Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2013, de 08 de Janeiro de 2013

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2013 P.º 146/11.0GCGMR-A.G1-A.S1 Recurso para fixação de jurisprudência * Relator: Souto de Moura O Ministério Público (M.ºP.º) junto do Tribunal da Re- lação de Guimarães veio, ao abrigo do art. 437.° n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP), interpor recurso extraor- dinário de fixação de jurisprudência, para o pleno das sec- ções criminais do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), com o fundamento que muito sinteticamente se passa a referir: No P.º 146/11.OGCGMR-A do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, por sentença de 28/2/2011, o aí arguido foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguês, do art. 292.º n.º 1 do Código Penal (CP), em pena de multa, e bem assim na pena acessória de proibição temporária de conduzir veículos com motor, ao abrigo do art. 69.º, n.º 1 al.

  1. do CP. Com a cobertura do n.º 3 do preceito, o arguido foi notificado “para entregar a sua carta de condução na secretaria deste tribunal, ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência”. O M.º P.º recorreu para o Tribunal da Relação de Gui- marães, o qual, por acórdão de 17/10/2011 da sua Secção Penal, que viria a transitar em julgado a 10/11/2011, enten- deu que na fase do procedimento que ali estava em causa, prevista tanto no art. 69.º n.º 3 do CP, como no art. 500.º n.º 2 e 3 do CPP, não deveria haver lugar à cominação da prática de um crime de desobediência, na sentença con- denatória, já que, da falta de entrega da carta, no prazo prescrito na sentença, não derivaria a prática desse crime.

    E assim, no dispositivo do acórdão decidiu-se “Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, declarar-se ineficaz o teor da adver- tência – na parte em que refere: “(…) sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência (…)”– que consta da parte final do dispositivo da decisão recorrida, com as legais consequências, revogando-se apenas quanto a tal, a decisão.” (acórdão recorrido). Mas no Acórdão de 26/9/2011, proferido no P.º 140/11.0GDGMR-B.G1, também da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, transitado em julgado a 10/10/2011, assumiu-se a posição oposta.

    Na sequência de re- curso do M.º P.º, da sentença do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, que condenou o arguido também pelo crime do art. 292.º n.º 1 do CP, a Relação entendeu que a falta de entrega da carta de condução, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória, fez o condenado incorrer num crime de desobediência.

    Assim, negou provi- mento ao recurso confirmando a decisão recorrida, e decidiu que “assiste ao tribunal que condenou o arguido na pena aces- sória de proibição de condução de veículos motorizados por determinado período, legitimidade substancial para, na sen- tença condenatória, adverti-lo de que, se não proceder à entrega do seu título de condução, no prazo e termo fixados, incorrerá na prática do crime de desobediência” (acórdão fundamento). A - O RECURSO O M.º P.º junto do Tribunal da Relação de Guimarães considerou haver oposição de julgados quanto à mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação.

    Sendo o recurso obrigatório para o M.º P.º, à luz do art. 437.º n.º 5 do CPP, daí tê-lo interposto.

    Embora com dúvidas, o Exm.º Procurador-Geral Ad- junto junto do Tribunal da Relação de Guimarães tomou posição no sentido do acórdão fundamento, ou seja, a favor da ocorrência do crime de desobediência no con- dicionalismo apontado.

    Portanto, contra a tese perfilhada pelo acórdão recorrido, que recusou a prática desse crime na fase em questão, e considerou, como consequência, “ineficaz” e “inoperante” a cominação constante da sen- tença, que acompanhou a injunção para entrega do título de condução.

    As conclusões do recurso foram: “1. O acórdão recorrido entende que a cominação de prática de crime de desobediência em caso de não entrega da licença de condução no prazo de 10 dias efetuada na sentença recorrida, deve ter-se por ineficaz ou inoperante. 2. Discorda-se desta decisão, embora a questão não seja isenta de dúvidas (por isso mesmo há que fixar com clareza o caminho a seguir), porquanto, em nosso entender, a razão encontra-se do lado dos que defendem a posição expressa no aresto fundamento. 3. Foram violadas, por isso, pelo menos, as dispo- sições do art. 69.°, n.° 3 do CP e 160.° do C. Estrada. 4. Deve, atento o exposto, ser revogado o acórdão recorrido e, porque é manifesto o antagonismo entre ele e o que serve de fundamento a este recurso, tratando a mesma questão jurídica de forma diametralmente oposta, surgir decisão fixadora de jurisprudência no sentido propugnado no aresto fundamento.” Juntaram-se as certidões do acórdão recorrido e do acór- dão fundamento, ambos transitados em julgado, e este primeiro do que aquele.

    O M.º P.º junto do STJ teve vista no processo conforme se prevê no art. 440.º n.º 1 do CPP. Por acórdão de 29/3/2012, transitado em julgado a 19/4/2012, em conferência da 5ª Secção do mesmo Su- premo Tribunal, foi deliberado “existir oposição de jul- gados quanto a uma mesma questão de direito, entre o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Guima- rães de 17/10/2011 proferido nestes autos (acórdão recor- rido), e o decidido a 26/9/2011, no acórdão proferido no P.° 140/11.0GDGMR-B.G1, também do Tribunal da Re- lação de Guimarães (o acórdão fundamento), nos termos do n° 1 do art° 437.° do CPP. Razão pela qual se concede provimento ao recurso, devendo os autos prosseguir os seus termos à luz do art. 44.2° do CPP.” Foram notificados os sujeitos processuais interessados, nos termos e para os efeitos do art. 442.º n.º 1 do CPP, tendo o M.º P.º apresentado alegações, que terminaram com as conclusões que se seguem: “A Questão prévia 1.ª - É questão de natureza processual saber se existe disposi- tivo legal que imponha que na sentença se determine a notificação do condenado (pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário) em pena acessória de proibição temporária de condução para que entregue o título de condução à entidade competente (sob pena de desobediência). 2.ª - A solução de tal questão exige, necessária e pre- viamente, que se defina (i) se a não entrega da “carta” pelo condenado integra um tipo legal de crime; (ii) se a consumação do crime de desobediência (ou outro) de- pende desta cominação (ou de nova notificação), (iii) se a mesma cominação é elemento do tipo ou condição de punibilidade, e, consequentemente, (iiii) qual o momento de consumação do crime. 3.ª - Estas questões não mereceram qualquer pronúncia por parte do acórdão recorrido, sendo que os acórdãos alegadamente em confronto, sem especial fundamentação, partem do princípio (não apreciado, nem demonstrado) que a falta de entrega do título em caso de aplicação da pena acessória constitui crime de desobediência. 4.ª - Não se impondo, no caso, a sua resolução, por não terem sido objeto de pronúncia expressa pelo acórdão recorrido (nem constituíam objeto do recurso que lhe deu origem), decidindo o pleno do STJ em qualquer que seja o sentido, tal decisão não vinculará o juiz no futuro pro- cedimento que vier a julgar o agente (por desobediência ou outro crime) que não entregou a “carta” de condução, após condenação na sanção acessória, ou seja, não reveste qualquer efeito útil para a pretensão enunciada.

    B Sem prejuízo, na hipótese (discutível, embora con- vergente) de que a não entrega da carta integra o crime de desobediência. 1.ª- O regime jurídico aplicável à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor encontra-se previsto no artigo 69.° do Código Penal e no artigo 500.° do Código de Processo Penal: No primeiro, consagra-se essa pena acessória e regulam-se os aspetos relativos ao seu conteúdo e efeitos; no segundo, preveem-se os aspetos relativos ao modo de execução da pena. 2.ª - Sendo o art. 500° CPP uma norma relativa à exe- cução da pena a apreensão aí prevista visa alcançar o cumprimento da pena (a que o arguido se furtou). 3.ª - Porém, é o CE, no Título VII - Procedimentos de Fiscalização, Capítulo II, (“apreensões”) que estabelece os fundamentos da apreensão dos títulos de condução e correspondente procedimento. que os títulos de condução «devem ser apreendidos para cumprimento da cassação do título, proibição ou inibição de conduzir». 6.ª - E o n.° 3 do mesmo preceito determina expressa- mente que, nas situações em que haja lugar à apreensão, o condutor é notificado para entregar o título de condução à entidade competente, sob pena de crime de desobediência, bem como que, nos casos do n° 1, tal notificação é efetuada com a notificação da decisão. 7.ª - A denominação “inibição de conduzir” corresponde à sanção acessória aplicada no âmbito do direito con- traordenacional, prevista no art. 147.° do CE, ao passo que, no direito penal (art. 69.° do CP), a pena acessória é designada por “proibição de conduzir”. 8.ª - Sendo estas duas designações perfeitamente di- ferenciadas e delimitadas na lei, ter-se-á que concluir que, quando o legislador as enumerou nos n° s 1 e 3 do art....

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