Acórdão n.º 320/89, de 04 de Abril de 1989

Acórdão n.º 320/89 Processo n.º 72/89 Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional: 1 Relatório O Presidente da República (PR) requereu ao Tribunal Constitucional (TC), nos termos dos artigos 278.º, n.os 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), a apreciação preventiva da constitucionalidade das normas do Decreto n.º 127/V da Assembleia da República, recebido em 10 de Março na Presidência da República para efeito de promulgação, o qual contém alterações à Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu (Lei n.º 14/87, de 29 de Abril).

O pedido vem fundamentado nos seguintes termos: Suscitam-se dúvidas sobre qual a maioria parlamentar necessária - simples ou qualificada - para a aprovação de um decreto que tenha sido objecto de não promulgação nos termos do artigo 139.º, n.º 1, da Constituição da República.

No caso vertente, o diploma em apreço, apesar de modificado, não foi substituído por um texto resultante de nova iniciativa legislativa. Pode, pois, pôr-se a dúvida sobre se o decreto é o mesmo, tendo em conta a redacção do artigo 165.º, n.º 3, do Regimento da Assembleia da República. Ora, a entender-se pela positiva, ter-se-ia de pôr o problema da aplicação da alínea g) do n.º 3 do artigo 139.º da lei fundamental - uma vez que nos encontramos perante a regulamentação de actos eleitorais -, segundo o qual a maioria de confirmação terá de ser de dois terços.

A eleição para o Parlamento Europeu não se encontra referida expressamente na Constituição da República, uma vez que a última revisão da lei fundamental se operou antes da assinatura de Portugal dos tratados relativos às Comunidades Europeias. Todavia, há uma lógica de conjunto no tratamento constitucional do direito eleitoral (máxime o artigo 116.º da Constituição) que parece apontar no sentido da integração analógica, que leva à aplicação à situação em apreço da alínea g) do n.º 3 do artigo 139.º da Constituição.

Para o PR, a dúvida colocada sobre a conformidade de todas as normas do mencionado Decreto n.º 127/V com o disposto na alínea g) do n.º 3 do artigo 139.º da CRP poderá 'configurar uma inconstitucionalidade formal, por vício de procedimento'.

Invocando estar em causa um 'diploma essencial à disciplina do acto eleitoral para o Parlamento Europeu e verificando-se a necessidade de proceder à marcação da data das eleições com a antecedência mínima de 75 dias', o PR fixou, ao abrigo do n.º 4 do artigo 278.º da CRP, o prazo de cinco dias para o TC se pronunciar sobre o pedido.

Juntou cópia do Decreto n.º 127/V da Assembleia da República - 'Alteração à Lei n.º 14/87, de 29 de Abril' (tal é a rubrica do diploma) -, bem como do ofício do Presidente da AR a enviar tal decreto 'reapreciado e aprovado com alterações em 15 de Fevereiro de 1989'.

Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da Lei n.º 28/82, veio o Presidente da AR a oferecer o merecimento dos autos, fazendo juntar um exemplar do Diário da Assembleia da República, 1.' série, n.º 39, de 16 de Fevereiro de 1989, referente à reunião de 15 de Fevereiro, em que se procedeu à reapreciação do Decreto n.º 127/V, aprovado em 20 de Dezembro de 1988, e que foi objecto de veto do PR, tendo-se procedido à sua discussão e votação na generalidade e à discussão e votação na especialidade, e votação final global de uma proposta de substituição do texto do citado decreto.

Cumpre apreciar e decidir.

2 Fundamentação 2.1 - Processo de formação das normas do Decreto n.º 127/V da AR.

Para apreciar e decidir a questão de constitucionalidade suscitada no pedido e outras que o Tribunal venha a entender necessário considerar - é preciso ter em conta o processo de formação do decreto cujas normas são postas em causa.

O ponto decisivo da questão, tal como ela é posta no requerimento do PR, consiste em que o Decreto n.º 127/V da AR reedita, embora com alterações, um decreto com o mesmo número e idêntico objecto, anteriormente vetado pelo PR, nos termos do artigo 139.º, n.º 1, da Constituição, tendo o diploma sido novamente aprovado, com alterações, no contexto do processo de confirmação constitucionalmente previsto para o caso do veto.

Importa descrever sucintamente o processo desde o seu início.

Em 20 de Dezembro de 1988, a AR aprovou, por maioria, o decreto que viria a ter o n.º 127/V, contendo alterações à Lei n.º 14/87, de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu). Era o seguinte o seu texto: A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea d), e 169.º, n.º 2, da Constituição, o seguinte: Artigo único. Os artigos 3.º, 5.º e 6.º da Lei n.º 14/87, de 29 de Abril, passam a ter a redacção seguinte: Artigo 3.º Capacidade eleitoral activa 1 - Gozam de capacidade eleitoral activa nas eleições de deputados ao Parlamento Europeu os cidadãos portugueses recenseados no território nacional ou no território de qualquer outro Estado membro das Comunidades Europeias.

2 - Gozam ainda de capacidade eleitoral activa os cidadãos portugueses recenseados em Estados não pertencentes às Comunidades Europeias, desde que nascidos em território nacional ou que sejam filhos de progenitor português que ao tempo do nascimento se encontrasse em serviço do Estado Português no estrangeiro.

3 - Os eleitores mencionados na parte final do n.º 1 e no número anterior deste preceito exercem o direito de voto por correspondência, nos termos da legislação eleitoral aplicável à eleição de deputados à Assembleia da República, com as necessárias adaptações.

Artigo 5.º Inelegibilidades São inelegíveis para o Parlamento Europeu: a) Os cidadãos abrangidos por qualquer inelegibilidade prevista em normas comunitáriasaplicáveis; b) Os cidadãos abrangidos por qualquer das inelegibilidades gerais previstas na legislação aplicável à eleição de deputados à Assembleia da República.

Artigo 6.º Incompatibilidades O exercício do mandato de deputado ao Parlamento Europeu é incompatível: a) Com as qualidades referidas no n.º 1 do artigo 6.º do acto comunitário de 20 de Setembro de 1976, bem como em quaisquer outras disposições comunitárias em vigor; b) Com o desempenho efectivo dos cargos a que se referem as inelegibilidades previstas no artigo anterior; c) Com o desempenho efectivo dos cargos de membro do Governo, de órgãos de governo próprio das regiões autónomas, do Governo ou da Assembleia Legislativa de Macau, de governador civil e de juiz do Tribunal Constitucional.

(Diário da Assembleia da República, 2.' série, n.º 13, de 6 de Janeiro de 1989.) Tal decreto não foi, porém, promulgado pelo PR, o qual, em 26 de Janeiro, em mensagem dirigida à AR, justificou assim o veto, pedindo nova apreciação do assunto: Venho, no exercício das competências que me são atribuídas pelo artigo 139.º, n.º 1, da Constituição da República, devolver, para nova apreciação dessa Assembleia, o Decreto n.º 127/V sobre 'Alteração à Lei n.º 14/87, de 29 de Abril - Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu'.

[...] [...] Permito[-me] chamar a atenção da Assembleia da República para o texto legislativo em referência e, sobretudo, para a oportunidade em que me é apresentado, a menos de cinco meses das eleições para o Parlamento Europeu, que, como se sabe, terão lugar em Junho próximo.

Apesar de várias tentativas para encontrar um processo uniforme, entre os Estados membros, para a eleição dos deputados para o Parlamento Europeu, por sufrágio directo e universal, isso até agora não foi conseguido. É, todavia, uma preocupação que subsiste entre os Estados membros da Comunidade Europeia, o que nos obriga, ao legislar sobre tal matéria, a ter em conta essa tendênciauniformizadora.

Por outro lado, em toda a parte, a alteração das leis em matéria eleitoral reveste-se sempre de um especial cuidado, importância e significado.

Com efeito, trata-se de definir regras fundamentais que vão ter repercussão na expressão da vontade popular manifestada por sufrágio. É, por isso, sempre desejável, independentemente das soluções adoptadas, procurar encontrar o máximo consenso possível neste domínio, a fim de que os diversos pontos de vista possam ser hamonizados, através da consagração de soluções que a todos pareçam equilibradas e equitativas. A legislação eleitoral deve, assim, exigir um especial esforço de diálogo que permita uma autêntica confluência devontades.

Ora, o decreto da Assembleia da República em apreço apenas recolheu os votos favoráveis dos deputados do Partido Social-Democrata, não parecendo terem sido esgotadas todas as possibilidades de encontro de uma solução maisconsensual.

É certo que a Constituição da República não obriga a uma maioria qualificada para a adopção de um decreto como o que está agora em causa. Todavia, usa de especiais cuidados, designadamente quanto à exigência de uma maioria parlamentar qualificada no caso de não promulgação pelo Presidente da República [artigo 139.º, n.º 3, alínea g)]. Isto, no sentido de assegurar que os mecanismos da legitimação do poder político e de escolha dos representantes dos cidadãos espelhem de forma consensual os diversos pontos de vista em presença.

Cabe ao Presidente da República, como garante do regular funcionamento das instituições democráticas, contribuir para que o regime eleitoral seja um factor de unidade, e não de divisão, por forma que se fortaleça - e não possa nunca ser posta em causa - a legitimidade democrática.

Acrescem duas circunstâncias que aconselham ainda alguma ponderação nesta matéria: estar em curso o processo de revisão constitucional, que poderá, eventualmente, ter repercussões no caso em apreço; a modificação da lei eleitoral aplicar-se a eleições que terão lugar a curtos meses de vista, quando a doutrina e a ética democrática consideram contra-indicado introduzir alterações em leis eleitorais em vésperas de eleições. É certo, quanto a este último ponto, que o processo legislativo começou há muitos meses na Assembleia da República. Mas a verdade é que o novo...

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