Acórdão n.º 6/97, de 07 de Abril de 1997

Acórdão n.º 6/97 Processo n.º 41 706. - Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: O Ex. Procurador-Geral-Adjunto veio, nos termos do artigo 668.º do Código de Processo Penal de 1929, por considerar existir oposição de julgados sobre o mesmo ponto de direito e no domínio da mesma legislação, interpor recurso e requerer a fixação de jurisprudência quanto à matéria relativa ao problema de se saber se, no domínio da vigência desse Código e da sua legislação complementar, a disposição do seu artigo 391.º, na redacção do Decreto-Lei n.º 377/77, de 6 de Setembro, que determina que, requerida a instrução contraditória, caducam os efeitos do despacho de pronúncia, salvo quanto às medidas preventivas, compreende também, ou não, a interrupção da prescrição do procedimento criminal resultante da anterior prolação do despacho de pronúncia, nos termos do artigo 120.º, n.º 1, do Código Penal de 1982.Funda-se para o seu pedido nas circunstâncias de:

  1. No Acórdão deste Supremo de 27 de Maio de 1987, no processo n.º 38 823, já transitado, e daqui em diante designado por acórdão fundamento, se ter decidido que, requerida a instrução contraditória ao abrigo do n.º 2 do artigo 391.º do Código de Processo Penal de 1929, na redacção do Decreto-Lei n.º 377/77, caduca o efeito interruptivo da prescrição que ocorrera nos termos do artigo 120.º, n.º 1, do Código Penal de 1982; b) No Acórdão de 28 de Novembro de 1990, no processo n.º 41 468, também deste Supremo, e de ora em diante designado como acórdão recorrido, se ter decidido precisamente em sentido contrário, isto é, que, requerida a abertura de instrução contraditória ao abrigo do n.º 2 do artigo 391.º do Código de Processo Penal de 1929, na redacção do Decreto-Lei n.º 377/77, não caduca o efeito de interrupção da prescrição que ocorrera nos termos do artigo 120.º, n.º 1, do Código Penal de 1982.

    Foi proferido acórdão preliminar a julgar verificadas a invocada oposição de acórdãos e a respectiva prolação no domínio da mesma legislação e a mandar prosseguir os autos.

    Houve substituição, por diversas vezes, de relator, em virtude de se terem verificado sucessivos pedidos de aposentação, e, a final, também por o penúltimo relator ter ficado vencido quanto à solução preconizada.

    Só alegou o Ex. Procurador-Geral-Adjunto, a sustentar dever ser proferido acórdão uniformizador de jurisprudência, basicamente a manter a posição assumida pelo acórdão fundamento, e a propor, em alternativa, uma das seguintes redacções:

  2. O despacho proferido nos termos do artigo 390.º do Código de Processo Penal de 1929, designando dia para julgamento, não é um despacho equivalente ao de pronúncia, requerida e admitida que seja a instrução contraditória ao abrigo do n.º 2 do artigo 391.º daquele Código, pelo que não se verifica a interrupção da prescrição do procedimento criminal nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal de 1982; b) Na expressão 'caducam os efeitos do despacho proferido nos termos do artigo 390.º', consagrada no n.º 2 do artigo 391.º do Código de Processo Penal de 1929, abrange-se a caducidade do efeito interruptivo da prescrição do procedimento criminal consignado na alínea c) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal de 1982.

    Foram corridos os devidos vistos e procedeu-se ao julgamento com observância do adequado formalismo.

    Embora a decisão preliminar que julgou verificada a invocada oposição de acórdãos não faça caso julgado, por poder ser revista e reformulada na apreciação final, não pode deixar de se reconhecer que a mesma se mostra acertada, uma vez que não oferece a menor dúvida que os dois acórdãos em confronto, ao apreciarem o mesmo específico ponto de direito, se pronunciaram, no domínio da mesma legislação, em sentidos perfeitamente antagónicos.

    Por isso, cumpre apreciar o mérito da questão sobre a qual é pedida a uniformização de jurisprudência.

    O n.º 2 do artigo 391.º do Código de Processo Penal de 1929, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 377/77, de 6 de Setembro, determinava que, no prazo de cinco dias a contar da notificação do despacho que designasse dia para o julgamento, poderia ser requerida a instrução contraditória, caso em que caducavam os efeitos do despacho proferido nos termos do artigo 390.º (despacho de marcação de dia para julgamento, em função de uma acusação anterior), salvo no que tocasse às medidas preventivas fixadas, e que o processo seria remetido ao juízo de instrução criminal.

    Essa norma parecia ser totalmente nova no nosso direito, uma vez que as disposições anteriores relativas à abertura de instrução contraditória (artigos 326.º e seguintes do Código de 1929 e 24.º e 36.º do Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de Outubro de 1945) eram omissas quanto à generalidade dos efeitos processuais resultantes da apresentação do requerimento de abertura da instrução contraditória por parte do arguido, o que bem se compreende, porque a instrução contraditória era obrigatória em todos os processos de querela e era permitida nas restantes formas de processo, com excepção dos de transgressões e sumários, e porque, antes de 1972, a prática de qualquer acto judicial antes de ter decorrido a prescrição interrompia esta (§ 4.º do artigo 125.º do Código Penal de 1886).

    Com o Decreto-Lei n.º 184/72, de 31 de Maio, procedeu-se a uma concretização do conceito de acto judicial processual penal com natureza interruptiva da prescrição, que até então englobava todo e qualquer acto judicial, com excepção da simples emissão de mandados de captura (n.º 2 do mencionado § 4.º), e estabeleceu-se que aquele era apenas a acusação em juízo (e enquanto estivesse pendente o processo pelo respectivo crime), como resulta do n.º 1 daquele § 4.º do artigo 125.º do Código de 1886, introduzido por este último diploma (atente-se que por essa alteração legislativa ficou também definido um outro factor interruptivo, mas ligado à existência e pendência de uma questão prejudicial de natureza não penal).

    Por tal razão, começou a desenhar-se uma corrente doutrinária e jurisprudencial que defendia que a aludida redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 377/77 tinha o alcance de fazer caducar todos os efeitos, processuais ou não, atribuídos pela lei ao despacho de marcação de dia para o julgamento, e, nomeadamente, o efeito interruptivo da prescrição do procedimento criminal, corrente esta que veio a ser aquela que esteve na base do decidido pelo acórdão fundamento, por parecer ser esse o sentido literal dos termos da lei.

    Não se considera, no entanto, e salvo o devido respeito, que tal interpretação se mostre como a mais conforme à letra e ao espírito da lei, como se passa a demonstrar.

    Antes de mais, será necessário relembrar que, no domínio do Código de 1929, os processos se dividiam em três categorias com processamentos distintos: as querelas, em que haveria sempre lugar, obrigatoriamente, a instrução contraditória, os outros processos em que tal instrução podia ser requerida facultativamente e os processos em que ela nunca podia ser requerida.

    Ora, quanto às querelas, que eram, como é sabido, a forma mais solene, empregue para os crimes mais graves, seria inaplicável a doutrina do acórdão fundamento, uma vez que a previsão dos artigos em que ele se funda respeita apenas aos processos correccionais, dada a sua inserção nas regras próprias dessa forma processual (o capítulo III do seu título III), e que, naquelas, era obrigatória a abertura da instrução contraditória, o que tinha como consequência que o despacho de marcação do julgamento só pudesse ser proferido depois de finda essa mesma instrução e de transitado em julgado o despacho de pronúncia.

    Por outro lado, e como a lei expressamente havia consignado, na parte final do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 35 007, que era provisória a acusação a que se seguisse instrução contraditória, sempre foi entendimento uniforme, no período entre 1972 (Decreto-Lei n.º 184/72, já citado) e 1977 (Decreto-Lei n.º 377/77, também já referido, e que igualmente alterou o Código no sentido da simplificação das formas processuais, com a eliminação do processo de polícia correccional, e recondução de algumas das regras do processo correccional às do extinto processo de polícia correccional, nomeadamente as referentes à pronúncia), que o requerimento de abertura de instrução, em qualquer forma de processo em que ele era admissível, nunca pudesse ser, nem nunca tivesse sido, entendido como conducente a uma caducidade dos efeitos do despacho que tivesse anteriormente recebido a acusação, até porque tal não era viável em relação aos processos de querela, como acima ficou indicado.

    Ao mesmo tempo, quando, em 1977, foi publicado o mencionado Decreto-Lei n.º 377/77, já a doutrina e a filosofia (mas com clivagem nas posições jurisprudenciais) dos direitos penal e processual penal se haviam estabilizado no sentido de que a prescrição do procedimento criminal nos seus múltiplos aspectos e, nomeadamente, no da indicação dos diversos factores com natureza interruptiva ou suspensiva daquela era um instituto de direito substantivo e não de natureza adjectiva, contrariamente ao que poderia parecer em função da circunstância de os factores interruptivos terem vindo, desde 1929 e até 1972, a ser objecto de previsão no Código de Processo Penal e não no Código Penal (circunstância aquela que, como se sabe, chegou a originar a ideia de que a prescrição do procedimento criminal teria natureza processual, por se traduzir numa condição de procedibilidade, e deveria, assim, constar do Código de Processo Penal, ao passo que a prescrição da pena teria natureza substantiva, por respeitar a uma situação regulada pelo direito penal, e deveria, consequentemente, ser regulada pelo Código Penal).

    Foi aquela opção de enquadramento jurídico indicada em primeiro lugar, de resto, a que veio a ser consagrada no Código Penal de 1982 e mantida no de 1995, precisamente por, como se referiu, já estar fixada a posição doutrinária sobre o enquadramento...

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