Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2012, de 17 de Julho de 2012

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2012 Revista n.º 2493.05.0TBBCL.G1.S1 Acordam no Pleno das Secções Cíveis deste Supremo Tribunal de Justiça: I — António Sérgio Barbosa Azevedo e Maria de Fá- tima Pinheiro Cibrão Azevedo demandaram Alberto da Costa Pereira e Maria Henriqueta Barbosa Azevedo Pereira e Manuel Barbosa Rodrigues e Maria José de Azevedo Rodrigues pedindo a condenação dos primeiros e dos se- gundos Réus no pagamento, uns e outros, da quantia de € 43 904,61, com juros de mora desde a citação.

Alegaram que, em 17 de Abril de 1989, a sociedade Robape -Malhas, L. da , subscreveu, a favor do Banco Na- cional Ultramarino, S. A., uma livrança no montante de PTE 48 000 000$00 (€ 239 422,99), com vencimento em 16 de Outubro de 1995, em cujo verso foi aposto o aval por cada um dos Autores e dos Réus.

Por não ter sido paga a livrança na data do seu venci- mento, o credor interpôs contra todos os avalistas a acção executiva, no âmbito da qual os ora Autores, na sua qua- lidade de avalistas, procederam ao pagamento da quantia global de € 117 601,65, envolvendo a quantia exequenda e custas judiciais, montante que, actualizado de acordo com o coeficiente de desvalorização da moeda de 1,12, representaria na data da instauração da presente acção o valor de € 131 713,85. Pretendem através da presente acção exercer o direito de regresso relativamente aos primeiros e aos segundos Réus.

Os Réus Manuel Rodrigues e Maria José Rodrigues foram citados por éditos e não contestaram, ainda que posteriormente tenham constituído mandatário judicial.

Os Réus Alberto Pereira e Maria Henriqueta Pereira contestaram e, para além da excepção de prescrição, ale- garam que não existe direito de regresso entre avalistas do mesmo avalizado.

Invocaram ainda que, em 4 de Fevereiro de 1992, já depois da prestação do aval, a quota de que o Réu Alberto Pereira era titular no capital social da sociedade subscritora da livrança foi cedida ao Autor António Azevedo e ao Réu Manuel Rodrigues, tendo ficado clausulado na escritura pública de divisão e de cessão de quota que os cessioná- rios assumiam «toda a situação económica da sociedade, designadamente quaisquer compromissos sociais, créditos e débitos, mesmo que vencidos e não pagos», renunciando, assim, ao eventual exercício do direito de regresso contra os Réus contestantes.

Na réplica os Autores contrapuseram que a aludida cláusula inserida na escritura pública não se referia espe- cificamente à livrança a que estes autos se reportam, não interferindo, por isso, no direito de regresso que pretendem exercer.

No despacho saneador, para além de ter sido julgada improcedente a excepção de prescrição, foi julgada im- procedente a acção, considerando -se que o direito de regresso entre avalistas do mesmo avalizado dependia de convenção extracartular, a qual nem sequer teria sido alegada.

Apelaram os Autores, mas a sentença foi confirmada pela Relação com idênticos fundamentos.

Os Autores interpuseram recurso de revista concluindo essencialmente que:

  1. Tratando -se de uma situação comum de responsa- bilidade solidária dos devedores pelo pagamento de uma dívida declarada por sentença judicial, a situação sub ju- dice deve ser julgada exactamente nos termos que vêm definidos, entre outros, no Acórdão do STJ, de 7 de Julho de 1999, CJSTJ, t.

    III , p. 14;

  2. Regime que se retira do que vem estabelecido no artigo 47.º da LULL, aplicando -se, quanto aos devedores solidários da livrança, como seus avalistas, as normas do direito comum, designadamente as estabelecidas nos artigos 512.º, 516.º e 524.º do Código Civil;

  3. Na esteira deste entendimento, foi proferida neste processo a decisão que deu procedência ao procedimento cautelar de arresto dos bens dos recorridos Manuel Barbosa Rodrigues, só não se determinando o mesmo relativamente aos recorridos Alberto Costa Pereira e mulher por não se mostrar ainda, então, levantados os efeitos da sua falência, sendo manifesto que tal decisão, dentro do mesmo processo, é manifestamente contraditória com a que agora se impugna;

  4. A decisão recorrida, além de indevidamente funda- mentada no plano legal, revela -se substancialmente injusta, penalizando o devedor solidário que decidiu cumprir as suas obrigações inerentes ao aval à livrança e acabando por premiar os devedores que tudo fizeram para se eximirem a igual obrigação, para além de originar desnecessariamente insegurança e incerteza no tratamento legal de situações tão comuns e tão frequentes da vida quotidiana dos cidadãos.

  5. O acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 46.º, alínea

    c), do CPC, 32.º e 47.º da LULL, 308.º do Código Comercial, e 473.º, 512.º, 516.º, 524.º e 650.º do Código Civil.

    Não houve contra -alegações.

    Considerando a divergência jurisprudencial neste Su- premo Tribunal de Justiça relativamente ao regime jurídico do direito de regresso entre avalistas do mesmo avali- zado, por proposta do ora Relator, foi determinado pelo Ex. mo Presidente o julgamento ampliado da revista, nos termos dos artigos 732.º -A e 732.º -B do CPC. Ao abrigo do disposto no artigo 732.º -B, n.º 1, do CPC, o Ex. mo Procurador -Geral -Adjunto emitiu Parecer sobre a referida questão, formulando a seguinte conclusão: «No caso de pluralidade de avales prestados por honra do mesmo interveniente cambiário, o avalista que pagou apenas extracambiariamente pode accionar o seu direito de regresso contra os demais avalistas.» Foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre decidir.

    II — Decidindo: 1 — Delimitação do objecto do recurso: Os Autores e os Réus prestaram aval numa livrança subscrita pela sociedade Robape -Malhas, L. da Não tendo esta efectuado integralmente o pagamento da quantia na mesma inscrita, o credor interpôs acção executiva contra todos os avalistas para cobrança do montante ainda em dívida e juros de mora, pretensão que foi satisfeita unica- mente pelos ora Autores.

    Verificou -se, porém, que, entre a data em que foram prestados os avales e aquela em que foi efectuado o paga- mento do remanescente da livrança, o sócio (e avalista) Alberto Pereira cedeu a sua quota no capital social da sociedade subscritora aos outros dois sócios (e também avalistas), entre os quais o ora Autor.

    Suscitam -se no presente recurso de revista duas questões essenciais:

  6. Primeira: os avalistas do mesmo avalizado que cum- priram a obrigação cambiária têm direito de regresso em relação aos demais avalistas nos termos previstos para as obrigações solidárias ou tal direito depende de convenção entre eles acordada?

  7. Segunda: o teor da escritura pública de cessão da quota social de um dos avalistas aos outros avalistas da mesma sociedade consignando que «os cessionários as- sumirão, a partir desta data, toda a situação económica da sociedade, designadamente quaisquer compromissos sociais, créditos e débitos, mesmo que vencidos e não pa- gos», interfere no concreto exercício do direito de regresso? 2 — Quanto à divergência jurisprudencial: 2.1 — O aval, designadamente quando prestado ao subs- critor de uma livrança, constitui um negócio cambiário cujo regime jurídico emerge da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (doravante L. U.), maxime dos seus artigos 30.º a 32.º e 46.º, ex vi artigo 78.º É uniforme o entendimento, extraído quer da jurispru- dência deste Supremo Tribunal, quer da generalidade da doutrina, que a L. U. limita -se a regular a responsabilidade do avalista perante os credores cambiários e o exercício do seu direito de reembolso contra o respectivo avalizado ou contra os demais obrigados na cadeia de responsáveis cambiários, nada prevendo quanto ao eventual exercício do direito de regresso entre os diversos avalistas do mesmo avalizado.

    Daí que tenham surgido duas respostas antagónicas:

  8. Uma que admite o direito de regresso em termos análogos ao que está previsto no artigo 650.º do Código Civil para a pluralidade de fiadores;

  9. Outra que faz depender a existência e conteúdo desse direito de convenção extracambiária acordada entre os avalistas.

    Dito de outro modo: pressuposta a ausência de relações cambiárias entre avalistas do mesmo avalizado reguladas pela L. U., admitem uns, como regra, o direito de regresso, sem prejuízo de estipulação em contrário, enquanto para outros a existência e conteúdo desse direito dependem de convenção extracartular. 2.2 — A primeira tese encontrou eco no Acórdão do STJ, de 16 de Março de 1956, BMJ 55.º, p. 299 (depois de ter sido desenvolvida no Acórdão da Relação de Lisboa, de 22 de Abril de 1953, BMJ 43.º, p. 536, relatado por Lopes Cardoso), tendo sido retomada designadamente nos Acórdãos do STJ, de 7 de Julho de 1999, CJSTJ, t.

    III , p. 14, de 24 de Outubro de 2002 (Silva Salazar, CJSTJ, t.

    III , p. 121, e www.dgsi.pt), de 15 de Novembro de 2007 (Maria dos Prazeres Beleza, www.dgsi.pt) e de 13 de Julho de 2010 (Hélder Roque, www.dgsi.pt) ( 1 ). Na doutrina nacional, essa era a solução defendida por Gonçalves Dias, em Da Letra e da Livrança, vol.

    VII , p. 589. Mais recentemente, foi assumida por Romano Martinez, em Garantias de Cumprimento, 5.ª ed., p. 123, e por Me- nezes Leitão, em Garantias das Obrigações, 3.ª ed., p. 134, defendendo Cassiano dos Santos, em Direito Comercial Português, vol.

    I , pp. 265 a 267, e Carolina Cunha, em Letras e Livranças — Paradigmas Actuais e Recompreen- são do Regime, pp. 304 e segs., a aplicabilidade directa das normas dos artigos 524.º e 516.º do Código Civil.

    A segunda tese aflorou no Acórdão do STJ, de 25 de Julho de 1978, BMJ 279.º/214, e ressurgiu nomeadamente nos Acórdãos do STJ, de 27 de Outubro de 2009 (Azevedo Ramos, www.dgsi.pt), de 25 de Março de 2010 (Pereira da Silva, com dois votos de vencido, www.dgsi.pt), de 20 de Maio de 2010 (Álvaro Rodrigues, www.dgsi.pt) e de 23 de Novembro de 2010 (Fonseca Ramos, www.dgsi.pt). É a solução defendida por Pais de Vasconcelos em «Plu- ralidade de avales de um mesmo avalizado e ‘regresso’ do avalista que pagou sobre...

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