Acórdão n.º 96/2000, de 17 de Março de 2000

Acórdão n.º 96/2000 Processo n.º 636/99 I 1 - O representante do Ministério Público junto deste Tribunal veio, fundado no n.º 3 do artigo 283.º da Constituição e no artigo 82.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, solicitar que fosse apreciada e declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1.º do Decreto-Lei n.º 547/77, de 31 de Dezembro, e 1.º do Decreto-Lei n.º 19/79, de 10 de Fevereiro, já que esses normativos 'foram explicitamente julgados organicamente inconstitucionais, por violação do disposto na alínea o) do artigo 167.º, conjugado com o n.º 2 do artigo 168.º, ambos da versão originária da Constituição, pelos Acórdãos n.os 369/99, 370/99 [...] e pelo Acórdão n.º 473/99'.

Notificado o Primeiro-Ministro nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, veio o mesmo oferecer o merecimento dos autos.

Apresentado memorando, fixada a orientação do Tribunal e distribuído o processo em 2 de Fevereiro de 2000, cumpre formar a decisão.

II 2 - Por intermédio do Decreto-Lei n.º 44 158, de 17 de Janeiro de 1962, intentou-se, como aliás resulta do seu preâmbulo, 'prosseguir por todos os meios na luta contra a grave epizootia conhecida por peste suína africana' e, por isso, para fazer face à cobertura dos encargos com a luta contra a peste suína atípica vírus L (peste suína africana), incluindo indemnizações pelo abate e destruição dos animais (cf. seu artigo 5.º), foi criada uma 'taxa' destinada a tal fim, 'taxa' essa que veio a ser fixada em $0030 por quilograma de carne de porco abatida e importada para consumo no território metropolitano (cf. seu artigo 1.º), posteriormente vindo a ser aumentada para $0060 pelo Decreto-Lei n.º 667/76, de 5 de Agosto.

O valor da dita 'taxa' passou, porém, a ser fixado em 1$00 pela norma constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 547/77 e em 2$00 pela norma do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 19/79, sendo que a edição destes dois últimos diplomas legais foi levada a efeito pelo Governo no uso da sua competência legislativa própria e, assim, sem que tal órgão de soberania estivesse munido de autorização parlamentar.

3 - Dispunha-se na alínea o) do artigo 167.º da versão originária da Constituição que se incluía na reserva de 'exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre [...] [c]riação de impostos e sistema fiscal', permitindo-se, porém (n.º 1 do artigo 168.º), que o Parlamento autorizasse o Governo a emitir legislação sobre essa matéria [as disposições em causa passaram a ficar integradas, com a revisão constitucional de 1982, no artigo 168.º, n.º 1, alínea i), e, com a revisão constitucional de 1989, no artigo 167.º, n.º 1, alínea i)].

Após a Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, tal matéria foi integrada no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), que agora considera como sendo matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, legislar ..., salvo autorização ao Governo, a [c]riação de imposto e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas.

Perante estes parâmetros constitucionais, claro se depara que necessário se torna caracterizar devidamente a natureza do tributo criado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 44 158, e isso ponderando que se não pode, sem mais, considerar que da expressão 'taxa' ali utilizada deva resultar que tal expressão corresponde conceptualmente ao conceito jurídico de taxa.

E, efectivamente, assim foi equacionada a questão nos Acórdãos n.os 369/99, 370/99 e 473/99, cujos juízos decisórios levaram à formulação do presente pedido.

4 - Nesta postura e por comodidade, respigam-se do primeiro dos indicados arestos as seguintes considerações: '[...] A questão que o Tribunal tem de decidir é a de saber se o Governo, no momento em que editou os diplomas em questão, dispunha de competência legislativa para proceder ao aumento do valor da taxa da peste suína ou se, por se tratar de matéria relativa a impostos, necessitava de solicitar autorização legislativa à Assembleia da República para editar tal legislação.

O que equivale a perguntar qual a natureza da taxa da peste suína: tem ela a natureza de imposto ou de uma prestação que como tal deva ser tratada, ou de mera contraprestação de um serviço prestado.

Este Tribunal já disse que o sistema fiscal é um sistema de impostos, não incluindo as taxas ou quaisquer outros tributos. Escreveu-se, de facto, no Acórdão n.º 497/89 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14.º vol., p. 227), ''que o 'sistema fiscal' (cuja definição é uma das dimensões da reserva parlamentar em causa) seja um sistema de impostos (e não também de quaisquer outros tributos) eis do que não pode duvidar-se, inequívoco como é o significado daquela qualificação na nossa terminologia jurídica''.

[Esta ideia voltou a ser reafirmada nos Acórdãos n.os 268/97 e 500/97 (in Diário da República, 2.' série, de 22 de Maio de 1997, o primeiro, e o segundo in Diário da República, 2.' série, de 12 de Janeiro de 1998).] A doutrina também identificava geralmente o sistema fiscal com o sistema de impostos (pelo menos até à revisão constitucional de 1997), excluindo daquele sistema as taxas (cf., neste sentido, J. J. Teixeira Ribeiro, A Reforma Fiscal, Coimbra, 1989, p. 97, A. L. Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Coimbra...

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