Acórdão n.º 114/2008, de 10 de Abril de 2008

Acórdáo n. 114/2008

Processo n. 316/07

Acordam na 3ª Secçáo do Tribunal Constitucional

I - Relatório. - 1 - O Ministério Público acusou Artur Marcos Ferreira e Costa, em processo sumário, perante o Tribunal de Comarca de Matosinhos (Juízos Criminais), imputando-lhe a prática de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelas disposiçóes conjugadas do n. 2 do artigo 138. do Código da Estrada e do n. 2 do artigo 348. do Código Penal (desobediência qualificada).

O arguido veio a ser absolvido, por sentença de 10 de Janeiro de 2007, apesar de se ter considerado provado que, no dia 3 de Janeiro de 2007, conduzira um motociclo na via pública, náo sendo portador de licença de conduçáo, dado que a tinha entregue, na véspera, na Direcçáo -Geral

de Viaçáo, a fim de cumprir a sançáo de 30 dias de inibiçáo de conduzir que lhe tinha sido imposta no âmbito do processo de contra -ordenaçáo n. 352349158.

A sentença absolutória tem a seguinte fundamentaçáo:

É imputado ao arguido a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência qualificada p. e p. pelos artigos. 138 do Código Estrada e 348 n. 2, do CP.

Antes de entrar na subsunçáo dos factos ao Direito cumpre apreciar uma questáo prévia que, a proceder, impedirá que o Tribunal entre na apreciaçáo do mérito. E essa questáo é a da existência de eventual inconstitucionalidade da norma vertida no artigo 138., n. 2, do Código da Estrada.

Isto a propósito das diferenças de redacçáo (numa norma que se pode considerar verdadeiramente penal) dos artigos. 139, n.4 dos DL 2/98, de 03/01 e DL 265-A/2001, de 28/09 e 138, n. 2, do DL 44/2005, de 23/02.

Como é consabido, a definiçáo de determinadas acçóes ou omissóes como matéria penal é matéria de competência reservada da Assembleia da República, pelo que quando o Governo pretende tipificar determinados comportamentos como ilícitos criminais só o pode fazer mediante lei de autorizaçáo legislativa - lei de autorizaçáo legislativa que obrigatoriamente especificará o objecto da autorizaçáo, consubstanciando uma relaçáo de conformidade entre a lei autorizante e o decreto -lei autorizado. Quando assim náo sucede, isto é, quando existe decreto -lei a tipificar comportamentos como crimes sem que sejam precedidos de leis de autorizaçáo legislativa entáo poder -se -á estar perante uma hipótese de inconstitucionali-dade orgânica.

No dizer do Tribunal Constitucional, nestas hipóteses a lei de autorizaçáo legislativa representa o parâmetro superior.

No caso concreto a legislaçáo aplicável é a emergente do novo Código da Estrada, ou seja, o regime emergente do DL 44/2005. A lei de autorizaçáo legislativa subjacente a este diploma nada refere no que respeita à (re) tipificaçáo ou alteraçáo do tipo inscrito no artigo 138, n. 2 do Código da Estrada actualmente em vigor em relaçáo às anteriores (supra -referidas) versóes do diploma em causa. Ou seja, da leitura comparada do artigo 138, n. 2, nas versóes actual e anterior, verifica -se que a redacçáo de ambas náo é exactamente igual, pelo que se verificou uma alteraçáo nos elementos descritivos do tipo subjacente. Ora, a lei de Autorizaçáo Legislativa n. 53/2004, de 04/11, náo autorizou o Governo a tipificar quaisquer condutas como ilícitos penais (ex-novo, portanto) ou sequer a alterar nos seus elementos um tipo já existente.

Por isso, a necessidade de clara tipificaçáo nestas matérias em lei de autorizaçáo legislativa náo se compadece com o arbítrio de interpretaçáo do parâmetro inferior que representa o decreto -lei autorizado. A reserva exclusiva parlamentar nestas matérias reclama que a lei autorizante seja absolutamente clara e apertada.

O que significa, pois, nesta nossa interpretaçáo, que jamais houve autorizaçáo legislativa para alterar o artigo 138, n. 2, do Código da Estrada, no que respeita aos elementos nele agora enunciados, pelo que esta norma deve ser tida como organicamente inconstitucional, devendo ser recusada a aplicaçáo do artigo 138, n. 2, do Código da Estrada.

Com a recusa de aplicaçáo da referida norma, com o sentido apontado, falece em absoluto o objecto da acusaçáo, pelo que o arguido deve ser absolvido do crime pelo qual vem acusado.

2 - O Ministério Público interpôs recurso desta decisáo, ao abrigo da alínea a) do n. 1 do artigo 70. da Lei n. 28/82, de 15 de Novembro.

Apresentou oportunamente alegaçóes, acolhendo -se às razóes do acórdáo n. 574/2006 deste Tribunal, em que se decidiu no sentido da inconstitucionalidade orgânica da mesma norma, e conclui nos termos seguintes:

Na falta de prévia autorizaçáo parlamentar para legislar sobre matéria constante do artigo 165., n. 1, alínea c) da Constituiçáo, náo podia o Governo emitir, tal como o fez, a norma do artigo 138., n. 2 do Código da Estrada na redacçáo resultante do Decreto -Lei n. 44/2005, de 23 de Fevereiro, pelo que deverá confirmar -se o juízo de inconstitucionalidade orgânica constante da decisáo recorrida.

O recorrido náo alegou.

II - Fundamentos. - 3 - Invocando a autorizaçáo legislativa concedida pela Lei n. 53/2004, de 4 de Novembro, e o disposto nas alíneas a) e b) do n. 1 do artigo 198. da Constituiçáo, o Decreto-Lei n. 44/2005, de 23 de Fevereiro, veio dar nova redacçáo a vários preceitos do Código da Estrada (artigo 1.). Entre as matérias que foram objecto de alteraçáo avulta o regime de sancionamento dos ilícitos estradais. Neste capítulo, se insere o artigo 138. que, na nova

16390 redacçáo, passou a dispor (sublinhada a disposiçáo sobre que incide a controvérsia):

Artigo 138.

Sançáo acessória

1 - As contra -ordenaçóes graves e muito graves sáo sancionáveis com coima e com sançáo acessória.

2 - Quem praticar qualquer acto estando inibido ou proibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou decisáo administrativa definitiva que aplique uma...

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