Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2012, de 10 de Dezembro de 2012

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2012 Processo n.º 245/07.2GGLSB.L1 -A.S1 — 3.ª Secção Rel.: Eduardo Maia Costa.

Acorda o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I — Relatório O Ministério Público interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, ao abrigo do artigo 437.º do Código de Processo Penal (CPP) ( 1 ), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4.5.2011, proferido no processo principal e certificado a fls. 17 -23, por se encon- trar em oposição sobre a mesma questão de direito com o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 24.10.2007, proferido no processo n.º 3486/07 (cópia a fls. 30 -35). Por acórdão de 16.11.2011 (fls. 37 -45), foi decidido verificarem -se todos os pressupostos de admissibilidade do recurso, incluindo a oposição de julgados, ordenando -se o prosseguimento do recurso.

A questão decidenda foi assim caracterizada: notificado o arguido da data da audiência de julgamento por forma regular (via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no termo de identidade e residência), fal- tando ele à audiência sem justificar a falta, e considerando o tribunal não ser a presença do arguido indispensável à descoberta da verdade material, poderá o tribunal iniciar o julgamento e condenar o arguido na sua ausência, sem previamente tomar as medidas necessárias para assegurar a comparência do mesmo arguido? Notificados o Ministério Público e o arguido Rui Ma- nuel Belezas Antunes, nos termos do artigo 442.º do CPP, apenas o primeiro apresentou alegações.

São as seguintes as conclusões dessas alegações: «1 — Enquanto sujeito do processo, o arguido é titular de vários direitos fundamentais: de audiência, elemento constitutivo do direito de defesa, de presença, de assistência de defensor e de impugnação das decisões, emanações do referido direito de defesa. 2 — O estatuto do arguido integra direitos consa- grados no artigo 61.º e a partir da sua constituição de arguido, prevista também no referido artigo, salvaguarda- -se, desde logo, a efetividade dos respectivos direitos, concedendo -se assim a possibilidade real de o arguido poder codeterminar a decisão final. 3 — Mas o estatuto do arguido é também integrador de deveres, igualmente previstos no referido artigo 61.º, de que se salientam os de colaboração, nomeadamente, com o Tribunal, devendo por isso comparecer sempre que lhe seja determinado. 4 — A tomada de declarações ao arguido em audiên- cia de julgamento, visa, por um lado, e no respeito da mais ampla contraditoriedade possível, permitir -lhe um pleno exercício do direito de defesa, e, por outro, contribuir para o esclarecimento da verdade material. 5 — Os direitos fundamentais do arguido são me- recedores de tutela constitucional, devendo o processo criminal, nos termos da norma do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, assegurar todas as garantias de defesa.

Estabelece- -se no seu n.º 6, aditado com a 4.ª revisão constitucional, ser a lei a definir ‘os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento’. 6 — Embora o Código de Processo Penal de 1929 de- terminasse, no corpo do artigo 418.º, a obrigatoriedade da presença do arguido em audiência de julgamento, contudo admitia, nos seus §§ 1.º, 2.º e 3.º, o julgamento à revelia. 7 — O Código de Processo Penal de 1987 não manteve a forma de processo especial de ausentes, procurando- -se, sempre que é obrigatória a presença do arguido em audiência de julgamento, desincentivar as faltas injus- tificadas do arguido, recorrendo à imposição de penas processuais, à sua detenção ou mesmo prisão preventiva, e ao instituto da contumácia. 8 — No artigo 332.º, sob a epígrafe ‘Presença do arguido’, afirmava -se a obrigatoriedade da sua presença em audiência, sem prejuízo do disposto no artigo 334.º, n. os 1 e 2, que, por seu lado, sob a epígrafe ‘Audiência na ausência do arguido’, previa dois tipos de situações, a saber: No seu n.º 1, os casos em que coubesse processo sumaríssimo, mas em que o procedimento tivesse sido enviado para a forma comum, e o arguido faltasse injus- tificadamente à audiência de julgamento ou não tivesse sido possível notificá -lo do despacho que designara dia para a realização daquela; No seu n.º 2, as situações de impossibilidade de comparência do arguido, por motivo de idade, doença grave ou residência no estrangeiro, e aquele tivesse requerido ou consentido que a audiência tivesse lugar na sua ausência. 9 — Fora, pois, daqueles dois tipos de hipóteses in- tegradoras do regime previsto no artigo 334.º, a com- parência de arguido na audiência de julgamento era obrigatória. 10 — Para os casos de comparência obrigatória e em que o arguido não comparecesse, nem justificasse a falta no acto, impunha -se a criação de normas que respondessem com eficácia, pondo fim a uma situação, não querida pela lei, de ausência. É o que veio a ser feito com a regulamentação do artigo 333.º 11 — Nos termos deste artigo 333.º, após declara- ção de abertura, se o Presidente do Tribunal tivesse razões para crer que a comparência de arguido (que faltava a audiência de julgamento em que a sua presença era obrigatória), não ocorreria no prazo de cinco dias, cabia então também tomar ‘as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter o comparecimento’, as quais, atenta a norma do n.º 2 do artigo 333.º, que estatuía ser correspondentemente aplicável o disposto no artigo 116.º, n. os 1 e 2, implicavam para o arguido, cuja falta não viesse a ser justificada, a possibilidade de imposição de uma pena processual, condenação numa soma entre duas e dez UC, e ou a sua detenção, pelo tempo necessário à realização da audiência, ou mesmo até a sua prisão preventiva. 12 — Assim, a tomada pelo Presidente do Tribunal de ‘medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter o comparecimento do arguido’ pressupunha sem- pre uma falta injustificada do arguido a uma audiência de julgamento a cuja comparência estava obrigado. 13 — Com a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, no que respeita à regra da obrigatoriedade da presença do arguido em audiência de julgamento — que se re- conheceu então não ser assegurada ‘nem pelo regime das faltas, nem pela declaração de contumácia’, cons- tituindo ‘um dos principais estrangulamentos na praxis dos tribunais, responsável pela frustração de uma justiça tempestiva’ — introduziram -se expressivas alterações, optando -se ‘pelo alargamento dos casos em que é pos- sível a audiência na ausência do arguido (artigo 334.º, n. os 2 e 3) em conformidade com a nova redação do ar- tigo 32.º, n.º 6, da Constituição, após a revisão de 1997’. 14 — Passou a admitir -se que a audiência tivesse lu- gar na ausência do arguido, sempre que tivesse prestado termo de identidade e de residência, ainda que se mos- trasse justificada falta a anterior sessão do julgamento, alterando -se, em consonância, o artigo 196.º, que regu- lava o termo de identidade e de residência, cuja imposi- ção passou a ser obrigatória quando da constituição de arguido, exigindo -se então que, quando da sujeição do arguido ao aludido termo de identidade, fosse informado de que o incumprimento de certos deveres processuais (em síntese, obrigação de comparência e obrigação de não alteração da residência constante do referido termo, sem sua comunicação ao Tribunal), legitimava a sua representação por defensor nos actos a que tivesse o direito ou o dever de estar presente, a notificação edital da data designada para a audiência, e a realização desta na sua ausência, tudo por forma a assim se assegurarem as garantias de defesa do arguido. 15 — Considerando que, apesar das aludidas altera- ções, introduzidas pela referida Lei n.º 59/98, persistiam, ainda, causas de morosidade processual compromete- doras da eficácia do direito penal e que uma das prin- cipais causas dessa morosidade residia nos sucessivos adiamentos das audiências de julgamento, por falta de comparência do arguido, o Decreto -Lei n.º 320 -C/2000, de 15/12, veio criar uma nova modalidade de convo- cação — notificação mediante via postal simples ―, e limitar os casos de adiamento da audiência em virtude da falta de comparência de arguido devidamente notificado, criando a possibilidade de a audiência se iniciar, apesar da ausência daquele. 16 — Assim, após a entrada em vigor das referidas al- terações, introduzidas pelo Decreto -Lei n.º 320 -C/2000, e que são mantidas na actual versão do Código de Pro- cesso Penal, decorrente da Lei n.º 48/2007, de 29/08, o regime da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento é, em síntese, o seguinte: A presença é obrigatória sempre que o tribunal con- sidere absolutamente indispensável para a descoberta da verdade a presença do arguido desde o início da audiência, e este, devidamente notificado, não com- pareça, o que implicará o adiamento da audiência de julgamento; A presença é obrigatória sempre que o Tribunal não determinar que a audiência tenha lugar na ausência do arguido, nas hipóteses em que ao caso cabia processo sumaríssimo, previstas no artigo 334.º, n.º 1; A presença deixa de ser obrigatória sempre que o Tribunal determinar que a audiência tenha lugar na au- sência do arguido, nas hipóteses em que ao caso cabia processo sumaríssimo, previstas no artigo 334.º, n.º 1; A presença deixa de ser obrigatória desde que o ar- guido, regularmente notificado, não esteja presente na hora designada para o início da audiência, sempre que o tribunal não considere absolutamente indispensável para a descoberta da verdade a sua presença desde o início da audiência; A presença deixa de ser obrigatória se o arguido se afastar da sala de audiência após o seu interrogatório, ou, por dolo ou negligência, se tiver colocado numa situação de incapacidade, e o Tribunal não considerar indispensável a sua presença, nas hipóteses previstas no artigo 332.º, n. os 5 e 6; A...

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