Acórdão n.º 366/2006, de 17 de Agosto de 2006

Acórdáo n.o 366/2006

Processo n.o 1006/2005

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I- Relatório. -1-O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista no artigo 281.o, n.o 2, alínea d), da Constituiçáo da República Portuguesa (CRP), requereu ao Tribunal Constitucional a apreciaçáo e declaraçáo de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, «das normas constantes do artigo 80.o, n.os 1 e 2, do Estatuto da Aposentaçáo, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 498/72, de 9 de Dezembro, na medida em que náo permitem a contagem da integralidade do tempo de serviço prestado, na situaçáo em que o aposentado opta pela segunda aposentaçáo, por violaçáo do princípio do aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, consagrado no artigo 63.o, n.o 4, da Constituiçáo da República Portuguesa».

O artigo 80.o do Estatuto da Aposentaçáo, na sua versáo originária, dispunha, sob a epígrafe «Nova aposentaçáo», o seguinte:

1 - Se o aposentado, quer pelas províncias ultramarinas, quer pela Caixa, tiver direito de inscriçáo nesta última pelo novo cargo que lhe seja permitido exercer, poderá optar pela aposentaçáo correspondente a esse cargo e ao tempo de serviço que nele prestar, salvo nos casos em que lei especial permita a acumulaçáo das pensóes.

2 - Náo será de considerar para cômputo da nova pensáo o tempo de serviço anterior à primeira aposentaçáo.

O artigo 8.o, n.o 1, da Lei n.o 30-C/92, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1993), alterou a epígrafe do referido artigo 80.o («Nova aposentaçáo e revisáo da pensáo»), manteve inalterados os n.os 1e2e aditou os n.os 3 e 4, do seguinte teor:

3 - Nos casos em que o aposentado opte por manter a primeira aposentaçáo, haverá lugar à divisáo da pensáo respectiva, a qual só pode ser requerida depois da cessaçáo de funçóes a título definitivo e é devida a partir do dia 1 do mês imediato ao da apresentaçáo do pedido.

4 - O montante da pensáo a que se refere o número anterior é igual à pensáo auferida à data do requerimento multiplicada pelo factor resultante da divisáo de todo o tempo de serviço prestado, até ao limite máximo de 36 anos, pelo tempo de serviço contado no cálculo da pensáo inicial.

2 - Para fundamentar o pedido, o Provedor de Justiça apresenta os seguintes argumentos:

Nos termos do regime que globalmente resulta do artigo 80.o do

Estatuto da Aposentaçáo, e salvo nos casos em que lei especial permite a acumulaçáo de pensóes, o aposentado deverá, desde logo, e antes de mais, optar entre manter a primeira aposentaçáo ou requerer a segunda aposentaçáo, neste caso optando por esta última e prescindindo da primeira;

Se o aposentado optar por manter a primeira aposentaçáo, será entáo revista a pensáo que vinha auferindo até aí, isto é, até à data da apresentaçáo do pedido de revisáo da pensáo que já recebia, nos termos e através da aplicaçáo da fórmula acolhida nos n.os 3 e 4 do artigo 80.o do Estatuto;

A opçáo pela primeira aposentaçáo e, consequentemente, pela percepçáo da correspondente pensáo, já revista por aplicaçáo da fórmula referida no n.o 4 do artigo 80.o do Estatuto, proporcionará, em princípio, a contabilizaçáo de todo o tempo de serviço - em moldes de alguma forma discutíveis, matéria em que náo se entrará nesta sede prestado pelo aposentado, quer no âmbito das funçóes que levaram à primeira aposentaçáo, quer no que toca ao exercício das funçóes posteriores à primeira aposentaçáo, até à data da cessaçáo de funçóes a título definitivo;

O mesmo já náo sucederá se o aposentado optar pela segunda aposentaçáo, já que, neste caso, resulta claro da lei que só relevará, para o cálculo da pensáo a receber, o tempo de serviço prestado no exercício deste segundo cargo ou destas segundas funçóes;

Se o aposentado optar pela segunda aposentaçáo, terá de prescindir da primeira - e da pensáo que auferia a esse título -, sendo que, para cálculo da pensáo a receber por via da segunda aposentaçáo, náo releva o tempo - qualquer que ele seja, pouco ou muito significativo - de serviço prestado antes do exercício das funçóes que propiciaram a segunda aposentaçáo.

O Provedor de Justiça tece, depois, algumas consideraçóes sobre o alcance do n.o 2 do artigo 80.o do Estatuto da Aposentaçáo, referindo, nomeadamente, uma recomendaçáo (de que juntou cópia) que o seu antecessor naquele cargo dirigira ao governo em 23 de Maio de 2000, aduzindo a este propósito:

Precisamente na medida em que a Caixa Geral de Aposentaçóes, na aplicaçáo do normativo [o n.o 2 do artigo 80.o do Estatuto da Aposentaçáo] às situaçóes concretas, seguiria uma interpretaçáo literal da norma, com isso alcançando-se situaçóes absurdas que decerto náo teráo estado na mente do legislador, dirigiu o meu antecessor, com data de 23 de Maio de 2000, ao governo, umarecomendaçáo (com o n.o 15/B/2000), no sentido de, por via inter-pretativa ou, se caso fosse, através de alteraçáo da lei, apenas náo poder ser contado para efeitos da segunda aposentaçáo o tempo de serviço prestado anteriormente à primeira e que relevou para o respectivo cálculo.

No documento em causa, de que se junta cópia, recomendou-se igualmente a adopçáo de medidas tendo em vista a alteraçáo do normativo em causa, no sentido de se prever um regime excepcional para as situaçóes dos pensionistas ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.o 362/78, de 28 de Novembro, e dos pensionistas de invalidez que conseguiram, posteriormente, reabilitar-se e ingressar novamente na funçáo pública. Tal recomendaçáo nunca viria a ser acatada pelo entáo governo, nem pelos que lhe sucederam.

No entanto, e através de despacho com data de 26 de Junho de 2003, cujo teor me foi dado a conhecer por comunicaçáo de 27 de Junho de 2003, o entáo Secretário de Estado do Orçamento viria a acatar a recomendaçáo, apenas na parte respeitante à inter-pretaçáo a conferir ao n.o 2 do artigo 80.o do Estatuto, nos seguintes termos: 'No que respeita à interpretaçáo do n.o 2 do artigo 80.o do Estatuto da Aposentaçáo, no sentido de apenas náo poder ser contado para efeitos de segunda aposentaçáo o tempo de serviço prestado anteriormente à primeira e que relevou para o respectivo cálculo, é meu entendimento o de que, de facto, sem prejuízo da correcçáo jurídica e possível defesa da interpretaçáo que tem vindo a ser seguida pela Caixa Geral de Aposentaçóes, uma interpretaçáo mais conforme à Constituiçáo aponta para que se adopte a recomendaçáo do Sr. Provedor de Justiça. Assim, e uma vez que tal interpretaçáo cabe na letra do referido artigo 80.o, n.o 2, entendo que doravante, nas situaçóes ainda náo consolidadas na ordem jurídica, poderá passar a ser seguida, sem necessidade de qualquer alteraçáo legislativa.'

Ao que foi possível apurar, tal orientaçáo estará a ser seguida, na prática, pela Caixa Geral de Aposentaçóes.

Em seguida, o requerente discorre sobre o sentido da norma do artigo 63.o, n.o 4, da CRP, considerando que «o referido preceito constitucional, embora remetendo para a lei o cálculo das pensóes de velhice e invalidez, desde logo determina e impóe que, para esse cálculo, seja contabilizado todo o tempo de trabalho, mesmo que prestado em diferentes regimes».

Após proceder a citaçóes de doutrina e de jurisprudência (o Acórdáo n.o 1016/96), o Provedor de Justiça sustenta que «[É] manifesto que as normas contidas no artigo 80.o, n.os 1 e 2, do Estatuto da Aposentaçáo, acima transcritas, na situaçáo concreta em que o aposentado opta pela segunda aposentaçáo se optar pela primeira aposentaçáo, a revisáo da pensáo permite, na prática, à partida, a contagem de todo o tempo de serviço -, náo possibilitam que seja contabilizado, para efeitos de atribuiçáo de uma pensáo de aposentaçáo, todo o tempo de serviço prestado pelo trabalhador, até ao limite de 36 anos, ao arrepio do que se encontra estabelecido na acima identificada norma da lei fundamental.»

E, depois de citar também o Acórdáo n.o 411/99 deste Tribunal, o requerente termina do seguinte modo:

[N]áo pode deixar de concluir-se que a náo contagem da integralidade do tempo de serviço na situaçáo em que o aposentado opta pela segunda aposentaçáo, que resulta inequívoca dos n.os 1

e 2 do artigo 80.o do Estatuto da Aposentaçáo, reforçada pela sua conjugaçáo com os n.os 3e4do mesmo normativo, é claramente violadora do mencionado artigo 63.o, n.o 4, da Constituiçáo, na medida em que contraria o princípio do aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, consagrado naquela disposiçáo constitucional.

3 - Notificado para responder, querendo, sobre o presente pedido de fiscalizaçáo abstracta da constitucionalidade, nos termos dos artigos 54.o e 55.o, n.o 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), o Primeiro-Ministro ofereceu o merecimento dos autos e solicitou que, caso o Tribunal se pronuncie pela inconstitucionalidade, utilize a facul-dade de limitaçáo dos seus efeitos «apenas a partir do momento da declaraçáo dessa inconstitucionalidade, atendendo a que a atribuiçáo de outros efeitos produziria insegurança jurídica, poria em causa a equidade no tratamento dos destinatários das normas e o interesse público relacionado com os encargos do pagamento das pensóes, já que o regime actualmente em vigor permite a opçáo de regimes por parte dos particulares».

4 -...

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