Acórdão n.º 64/91, de 11 de Abril de 1991

Acórdão n.º 64/91 Processo n.º 117/91 Acordam no plenário do Tribunal Constitucional: I 1 - De harmonia com o disposto nos artigos 278.º, n.os 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa e 51.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, veio o Presidente da República requerer a apreciação preventiva de constitucionalidade de todas as normas do decreto n.º 302/V, da Assembleia da República, referente à 'autorização legislativa sobre o regime jurídico do trabalho de menores, das férias, do trabalho em comissão de serviço, do período experimental, da duração do trabalho e da cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador e de salários em atraso', face às dúvidas colocadas sobre a conformidade das mesmas normas com o disposto na alínea d) do n.º 5 do artigo 54.º, na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º na alínea d) do n.º 1 do artigo 59.º, no artigo 53.º e no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Tal decreto havia sido remetido para promulgação em 25 de Fevereiro de 1991.

A fundamentação aduzida pelo Presidente da República é a seguinte: O decreto n.º 302/V, da Assembleia da República, resultou da aprovação da proposta de lei n.º 176/V, a qual, por seu turno, reflecte o resultado de um processo de negociações, em sede do Conselho Permanente de Concertação Social, que conduziu à assinatura, em 19 de Outubro de 1990, do Acordo Económico e Social.

Na exposição de motivos que acompanha a proposta de lei e na intervenção inicial do Ministro do Emprego e da Segurança Social no debate parlamentar existem referências ao consenso obtido entre o Governo e os parceiros sociais subscritores do Acordo no sentido da conveniência da subcomissão da matéria relativa à cessação do trabalho por inadaptação a fiscalização preventiva de constitucionalidade, invocada expressão de uma postura democrática, não só por revelar respeito pelos parceiros sociais que suscitaram dúvidas na matéria, mas também pela segurança susceptível de ser obtida por uma decisão judicial de carácter definitivo. Igualmente os Partidos Socialista e Comunista e a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional exprimiram publicamente dúvidas de constitucionalidade, solicitando a intervenção do Presidente da República.

Embora discordando 'da ideia de atribuir efeitos obrigatórios gerais e definitivos a eventuais decisões negativas do Tribunal Constitucional', o Presidente da República refere ter optado pela apreciação preventiva da constitucionalidade de todas as normas do diploma, 'tendo em conta a natureza e a importância das matérias em questão e a necessidade de ser aprofundada a doutrina que emana do Acórdão n.º 107/88 do Tribunal Constitucional'.

Começa a entidade requerente por manifestar a dúvida sobre 'a correcção do procedimento legislativo que conduziu à aprovação do decreto da Assembleia da República acima identificado', em virtude de não ter sido submetido a apreciação pública prévia, nos termos dos artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, não obstante se tratar de legislação do trabalho e de se poder entender que o disposto naquelas normas constitucionais é aplicável mesmo ao caso de propostas de lei de autorização legislativa.

Considerando já o conteúdo do diploma, entende o Presidente da República que podem suscitar-se dúvidas quanto à constitucionalidade da parte final da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º, visto aí se prever a admissibilidade de renúncia a uma parte de um direito irrenunciável [o direito a férias, contemplado na alínea d) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição]. É que em caso de encerramento total ou parcial das empresas ou estabelecimentos por tempo inferior ao tempo de férias a que o trabalhador tenha direito, é conferida a este a possibilidade de optar por gozar as férias do período excedente ao do encerramento ou, então, por receber a retribuição e o subsídio de férias correspondentes à diferença, desde que assegurado o gozo efectivo de 15 dias úteis de férias.

No que toca à alínea f) do n.º 2 do artigo 2.º, as dúvidas de constitucionalidade referem-se à permissão concedida à entidade empregadora de, unilateralmente, determinar a antecipação do gozo de férias pelo trabalhador para momento imediatamente anterior à data prevista para a cessação do contrato, nos casos em que esteja sujeita tal cessação a aviso prévio. Tal decisão unilateral do empregador é contrária às legítimas expectativas do trabalhador, podendo levar à inutilização ou frustração do direito a férias, 'entendido como direito a um período mínimo de interrupção do quotidiano da vida e do trabalho, segundo um programa pessoal ou familiarmente estabelecido com um mínimo de antecedência'. Põe-se, assim, a dúvida sobre a eventual violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição.

A parte final do segundo parágrafo da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º estabelece um regime legal mínimo embora supletivo, relativamente a algumas matérias atinentes à prestação de trabalho em comissão de serviço. Essa norma possibilita que o trabalhador veja extinto o próprio contrato de trabalho com a cessação da comissão de serviço, circunstância que autoriza dúvidas sobre o acatamento do princípio da proibição da cessação do contrato de trabalho sem justa causa: o 'consentimento prévio pelo trabalhor da possibilidade de despedimento por mero efeito de cessação da comissão de serviço pode constituir disposição de direitos irrenunciáveis do trabalhador e a sua convenção pelas partes pode constituir a derrogação de normas inderrogáveis, parecendo violar-se o disposto no artigo 53.º da Constituição - que garante a segurança no emprego'.

A alínea a) do n.º 4 do artigo 2.º (norma que possibilita a existência de períodos experimentais diferenciados em função da dimensão das empresas) é susceptível de padecer de inconstitucionalidade, por ofensa do princípio de igualdade, do artigo 18.º, n.º 2, e do artigo 53.º da lei fundamental.

Finalmente, o Presidente da República suscita dúvidas sobre a constitucionalidade das normas das alíneas a) e c) do n.º 6 do artigo 2.º, as quais enunciam genericamente as medidas a adoptar relativamente à cessação do contrato por inadaptação do trabalhador. Tais normas poderão, por falta ou insuficiência do princípio da tipicidade, não respeitar o princípio da proibição do excesso e atentar contra a garantia da segurança do emprego, violando eventualmente o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 53.º da Constituição.

2 - Em obediência ao disposto no artigo 54.º da Lei n.º 28/82, foi notificado o Presidente da Assembleia da República para se pronunciar, querendo, sobre o pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade. Na sua resposta, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos, juntando exemplares do Diário da Assembleia da República relativos à discussão e aprovação da proposta de lei n.º 176/V.

3 - Concluída a análise do memorando apresentado, ocorreu mudança de relator.

II 4 - Preliminarmente, importa abordar algumas questões que condicionam, total ou parcialmente, o conhecimento das dúvidas de constitucionalidade suscitadas no pedido do Presidente da República.

5 - Deverá começar por sublinhar-se que a entidade requerente afirma, de forma expressa e inequívoca, que solicita a fiscalização preventiva de constitucionalidade de 'todas as normas do decreto da Assembleia da República n.º 302/V' (fl. 2), afirmação que é repetida duas vezes (a fl. 3 e na conclusão do requerimento a fl. 6). Há, assim, que precisar o objecto do processo.

Verifica-se, porém, que, além das 'dúvidas sobre a correcção do procedimento legislativo que conduziu à aprovação do decreto da Assembleia da República' [dúvidas que resultam de não ter sido sujeita a apreciação pública prévia a proposta de diploma, de harmonia com o disposto na alínea d) do n.º 5 do artigo 54.º e alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º da Constituição], o Presidente da República põe em causa, apenas, seis normas do articulado [artigo 2.º, n.º 2, alínea c), parte final; alínea f) do n.º 2 do mesmo artigo; parte final do segundo parágrafo da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º; alínea a) do n.º 4 do mesmo artigo, e, por último, alíneas a) e c) do n.º 6 do artigo em causa].

Por outro lado, analisando o conteúdo do decreto, alcança-se que o diploma contém três artigos. No artigo 1.º concede-se autorização ao Governo para 'legislar em matéria de trabalho de menores, trabalho em regime de comissão de serviço, período experimental, duração e organização do tempo de trabalho, de cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador e de salários em atraso', podendo revogar, em consequência, normas de seis diplomas legais aí identificados. No artigo 2.º estabelecem-se os princípios fundamentais em que assentará a legislação a editar pelo Governo nos domínios indicados no artigo anterior. Por último, o artigo 3.º determina que a autorização legislativa terá a duração de 90 dias.

O artigo 2.º do decreto n.º 302/V estende-se por oito números, onde se indicam os sucessivos princípios fundamentais da futura legislação autorizada: o n.º 1, referente ao trabalho de menores, contém 12 alíneas, nenhuma das quais é objecto de dúvidas de constitucionalidade expressas pela entidade requerente; o n.º 2, relativo à matéria de férias, contém seis alíneas, duas das quais são objecto do pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade [alíneas c) e f)]; o n.º 3, respeitante ao regime de trabalho em comissão de serviço, abrange cinco alíneas, das quais apenas uma é objecto de pedido de apreciação de constitucionalidade [alínea d)]; o n.º 4 contém os princípios fundamentais sobre período experimental de trabalho em duas alíneas sendo suscitadas dúvidas de constitucionalidade apenas quanto à primeira; o n.º 5 refere-se ao regime de duração do tempo de trabalho, contendo 10 alíneas, nenhuma das quais é especificamente questionada no pedido do Presidente da República; o n.º 6, que diz respeito à cessação do...

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