Acórdão n.º 378/2008, de 13 de Agosto de 2008

Acórdáo n. 378/2008

Processo n. 130/08

Acordam na 2.ª Secçáo do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório:

1.1 - O representante do Ministério Público no Tribunal Judicial de Gondo mar deduziu acusaçáo contra, entre outros, José Luís da Silva Oliveira, a quem imputou a autoria de vinte e seis (26) crimes dolosos de corrupçáo activa, sob a forma de autoria, previstos e punidos pelo artigo 374., n. 1, do Código Penal, por referência ao artigo 386., n. 1, alínea c), do mesmo diploma legal, aos artigos 21., 22. e 24. da Lei n. 1/90, de 13 de Janeiro (agora artigos 20., 21., 22., 23. e 24. da Lei n. 30/2004, de 21 de Julho), aos artigos 7., 8. e 11. do Decreto-Lei n. 144/93, de 26 de Abril, e Despacho n. 56/95 da Presi dência do Conselho de Ministros, de 1 de Setembro de 1995, in Diário da República, 2.ª série, de 14 de Setembro de 1995 (factos descritos nos pontos 1.1, 1.3, 1.2, 1.3.1, 1.3.3, 1.3.4, 1.3.5, 1.3.6, 1.3.7, 1.3.8, 1.3.9, 1.3.10, 1.3.11, 1.3.12, 1.3.13, 1.3.15, 1.3.16, 1.3.17, 1.3.19, 1.3.21, 1.3.22, 1.3.23, 1.3.24, 1.3.25, 1.3.26, 1.3.27, 1.3.28 e 1.3.29); e de vinte e um (21) crimes dolosos de corrupçáo desportiva activa, sob a forma de autoria, previstos e punidos pelo artigo 4., n. s 1 e 2, por referência aos artigos 2., n. 1, e 3., n. 1, todos do Decreto -Lei n. 390/91, de 10 de Outubro (factos descritos nos pontos 1.1, 1.3, 1.2, 1.3.2, 1.3.3, 1.3.4, 1.3.5, 1.3.6, 1.3.8, 1.3.9, 1.3.10, 1.3.14, 1.3.15, 1.3.16, 1.3.17, 1.3.18, 1.3.20, 1.3.21, 1.3.22, 1.3.25, 1.3.26, 1.3.27 e 1.3.29).

1.2. Notificado da acusaçáo, o arguido apresentou requerimento de abertura de instruçáo, cujo teor sintetizou no seguinte resumo:

1. Ainda que fosse verdadeira - o que náo se concede - , a matéria de facto descrita na acusaçáo náo é passível de censura penal mediante recurso aos artigos 2., n. 1, 3., n. 1, 4., n. s 1 e 2, do Decreto -Lei n. 390/91, de 10 de Outubro, nem se enquadra na previsáo normativa do artigo 374., n. 1, do Código Penal.

2. A Lei n. 49/91, de 3 de Agosto, e o Decreto -Lei n. 390/91, de 10 de Outubro, sáo inconstitucionais por violaçáo dos n. 1, alínea c), e 2 do artigo 165. do CRP, como tal devendo ser declarados.

3. Assim sendo, como se tem por certo, ainda que fossem verdadeiros - mas náo sáo - os factos descritos nos pontos. 1.1, 1.3, 1.2, 1.3.2, 1.3.3, 1.3.4, 1.3.5, 1.3.6, 1.3.8, 1.3.9, 1.3.10, 1.3.14, 1.3.15, 1.3.16, 1.3.17, 1.3.18, 1.3.20, 1.3.21, 1.3.22, 1.3.25, 1.3.26, 1.3.27 e 1.3.29 da acusaçáo, náo poderiam os mesmos ser sancionados mediante recurso aos artigos 2., n. 1, 3., n. 1, e 4., n. s 1 e 2, do Decreto -Lei n. 390/91, de 10 de Outubro, pelo que, nessa parte, se impóe a náo pronúncia do arguido.

4. Tais factos, declarada a inconstitucionalidade daqueles diplomas legais, jamais poderáo ser sancionados mediante o recurso aos preceitos do Código Penal que prevêem e punem a corrupçáo, em especial o artigo 374., n. 1, por referência ao artigo 386., n. 1, alínea c), além do mais porque nenhuma das entidades referenciadas naqueles pontos da matéria de facto poderá ser considerada funcionário público.

5. Os tipos criminais descritos nos artigos 372., 373. e 374. do Código Penal náo abrangem os actos praticados no domínio do futebol profis sional, náo profissional e amador.

6. O bem jurídico corporizado na verdade, lealdade e correcçáo da compe tiçáo e do seu resultado e no respeito pela ética das competiçóes despor tivas apenas recebeu protecçáo criminal com a publicaçáo do Decreto -Lei n. 390/91, de 10 de Outubro, embora de modo juridicamente inoperante, tendo em consideraçáo a inconstitucionalidade deste diploma.

7. É insustentável a incriminaçáo do arguido pela suposta prática de 26 crimes dolosos de corrupçáo activa, previstos e punidos pelo artigo 374., n. 1, do Código Penal.

8. A interpretaçáo do artigo 374., e, bem assim, dos artigos 372. e 373. do Código Penal que considera estes preceitos aplicáveis aos actos prati cados no âmbito do desporto em geral e do futebol em particular que ofendam a verdade, lealdade e correcçáo da competiçáo e do seu resultado e o respeito pela ética das competiçóes desportivas é inconstitucional, por violaçáo do prin cípio da subsidiariedade e intervençáo mínima do direito penal consagrados no artigo 18., n. 2, da CRP.

9. A incriminaçáo do arguido por 26 crimes dolosos de corrupçáo reporta-se à suposta solicitaçáo feita por si ao Presidente do Conselho de Arbi tragem da Federaçáo Portuguesa de Futebol José António Gonçalves Pinto de Sousa (também arguido no processo) para que, de entre os que reuniam condiçóes para serem por ele nomeados, apenas escolhesse para dirigir jogos do Gondomar Sport Clube árbitros constantes de uma lista que lhe era apre sentada para o efeito.

10. A acusaçáo náo descreve nenhuma irregularidade ou ilegali-dade que afectem o conteúdo, a substância ou o fundo do acto de nomeaçáo dos árbitros efectuada pelo co-arguido Pinto de Sousa nessas circunstâncias nem enuncia sequer as regras das nomeaçóes que pudessem ter sido violadas.

11. A ser punido pelo Código Penal - o que se repudia - , aquele compor tamento só poderia enquadrar -se no n. 2 do artigo 374., por referência ao artigo 373., e nunca no seu n. 1.

12. A incriminaçáo da corrupçáo activa para acto lícito no domínio do fenómeno desportivo ofenderia em medida de todo incomportável o citado princípio da intervençáo mínima e da subsidiariedade do direito penal.

13. A interpretaçáo do artigo 374., n. 2, do Código Penal que esten desse o respectivo âmbito de aplicaçáo aos actos praticados no âmbito do des porto em geral e do futebol em particular sempre seria, por conseguinte, inconstitucional, por violaçáo do princípio da subsidiariedade e intervençáo mínima do direito penal consagrados no artigo 18., n. 2, da CRP.

14. O conceito de funcionário previsto para efeitos da lei penal é integrável apenas nos casos em que o agente activo do crime seja funcionário.

15. É manifesto que o Presidente do Conselho de Arbitragem da Federa çáo Portuguesa de Futebol náo é reconhecido pelo cidadáo comum como funcionário público, mesmo admitindo que o seja por ele próprio, do que se duvida.

16. Assim sendo, como é, náo existe a indispensável avaliaçáo paralela na esfera do leigo quanto a essa qualidade de funcionário para que possa estender-se a previsáo do artigo 374. do Código Penal à hipótese vertente.

17. Também por isso, os factos descritos na acusaçáo náo poderiam jamais ser enquadrados na previsáo do artigo 374., n. 1, por referência ao artigo 386., n. 1, alínea c), parte final, do Código Penal.

18. Estender o campo de aplicaçáo deste último preceito ao Presidente do Conselho de Arbitragem da Federaçáo Portuguesa de Futebol para efeitos de incriminaçáo da corrupçáo activa prevista e punida pelo n. 1 do artigo 374. do Código Penal, implicaria uma interpretaçáo inadmissível dessas normas, por ofensivo da tipicidade e subsidiariedade do direito penal decorrentes dos artigos 18., n. 2, e 29., n. 1, da CRP.

19. Os actos e omissóes praticados por dirigentes desportivos com viola çáo da verdade, lealdade, correcçáo e ética ou a solicitaçáo por outrem para a prática desse tipo de actos seriam puníveis apenas pelo Decreto -Lei n. 390/91, de 10 de Outubro, e nunca pelo Código Penal.

20. O Presidente do Conselho de Arbitragem da Federaçáo Portuguesa de Futebol náo pode senáo considerar-se dirigente desportivo, maxime para todos os efeitos previstos no citado Decreto-Lei.

21. Ainda que este diploma náo estivesse enfermo de inconstitucionali-dade, a conduta do requerente visando a prática de actos lícitos pelo Presidente do Conselho de Arbitragem da Federaçáo Portuguesa de Futebol jamais pode ria implicar responsabilidade criminal, atenta a sua qualidade de dirigente des portivo.

22. Por último, a entender-se que a conduta que a acusaçáo imputa ao requerente tinha por escopo a prática de actos ilícitos pelo Presidente do Con selho de Arbitragem, sempre seria indiscutível, pelas invocadas razóes, que a mesma seria punível, quando muito, pelo n. 2 do artigo 4. do Decreto -Lei n. 390/91, e náo pelo n. 1 do artigo 374. do Código Penal.

23. No sentido da insuperável improcedência da acusaçáo converge ainda a circunstância de nela se náo descreverem factos indispensáveis para consubstanciar qualquer tipo de corrupçáo activa.

24. Desde logo porque, quanto aos actos relacionados com o Presidente do Conselho de Arbitragem da Federaçáo Portuguesa de Futebol, a acusaçáo náo descreve nenhum facto susceptível de ser considerado ofensivo da verdade, correcçáo, lealdade e ética desportivas.

25. Bem pelo contrário, o que ressalta do próprio libelo é que a interven çáo do requerente tinha como único escopo prevenir e impedir a viciaçáo dos resultados desportivos, evitando que fossem nomeados árbitros que pudessem prejudicar o Gondomar Sport Clube.

26. Depois, porque náo estáo descritos na acusaçáo actos susceptíveis de consubstanciar qualquer vantagem patrimonial ou náo patrimonial que o requerente tenha dado ou prometido, ainda que por interposta pessoa, a troco dos comportamentos que lhe imputam ter solicitado de qualquer dos interve nientes no processo.

27. Nenhuma das «ofertas» a que se alude na acusaçáo poderá conside rar-se relevante ou ofensiva dos hábitos sociais instituídos na actividade do futebol, ou adequada a criar um clima de permeabilidade ou simpatia propício à obtençáo futura de favores ilícitos.

28. A extensa e a todos os títulos imprópria citaçáo de excertos de conver saçóes telefónicas contida na acusaçáo implica nulidade, por ofensa do disposto na alínea b) do n. 3 do artigo 283., que fica alegada.

29. E a verdade é que os meios de recolha de prova utilizados enfer mam de gravíssimas nulidades que lhes retiram em definitivo e sem remissa qualquer réstia de valor.

30. É esse o caso, antes do mais, das escutas telefónicas, que sáo nulas, em síntese, porque:

30.01. Têm origem num despacho judicial nulo, porque:

Náo concretiza nem descreve qualquer indício probatório;

Náo concretiza nem...

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