quantia global de € 306 405,15. O perito da expropriante pronunciou -se no sentido de a classificação ser de «solo apto para outros fins», arbitrando- -lhe uma indemnização de € 104 140,80, que adicionada à da benfeitoria, constituiria um total de € 106 259,55. Após a tramitação legal, foi proferida sentença, da qual foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, tendo este tribunal anulado a sentença recorrida e deter- minado que fossem colhidos mais elementos em sede de peritagem, o que foi cumprido, tendo sido apresentados novos laudos, continuando os peritos a divergir quanto à classificação do solo e, quanto ao mais, verificou -se uma precisão no sentido de que apenas cerca de 75 m 2 de terreno da parcela não estão em zona RAN e REN, situando -se esse terreno com a área indicada na extrema sul/poente da parcela (na parte mais afastada da Rua da Mainça) e situam- -se em zona «zona urbana -urbanizável, mais concretamente em «área predominantemente de serviços». Assim, cerca de 3541 m 2 estão em «zona de salvaguarda estrita», dos quais a totalidade está em RAN e cerca de 2461 m 2 estão simultaneamente em RAN e REN. Em face dos novos elementos colhidos e dos novos laudos apresentados, expropriante e expropriados apresen- taram alegações, tendo sido proferida sentença, onde se negou provimento ao recurso da expropriante e se conce- deu parcial provimento ao recurso interposto pelos expro- priados e, em consequência, fixou -se em € 306 405,15 a indemnização a atribuir aos recorrentes expropriados, valor esse a ser actualizado desde a data da declaração pública e corrigido em função dos índices dos preços no consumidor.

Da referida sentença, apelou a expropriante para a Rela- ção do Porto, tendo este tribunal superior julgado procedente o referido recurso e, em conformidade, revogado a sentença recorrida e fixado em € 106 259,55 a indemnização a pagar pela expropriante aos expropriados, indemnização essa a actualizar nos termos antes decididos em 1.ª instância.

Foi a vez de os expropriados recorrerem para este supremo tribunal, com fundamento em oposição de acór- dãos, pedindo que o mesmo prosseguisse para julgamento ampliado da revista, nos termos dos artigos 678.º, n.º 4, e 732.º -A do CPC, ambos na redacção anterior à introdu- zida pelo Decreto -Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto, que é a aplicável aos presentes autos e onde pedem que, além de ser dado provimento ao recurso, seja uniformizada a jurisprudência nos seguintes termos: «Para efeitos de indemnização por expropriação, a verificação de qualquer das circunstâncias previstas nas alíneas

  1. a

  2. do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações determina, necessária e automaticamente, a classificação do solo como apto para construção, ainda que, por lei ou regulamento, designadamente um plano urbanístico, não esteja destinado a esse fim.» Para tanto, rematam as suas alegações com as seguintes: Conclusões: 1 — A questão controvertida é a da classificação, para efeitos de cálculo da indemnização por expropriação, de uma área de terreno da parcela expropriada que, no PDM, está inserida em área RAN, encontrando -se inserida em núcleo urbano e sendo servida de todas as infra -estruturas urbanísticas e, como tal, adequadas a servir edificações. 2 — Está em causa a interpretação do artigo 25.º, n. os 2 e 3, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto- -Lei n.º 168/99 de 18 de Setembro. 3 — É evidente a oposição de acórdãos sobre a mesma questão jurídica e dentro do mesmo quadro factual. 4 — Não é desejável, tanto mais quanto as partes e os fac- tos são os mesmos, esta disparidade de soluções jurídicas, devendo, quanto antes, ser firmada jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, por ser o que faz a mais correcta interpretação do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropria- ções, em obediência ao disposto no artigo 9.º do Código Civil. 5 — Para efeitos do cálculo da indemnização para expropriação, a definição de solo apto para construção assenta, já desde o Código de 91, nos elementos certos e objectivos enunciados no n.º 2 do artigo 25.º do CE que espelham essa aptidão construtiva. 6 — Pelo que basta a verificação de um deles para se estar perante um solo classificado como apto para constru- ção, para efeitos de cálculo da indemnização para expro- priação, independentemente da sua inserção em RAN ou do constante de plano urbanístico em vigor. 7 — Na vigência do Código de 91, apenas por força do n.º 5 do artigo 24.º era excluído da classificação como solo apto para construção a que o n.º 2 levaria, aquele solo que, por lei ou regulamento, não pudesse ser utilizado na construção. 8 — Dada a eliminação da regra constante do n.º 5 do artigo 24.º do Código revogado, para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo continua a ser apto para a construção, ainda que, por lei ou por regulamento, designadamente um plano urbanístico vinculativo, não esteja destinado a esse fim. 9 — Se o legislador de 99 tivesse pretendido continuar a equiparar a solo apto para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não permite a construção, como defende o acórdão recorrido, tê -lo -ia feito facilmente, mantendo aquele n.º 5 do antigo artigo 24.º, que obrigava a essa equiparação. 10 — Não o fez, numa clara opção legislativa. 11 — Defende o acórdão recorrido, em última análise, uma interpretação do artigo 25.º do CE que, bem vistas as coisas, nega que o legislador tenha sabido exprimir o seu pensamento adequadamente, em violação grosseira do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil. 12 — Se o pensamento do legislador fosse o de que as situações enunciadas no n.º 2 do artigo 25.º são o mínimo exigível para que possa afirmar -se a existência de uma efectiva e real potencialidade edificativa, havendo outras situações que, não obstante, tal potencialidade edificativa não existe na realidade, como explica o acórdão recorrido, então concerteza que o teria sabido exprimir, nomeada- mente mantendo o n.º 5 do revogado artigo 24.º — que ressalvava precisamente essa situação. 13 — Da conjugação de todos os factores hermenêuti- cos, do gramatical ao sistémico, passando pelo histórico e teleológico, resulta de forma evidente e clara que se tem necessariamente de classificar como «solo apto para construção» — para efeitos de fixação da indemnização por expropriação — aquele que cumpre, objectivamente, um dos quatro requisitos das alíneas do n.º 2 do artigo 25.º, preceito muito claro na sua formulação de enunciação alternativa dos requisitos daquela classificação. 14 — A essa conclusão leva também a interpretação «a contrario» do n.º 3 do preceito, que prevê que, para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo ape- nas se classifica como «solo apto para outros fins» quando não se encontra em nenhuma das situações previstas no número anterior. 15 — O sentido propugnado pelo acórdão recorrido não tem qualquer ressonância nas palavras da lei, na for- mulação da norma. 16 — Tal como refere o acórdão fundamento, o legisla- dor visou eliminar uma condicionante injusta na fixação da justa indemnização, que conduzia a situações de acentuadas desigualdades, pois não é pelo simples facto de um terreno se incluir em RAN que, por si só, já não pode ser valorizado como terreno apto para construção, para efeitos de cálculo do valor da indemnização por expropriação. 17 — Acresce que é manifestamente sem fundamento fáctico que o acórdão recorrido afirma que o valor do bem apurado com base na classificação do «solo como apto para construção» não corresponde ao valor real e corrente, pois não tem o mínimo apoio na perícia maioritária, onde, pelo contrário, os peritos do tribunal afirmaram, em referên- cia ao valor por metro quadrado apurado com base nessa classificação, que «é o montante que os peritos signatários entendem corresponder ao valor real e corrente.» 18 — Hoje já não colhem quaisquer considerações no sentido de se buscar uma efectiva potencialidade edifica- tiva, como faz o acórdão recorrido, como se estivéssemos perante um conceito indeterminado, e que teria que ser determinado...

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