Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2011, de 11 de Março de 2011

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2011 Processo n.º 148/07.0TAMBR — Recurso para fixação de jurisprudência Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O assistente, José Mário de Almeida Cardoso, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do Acórdão da Relação do Porto de 17 de Março de 2010, proferido no processo n.º 148/07.0TAMBR, invocando como fundamento o Acórdão do mesmo Tribunal de 10 de Dezembro de 2008, proferido no processo n.º 5791/08, da 1.ª Secção.

Por Acórdão de 7 de Outubro de 2010, o Supremo Tribunal de Justiça, considerando não ocorrer motivo de inadmissibilidade e haver oposição de julgados, ordenou o prosseguimento do recurso.

Foram notificados os sujeitos processuais interessa- dos — o Ministério Público, o assistente e as arguidas —, nos termos e para os efeitos do artigo 442.º, n.º 1, do Có- digo de Processo Penal, tendo sido apresentadas alegações com as seguintes conclusões: Pelo assistente: «1 — A douta decisão de não pronúncia, impugnada no presente recurso, em termos assaz evidentes, foi proferida contra o assistente por julgar extinto um seu direito subjectivo: o direito de queixa. 2 — Essa decisão instrutória teve como exclusivo fundamento o suposto exercício intempestivo pelo as- sistente desse direito, e se o assistente pode recorrer, ainda que desacompanhado do Ministério Público [ar- tigo 69.º, n.º 2, alínea

c), do CPP] das decisões contra ele proferidas [artigo 401.º, n.º 2, alínea

b), do CPP], não consegue vislumbrar -se que decisão lhe possa ser mais desfavorável do que aquela em que (na sua perspectiva erradamente, é certo) julga extinto o seu direito subjec- tivo de queixa, o que só por si, e sem mais elementos ou alegações, salvo o devido respeito, impõe a revogação do douto acórdão recorrido. 3 — É a própria decisão sumária do tribunal a quo (cf. p. 3), confirmada pelo acórdão recorrido, que, citando a melhor doutrina, oferece o critério decisivo para aferir da legitimidade do assistente para interpor recurso: ele pode recorrer de decisões que contrariem posições processuais por ele assumidas. 4 — E é de elementar clareza, salvo o devido res- peito, que uma decisão de não pronúncia que se funda- menta (exclusivamente) no suposto não exercício atem- pado do direito de queixa afecta a posição processual anteriormente assumida pelo assistente no momento em que apresentou essa queixa -crime. 5 — Não pode aceitar -se a tese segundo a qual a não dedução de acusação ou a não adesão à acusação pública diminui os direitos processuais do assistente, pois tal não tem fundamento legal: salvo melhor opinião, não se encontra qualquer dispositivo legal que faça depender a legitimidade e ou interesse em agir do assistente e possibilidade de intervir no processo da prévia dedução de acusação própria ou da adesão à acusação pública. 6 — Nem se compreende, salvo o devido respeito, que plus traria à ponderação do critério decisivo nesta sede — saber se a decisão proferida contraria ou não posição assumida pelo assistente no processo — a cir- cunstância de, tratando -se de crime semipúblico, não ter o assistente acompanhado a acusação do Ministério Público: uma decisão que julgue extinto o seu direito é -lhe sempre prejudicial, quer tenha ou não aderido a essa acusação. 7 — O disposto no artigo 284.º do CPP apenas con- fere ao assistente a faculdade e não a obrigação de deduzir acusação ou de aderir à acusação pública, pelo que o legislador decidiu não sancionar essa possível ‘inércia’ do assistente, na fase de inquérito, com qual- quer limitação dos seus deveres e direitos enquanto sujeito processual. 8 — Acresce que, se o assistente tivesse deduzido acusação, teria que observar o disposto no artigo 284.º, n.º 1, do CPP e, portanto, a acusação que apresentasse não poderia importar alteração substancial dos factos alegados na acusação pública, o que, no caso, e ante o teor da acusação pública, significaria a prática de um acto processual totalmente inútil. 9 — Por outro lado, o douto acórdão recorrido está em radical contradição com jurisprudência anterior do mesmo Venerando Tribunal da Relação do Porto, de- signadamente o Acórdão de 10 de Dezembro de 2008 (Rec.

Penal n.º 5791/08 — 1.ª Secção), que constitui o acórdão fundamento no presente recurso, onde se reconhece legitimidade ao assistente, que não havia deduzido acusação de assistente, aderido à acusação pública ou deduzido pedido cível, para recorrer de uma decisão do tribunal colectivo que absolvera o arguido, num caso em que o recurso do assistente também não estava acompanhado do recurso do Ministério Público. 10 — No acórdão fundamento é dito de forma clara que o legislador ordinário ao reconhecer a posição processual do assistente, enquanto sujeito processual, conferiu -lhe alguma autonomia em relação ao Ministério Público de quem é colaborador, e pergunta que sentido tem vedar ao assistente a possibilidade de recorrer da decisão que absolveu o arguido quando o Ministério Público se conformou com essa decisão ou quando interpôs recurso fora do prazo, se é certo, por exemplo, que a lei atribui ao assistente a faculdade de requerer a abertura de instrução quando o Ministério Público decide arquivar o inquérito (artigo 277.º do CPP) não estando em causa crime particular. 11 — Por maioria de razão, deve, pois, ser reconhe- cida ao assistente legitimidade e interesse em agir para impugnar uma decisão instrutória de não pronúncia que o afecta directamente, por julgar extinto o seu direito de queixa, sob pena de, assim não se entendendo, se fazer letra morta do artigo 69.º, n.º 2, alínea

c), do CPP. 12 — Entendimento semelhante ao do citado aresto pode ver -se no acórdão do TRP de 14 de Novembro de 2007, proferido no processo n.º 0813697, disponível em www.dgsi.pt. 13 — Importa ainda realçar que nenhum dos acór- dãos citados na douta decisão sumária, confirmada pelo acórdão recorrido, é aplicável ao caso vertente, uma vez que em nenhum deles se analisa a questão da legitimi- dade do assistente para interpor recurso nas situações em que a decisão que se impugna julga extinto o seu direito de queixa. 14 — Ao que acresce a circunstância de a jurispru- dência firmada no assento do STJ n.º 8/99, de 30 de Outubro, publicado no Diário da República, 1.ª série -A, de 10 de Agosto de 1999, no sentido de o assistente não ter legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir, não contender com o que aqui se perfilha, porquanto:

  1. está aí em causa uma decisão de condenação e, in casu, trata -se de uma decisão de não pronúncia;

  2. ressalva essa jurisprudência as hipóteses de demonstração de concreto e próprio interesse em agir, e não parece haver maior interesse para o assistente do que controlar por via do recurso um juízo desfavorável sobre o exercício do seu direito de queixa. 15 — A interpretação das normas dos artigos 69.º, n.º 2, alínea

    c), e 401.º, n.º 1, alínea

    b), do CPP no sen- tido de que o assistente não tem legitimidade nem interesse em agir para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, nos casos em que não tenha dedu- zido acusação de assistente ou aderido à acusação pú- blica, de decisão instrutória de não pronúncia que julgou extinto o seu direito de queixa, é inconstitucional por violação dos n.º s 2 e 3 do artigo 18.º da CRP, porquanto:

  3. não visa salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos;

  4. e se traduz numa restrição desproporcional ao direito fundamental à tu- tela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º do mesmo Diploma Básico. 16 — Deve, pois, ser uniformizada a jurisprudência nos seguintes termos: ‘Ao abrigo do disposto nos arti- gos 69.º, n.º 2, alínea

    c), 284.º e 401.º, n.º 1, alínea

    b), do Código de Processo Penal, o assistente tem interesse em agir e legitimidade para, desacompanhado do Ministério Público e mesmo nos casos em que não tenha aderido à acusação pública ou deduzido acusação particular, interpor recurso de decisão processual contra si profe- rida, devendo ser como tal considerada a decisão de não pronúncia que julgou extinto o seu direito de queixa, ou a decisão absolutória, nos casos em que o referido assistente tenha pugnado no processo, ainda que apenas oralmente, pela condenação do arguido’». Pelo Ministério Público: «1 — Entendendo -se que o aresto recorrido deverá ser revogado e que o conflito que se suscita há -de resolver- -se fixando -se jurisprudência no sentido do decidido no aresto fundamento, 2 — Propõe -se, para tal efeito, a seguinte...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT