Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2012, de 12 de Abril de 2012

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2012 Processo n.º 204/05.0GBFND.C1 -A.S1 Recurso para fixação de jurisprudência.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O Ministério Público interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Junho de 2011, proferido no processo abreviado n.º 204/05.0GBFND.C1, invocando como fun- damento o acórdão do mesmo tribunal de 19 de Outubro de 2010, proferido no processo n.º 262/06.0 GBOBR.C1. Por acórdão de 30 de Novembro de 2011, o Supremo Tribunal de Justiça, considerando não ocorrer motivo de inadmissibilidade e haver oposição de julgados, ordenou o prosseguimento do recurso.

Foram notificados os sujeitos processuais interessados, nos termos e para os efeitos do artigo 442.º, n.º 1, do Có- digo de Processo Penal, tendo sido apresentadas alegações pelo Ministério Público, com as seguintes conclusões: «1 — O Projecto da Parte Geral do Código Penal, elaborado pelo Professor Eduardo Correia em 1963 e que esteve na génese do Código Penal de 1982, propu- nha como causa de interrupção da prescrição da pena ‘um qualquer acto da autoridade competente que vise fazê -la executar’. 2 — Durante a discussão desse Projecto, que teve lugar no seio da Comissão para esse efeito nomeada, o Prof.

Gomes da Silva e o Dr.

Guardado Lopes susten- taram que tal previsão normativa era demasiado ampla, alargando desmesuradamente, naquele segmento, as causas de interrupção da prescrição da pena, manifes- tando nesse sentido o entendimento de que, citamos, “um qualquer acto da autoridade competente — acto que pode ser até apenas ‘de tabela’ — é insuficiente para fazer reviver a pena e não deve pois interromper a prescrição” — cf.

Actas da Comissão Revisora, Parte Geral, II vol., 1966, p. 240. 3 — Embora essa objecção não tenha tido, de ime- diato, qualquer repercussão no texto da disposição então aprovada pela Comissão, veio por certo a influenciar o legislador de 1982 que, logo na versão original do Có- digo Penal, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, estabeleceu no seu artigo 124.º, n.º 1, alí- nea

b), que a prescrição da pena se interrompe: ‘[...] Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destina- dos a fazê -la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado’. O que vale por dizer pois que, neste domínio, se restringiu a previsão normativa apenas aos casos em que a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado. 4 — Por fim na subsequente revisão do Código Penal, operada pelo Decreto -Lei n.º 48/95, de 15 de Março, e em consonância aliás com aqueles estritos limites do seu âmbito de aplicação, o segmento normativo em causa passou a integrar o artigo 126.º, tendo sido eliminada aquela causa de interrupção da prescrição e substituída pela ‘declaração de contumácia’, instituto que entre- tanto havia sido introduzido no Código de Processo Penal de 1987. Deixou de vigorar portanto, como causa interruptiva da prescrição da pena, a prática, pela au- toridade competente, de quaisquer actos destinados a fazê -la executar. 5 — Tendo em conta, pois, o sentido da evolução do preceito legal desde o momento em que ele foi conce- bido, pelo Professor Eduardo Correia, até à redacção que lhe veio a ser dada em 1995, não pode, de todo, deixar de considerar -se que seria um absoluto contra -senso admitir que a simples instauração de um processo executivo para cobrança coerciva do valor da pena de multa pudesse, agora ao abrigo da alínea

  1. do seu n.º 1 — onde antes ninguém o incluía — vir a adquirir uma eficácia inter- ruptiva da prescrição da pena. 6 — É que a instauração de execução mais não con- figura do que, precisamente, um simples acto de auto- ridade competente destinado a fazer executar a pena de multa, acto esse que se não confunde, de todo, com o começo da sua execução. 7 — Não se compreenderia, por outro lado, que esse acto pudesse ser causa interruptiva da prescrição da pena de multa, e que um acto praticado, também por uma autoridade competente, nas situações anteriormente previstas na alínea

    b), pelo contrário, tivesse deixado de o ser.

    Sabendo -se que a prescrição da pena, de qualquer pena, tem como fundamento a sua desnecessidade sub- sequente, um entendimento naquele sentido constituiria uma inadmissível contradição valorativa, isto na medida em que uma pena de prisão é, necessariamente, aplicada em situações em que o agente cometeu crime mais grave, reclamando, em consequência, maiores necessidades de prevenção geral e especial e justificando até, mesmo nesta sede, a previsão de instrumentos mais adequados no sentido de assegurar a sua efectiva execução. 8 — De resto, configurando também a própria letra da lei um dos elementos postos à disposição do intér- prete (artigo 9.º do CC), não pode deixar de constatar -se que, gramaticalmente, na expressão ‘com a sua exe- cução’ o vocábulo ‘sua’ tem de reportar -se ‘à pena’. O legislador não disse que a prescrição se interrompia ‘com a execução’, mas sim, como vimos, ‘com a sua execução’. O que significa por conseguinte que o que interrompe a prescrição da pena é a execução da pena.

    E instaurar a execução para obter o cumprimento da pena não é a mesma coisa que executá -la.

    Pelo que não pode ser atribuída à mera instauração de execução patrimonial o efeito, normativo, de começo de execução da pena de multa. 9 — Quando o legislador, na regulamentação da ma- téria atinente à execução da pena de multa (capítulo I do título III ) utiliza os termos: ‘da execução da pena de multa’, está a referir -se à ‘execução’ como modo de obter o seu pagamento, ou seja, o procedimento legal a observar tendo em vista o seu efectivo cumprimento. 10 — Neste quadro, quando o legislador se quer re- ferir ao conjunto de actos tendentes a, coercivamente, fazer com que o condenado pague a multa — [ou, nas palavras do acórdão fundamento, ao ‘processo dinâmico, previsto na lei, dirigido à obtenção, à custa de bens do condenado, da quantia necessária para o posterior pa- gamento da multa’] —, utiliza a expressão: ‘execução patrimonial’ — artigo 491.º, n.º 1, do CPP. 11 — Ora, e tendo em conta que o intérprete deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensa- mento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do CC), não faria, então, o menor sentido, do ponto de vista da boa técnica legislativa, admitir que, se com o segmento normativo introduzido na alínea

  2. do artigo 126.º do CP, o legislador visasse consagrar a instauração da exe- cução patrimonial como causa de interrupção da pres- crição da pena de multa, aí utilizasse, incoerentemente, uma diferente formulação terminológica. 12 — Destinando -se, aliás, o capítulo II do título V [do livro L ] do Código Penal a regular a prescrição de todas as penas, e implicando a imposição de penas ou de medidas de segurança — até pelas finalidades que as legitimam — o dever legal de, em regra, se providen- ciar pelo seu efectivo cumprimento, é bom de ver que, voluntária ou coercivamente, todas elas têm de passar por um processo tendente à consecução da respectiva execução. 13 — Não faria também por isso o menor sentido, no apontado quadro, qualquer interpretação que pudesse passar pela redução do âmbito de aplicação daquela alínea

  3. do n.º 1 do artigo 126.º do CP: ‘com a sua execução’...

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