Acórdão n.º 438/2006, de 31 de Agosto de 2006

Acórdáo n.o 438/2006

Processo n.o 942/2005

Acordam na 3.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

1 - Por despacho de 24 de Outubro de 2005 do 2.o Juízo do Tribunal do Trabalho de Braga, a fl. 108, foi indeferido o requerimento apresentado a fl. 91 pela Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, S. A., para remiçáo obrigatória da pensáo que, na sequência de acidente de trabalho ocorrido em 23 de Junho de 1964, do qual resultou a morte de Amaro Gomes dos Santos, foi atribuída à viúva do sinistrado, Mariana da Silva.

Para o efeito, o Tribunal recusou a aplicaçáo, por inconstitucionalidade, da norma constante do artigo 74.o do Decreto-Lei n.o 143/99, de 30 de Abril, na redacçáo que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.o 382-A/99, de 22 de Setembro, «interpretad[a] no sentido de impor a remiçáo obrigatória total de pensóes vitalícias atribuídas por inca-pacidades parciais permanentes nos casos em que estas excedam 30%, sempre que se pretenda operar a remiçáo contra vontade expressa do beneficiário da pensáo em causa».

Após ter analisado o regime aplicável, concluindo que a mesma pensáo se tornou «remível a partir de 1 de Janeiro de 2003», o tribunal pronunciou-se nos seguintes termos:

Todavia, deve ter-se presente a orientaçáo constitucional jurisprudencialmente definida no Acórdáo do Tribunal Constitucional n.o 56/2005, de 3 de Março, o qual julgou inconstitucional, por violaçáo do artigo 59.o, n.o 1, alínea f), da CRP, o artigo 74.o do Decreto-lei n.o 143/99, de 30 de Abril (na redacçáo do Decreto-Lei n.o 382-A/99, de 22 de Setembro), interpretado no sentido de impor a remiçáo obrigatória total de pensóes vitalícias atribuídas por inca-pacidades parciais permanentes nos casos em que estes excedam 30 %.

O Tribunal, face ao teor deste acórdáo e ponderando a sua aplicaçáo em concreto, ordenou a notificaçáo da beneficiária da pensáo para que informasse os autos, no prazo de 10 dias, se concordava com a pretendida remiçáo da pensáo, requerida pela ré seguradora.

Ora, [. . .] Mariana da Silva veio, a fl. 106, afirmar que náo pretende remir a pensáo, opondo-se, portanto, a essa remiçáo.

Cumpre apreciar e decidir.

O estabelecimento de pensóes por incapacidade existe para compensar os trabalhadores, ou os seus familiares mais próximos nos casos de morte, pela perda da capacidade de trabalho devido a um infortúnio decorrente do desempenho do seu labor.

Compreende-se que, náo sendo uma perda muito acentuada, até 30 %, se permita que essa compensaçáo seja 'transformada' em capital para aplicaçóes por ventura mais rentáveis que uma 'renda' anual num valor pouco ou nada significativo.

Quando o grau de incapacidade excede aquela percentagem, antes 10 % e hoje 30 %, terá de entender-se que o risco com uma aplicaçáo indevida do capital recebido de uma só vez é claramente maior em funçáo do montante de «renda» a que o beneficiário deixa de poder ter acesso.

Nestes casos, em que a ponderaçáo da escolha entre a remiçáo ou a náo remiçáo, traz consequências de ordem financeira necessariamente importantes para o trabalhador ou para o beneficiário da pensáo, como é aqui o caso da viúva do falecido Amaro Santos, deve de ser este, no mínimo, a ter uma palavra definitiva sobre matéria táo decisiva.

Pretender o contrário significaria permitir uma violaçáo do direito à justa reparaçáo por acidente de trabalho ou doença profissional, consagrado no artigo 59.o, n.o 1, alínea f), da Constituiçáo da República Portuguesa - v., além do acórdáo citado, no mesmo sentido quanto à substância dos argumentos aduzidos, os Acórdáos do Tribunal Constitucional n.os 379/2002, in Acórdáos do Tribunal Constitucional, 54.o vol., pp. 313-321, 302/99, in Acórdáos do Tribunal Constitucional, 43.o vol., pp. 597-603, e 482/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.

2 - Veio entáo o Ministério Público recorrer para o Tribunal Constitucional, invocando a recusa de «aplicaçáo por inconstitucionalidade do artigo 74.o do Decreto-Lei n.o 143/99, de 30 de Abril, quando interpretado no sentido de 'impor a remiçáo obrigatória total das pensóes vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes nos casos em que estas excedam 30 %, sempre que se pretenda operar a remiçáo contra vontade expressa do trabalhador em causa'».

O recurso foi admitido, por decisáo que náo vincula este Tribunal

(n.o 3 do artigo 76.o da Lei n.o 28/82).

Entende-se que o recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea a) do n.o 1 do artigo 70.o da Lei n.o 28/82, de 15 de Novembro.

3 - Notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou alegaçóes, nas quais, após sustentar que as razóes que levaram ao julgamento de inconstitucionalidade formulado no citado Acórdáo n.o 56/2005 valem inteiramente para o caso em que a beneficiária da pensáo é a viúva do sinistrado, falecido em consequência do acidente de trabalho, concluiu da seguinte forma:

1 - É inconstitucional, por violaçáo do artigo 59.o, n.o 1, alínea f), da Constituiçáo da República Portuguesa, a norma constante do artigo 74.o do Decreto-Lei n.o 143/99, de 30 de Abril (na redacçáo emergente do Decreto-Lei n.o 382-A/99, de 22 de Setembro), inter-pretada no sentido de impor a remiçáo obrigatória total de pensóes vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes, nos casos em que estas excedam 30 % ou por morte, opondo-se o titular à remiçáo, pretendida pela seguradora.

2 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisáo recorrida.

A recorrida náo alegou.

4 - A fl. 125, foi proferido o seguinte despacho:

A fl. 114, o Ministério Público veio recorrer para o Tribunal Constitucional do despacho a fl. 108, atribuindo-lhe a recusa de 'aplicaçáo por inconstitucionalidade do artigo 74.o do Decreto-Lei n.o 143/99, de 30 de Abril, quando interpretado no sentido de impor a remiçáo obrigatória total das pensóes vitalícias atribuídas por inca-pacidades parciais permanentes nos casos em que estas excedam 30 %, sempre que se pretenda operar a remiçáo contra vontade expressa do trabalhador em causa'.

Definiu, portanto, o objecto do recurso de constitucionalidade como a norma do citado artigo 74.o quando interpretada no sentido que descreve.

Verifica-se, todavia, que, no caso dos autos, se trata de uma pensáo atribuída, por morte do trabalhador, à viúva do sinistrado, falecido na sequência de acidente de trabalho.

Isto significa que a norma impugnada náo coincide com a norma cuja recusa, por inconstitucionalidade, foi afastada pela decisáo recorrida, e que foi a norma do mesmo artigo 74.o 'interpretad[a] no sentido de impor a remiçáo obrigatória total de pensóes vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes nos casos em que estas excedam 30 %, sempre que se pretenda operar a remiçáo contra vontade expressa do beneficiário da pensáo em causa'.

Do texto da decisáo recorrida verifica-se, claramente, que se está a ter em conta a remiçáo de uma pensáo atribuída por mortee que o consentimento que seria relevante seria o da viúva do sinistrado.

Náo sendo possível alterar a norma que constitui o objecto do recurso nas alegaçóes posteriormente apresentadas, é plausível que o Tribunal Constitucional venha a náo tomar conhecimento do recurso, por náo ter sido recusada como ratio decidendi a norma que foi definida como seu objecto.

Assim, nos termos conjugados do disposto no n.o 1 do artigo 704.o do Código de Processo Civil e no artigo 69.o da Lei n.o 28/82, de 15 de Novembro, convidam-se as partes a pronunciarem-se, querendo, sobre a eventualidade de náo conhecimento do objecto do presente recurso.

O Ministério Público respondeu, pronunciando-se no sentido de que a referência, constante do requerimento de interposiçáo de recurso, à «vontade expressa» do «trabalhador em causa» e náo à «vontade expressa» do «beneficiário da pensáo», como faz a sentença recorrida, resulta de um «lapso material ou de escrita, aliás espontaneamente rectificado na alegaçáo já apresentada», sem «relevo decisivo, no que toca à delimitaçáo da interpretaçáo normativa questionada».

Tal diferença na identificaçáo dos titulares da pensáo, em seu entender, náo deve ser relevante, nem sequer tendo implicaçóes quanto à «soluçáo alcançada quanto à questáo de constitucionalidade».

Conclui sustentando que se deve considerar corrigido o lapso. 5 - Tendo em conta esta confirmaçáo apresentada pelo Ministério Público, o Tribunal entende que se deve considerar corrigido o objecto do presente recurso, que, assim, consiste na norma constante do artigo 74.o do Decreto-Lei n.o 143/99, de 30 de Abril (na redacçáo resultante do Decreto-Lei n.o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT