Acórdão n.º 357/2008, de 11 de Agosto de 2008

Acórdáo n. 357/2008

Processo n. 46/08

Acordam na 3.ª Secçáo do Tribunal Constitucional

I - Relatório. - Na presente acçáo declarativa, com processo ordinário, que a Câmara Municipal de Ponte da Barca intentou contra Sialima - Serviços e Investimentos do Alto Lima, Lda., julgada procedente na primeira instância e em apelaçáo, veio a Ré ínterpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que, tendo sido admitido como revista, foi julgado deserto por falta de alegaçóes.

A Ré, através do mandatário que, ao abrigo de um substabelecimento com reserva, motivara o recurso de apelaçáo, veio arguir a nulidade do despacho que julgou deserto o recurso com o fundamento de lhe náo ter sido notificado o acórdáo da Relaçáo.

A nulidade foi desatendida, na Relaçáo, por despacho do relator, confirmado em conferência, pelo que a Ré agravou desta decisáo para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), pedindo a sua revogaçáo e a consequente notificaçáo ao mandatário com poderes substabelecidos do acórdáo que conheceu do recurso de apelaçáo.

Invocou para tanto, em síntese, que, tendo sido emitido substabelecimento com reserva, passaram a existir no âmbito do processo dois mandatários, pelo que se náo podia ignorar que era ao mandatário com poderes substabelecidos que deviam ser também efectuadas as notificaçóes de todos os actos processuais que se seguiram àquele em teve a primeira intervençáo, devendo efectuar -se uma interpretaçáo conjugada das normas dos artigos 36.°, n.° 3, 253.° e 254.° do Código de Processo Civil (CPC) com o disposto no artigo 20 °, n.° 2, da Constituiçáo da República (CRP), sob pena de inconstitucionalidade por violaçáo desta referida disposiçáo constitucional.

Por acórdáo de 4 de Dezembro de 2007, o STJ negou provimento ao agravo, com base na seguinte fundamentaçáo:

1.1 - O mandato judicial, que pode ser conferido por instrumento público ou documento particular ou mesmo por declaraçáo verbal da parte no auto de qualquer diligência processual (artigo 35. do CPC), confere ao mandatário poderes para representar a parte em todos os actos e termos do processo (n. 1 do artigo 36. do CPC).

E preconiza o n. 2 do mesmo artigo que nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário está incluído o de substabelecer o mandato.

Com o substabelecimento o mandatário está a investir uma outra pessoa, igualmente habilitada, nos poderes de representaçáo forense da parte e no dever de os exercer, como refere Castro Mendes [Direito Processual Civil, II, pág. 141].

O substabelecimento pode ser com ou sem reserva. Enquanto nesta segunda hipótese se verifica a exclusáo do primitivo mandatário, tal como decorre do n. 3 do mesmo artigo 36., já no substabelecimento com reserva, a parte fica representada por dois mandatários, cada um deles com plenos poderes para praticar actos processuais em representaçáo da parte. O substituinte náo é, neste caso, excluído da posiçáo representativa, subsistindo antes dois mandatos.

35656 Desde que o substabelecimento náo contenha qualquer limitaçáo, ambos os mandatários ficam com iguais poderes de representaçáo da parte.

O mandatário judicial constituído no processo, sempre que o juiz ou a lei processual o determinem, tem de ser notificado de todos os actos que se váo praticando, para assumir as suas competências e obrigaçóes funcionais.

Esta omissáo é geradora de nulidade porquanto é susceptível de influir no exame ou decisáo da causa, em conformidade com o disposto no n. 1 do artigo 201. do CPC.

A notificaçáo do advogado é feita nos termos e com as formalidades previstas no artigo 254. do CPC, sendo a respectiva carta registada enviada para o escritório ou domicílio por ele escolhido.

Enviada para essa direcçáo, mesmo que devolvida a carta, tem -se a notificaçáo por efectuada, em conformidade com o preceituado no n. 4 do artigo 254.

Em caso de substabelecimento com reserva, assumindo ambos os

advogados plenos poderes de representaçáo, as notificaçóes a fazer no processo poderáo ser feitas a qualquer deles, nos respectivos escritórios.

Só assim náo acontecerá se tiver sido escolhido domicílio específico para recebimento das notificaçóes, situaçáo em que as mesmas seráo entáo dirigidas para esse domicílio.

Na situaçáo vertente, o primitivo mandatário substabeleceu com reserva num outro advogado, substabelecimento náo direccionado para a prática de qualquer acto judicial específico. Depois e como se consignou no acórdáo recorrido, náo foi escolhido domicílio próprio para recebimento das notificaçóes.

Assim sendo, as notificaçóes podiam ser feitas a qualquer dos advogados, tanto ao primitivo como ao substabelecido.

A notificaçáo do acórdáo proferido na Relaçáo foi correctamente efectuada quando dirigida para o escritório do primitivo mandatário, pelo que de nenhuma irregularidade padece.

1.2 - Sustenta ainda a recorrente que, ao admitir -se que apenas um dos advogados devia ser notificado, está -se a limitar a escolha de mandatário para a prática de actos específicos no âmbito do processo e, como tal, a violar o princípio constitucional vertido no artigo 20. da Constituiçáo da República.

O artigo 20. da Constituiçáo da República reconhece vários direitos, direitos esses que integram o direito geral de protecçáo jurídica.

Esse direito abarca normativamente, desde logo, o direito que a todos é reconhecido de se fazer acompanhar por advogado perante qualquer autoridade - n. 2 do citado artigo 20.

Este direito náo foi cerceado à recorrente que, em vez de um só mandatário forense, passou a ter mais do que um com o substabelecimento com reserva. E a todos eles foi reconhecido o direito de intervirem processualmente.

Agora o que a lei ordinária impóe é que só um desses advogados seja notificado dos actos processuais. E isto para evitar a anarquia processual relacionada com a verdadeira contagem de prazos que resultaria da notificaçáo a todos e cada um desses advogados.

Este entendimento mostra -se perfeitamente razoável e proporcionado, náo podendo ver -se na notificaçáo dos actos processuais apenas a um desses advogados uma limitaçáo do direito de acompanhamento pleno por advogado.

E este direito fundamental náo foi afectado, na sua essência, por essa regra processual, porquanto a recorrente náo viu cerceado o direito à escolha de mandatário, nem à intervençáo no processo de qualquer um dos advogados escolhidos.

Daí que a interpretaçáo dos artigos 36. e 254. do CPC com aquele sentido náo enferme de qualquer inconstitucionalidade.

Inconformada com o assim decidido, a Ré veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n. 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciaçáo da constitucionalidade das normas dos artigos 36., n. 3, 253° e 254. do CPC, quando interpretadas no sentido de que náo existe obrigatoriedade de notificar os advogados/mandatários intervenientes no processo de forma a poderem tramitá -lo da forma mais correcta à protecçáo dos interesses do seu constituinte, por violaçáo do direito de livre escolha do mandatário da parte consagrado no artigo 20., n. 2, da CRP:

Nada tendo obstado ao prosseguimento do recurso, no Tribunal Constitucional, os arguidos apresentaram as suas alegaçóes, formulando as seguintes conclusóes:

  1. No acórdáo proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi decidido que: "A notificaçáo do acórdáo proferido na Relaçáo foi correctamente efectuada quando dirigida para o escritório do primitivo mandatário, pelo que de nenhuma irregularidade padece."

  2. Concluindo que: "Daí que a interpretaçáo dos artigos 36.° e 254.° do CPC com aquele sentido náo enferma de qualquer inconstitucionalidade."

  3. De facto, o recorrente, salvo o devido respeito, entende que náo assiste qualquer razáo nos (aliás, escassos) fundamentos invocados no acórdáo a quo para sustentar a sua decisáo.

  4. Por isso mesmo se interpóe o presente recurso, através do qual se pretende ver apreciada a constitucionalidade dos artigos 36°, n. 3, 253.° e 254.° do CPC, que deveráo ser apreciados à luz do que é consagrado no artigo 20.° da Constituiçáo da República Portuguesa.

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