Acórdão n.º 184/89, de 09 de Março de 1989

Acórdão n.º 184/89 Processo n.º 201/86 1 - Um grupo de 27 deputados à Assembleia da República, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, requereu a este Tribunal, em 4 de Agosto de 1986, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do Regulamento da Aplicação ao Território Nacional do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 44/86, publicada no Diário da República, 1.' série, n.º 128, de 5 de Junho de 1986.

A inconstitucionalidade foi baseada em três ordens de considerações:

  1. Versando matérias fulcralmente atinentes ao estatuto das autarquias locais, inclui [o referido Regulamento] disposições sobre finanças locais que se inserem na área de reserva de competência legislativa da Assembleia da República, em violação do disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea r), da Constituição; b) O diploma, representando o exercício de funções legislativas, só poderia, na parte pertinente, ser emitido nos termos do artigo 201.º, não podendo revestir a forma de resolução, violando ademais o disposto no artigo 115.º da Constituição; c) Regulamentando a competência dos governos das regiões autónomas e a competência dos departamentos técnicos das regiões autónomas (artigos 33.º e 35.º), a resolução e Regulamento anexo violam o disposto nos artigos 164.º, alínea b), e 229.º, alíneas d) e j), da Constituição.

    Notificado o Governo para se pronunciar sobre o pedido, nos termos do artigo 54.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, ofereceu o Primeiro-Ministro a resposta a fl. 12, onde se concluiu 'não ofender o diploma em apreço qualquer das disposições da Constituição da República'.

    Com essa resposta foram juntos dois pareceres (fls. 17 e 33).

    Já depois de distribuído o processo, ordenou o relator que os requerentes especificassem: 1.º As normas do Regulamento que violam o artigo 168.º, n.º 1, alínea r), da Constituição; 2.º As normas que violam o artigo 201.º, bem como o artigo 115.º da Constituição; 3.º O número do artigo 115.º que é violado.

    Em cumprimento do respectivo despacho, vieram os requerentes, representados pelo presidente daquele grupo parlamentar, esclarecer o seguinte: 1.º Por 'atinentes ao poder local', só a Assembleia da República podia legislar sobre as matérias dos artigos 3.º, 6.º, 9.º, n.os 1 e 2, 10.º, alínea d), 12.º, n.º 1, alínea c), 14.º, 15.º, 16.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, alínea c), e 28.º, n.º 4, do Regulamento, que assim são inconstitucionais por ofensa do artigo 168.º, n.º 1, alínea r), da Constituição; 2.º As restantes normas, com excepção das constantes do capítulo IX, são inconstitucionais por ofensa do artigo 201.º, bem como dos n.os 6 e 7 do artigo 115.º da Constituição, já que, versando matérias da competência do Governo, não podia todavia este emiti-las sob a forma de regulamento.

    Ouvido sobre o respectivo requerimento, o Governo, por intermédio do Primeiro-Ministro, reiterou a sua posição inicial, oferecendo em apoio dela as 'Observações' a fl. 56, assinadas pelo autor do parecer de fl. 17.

    Cumpre decidir.

    2.1 - O Regulamento da Aplicação ao Território Nacional do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), publicado em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 44/86 no Diário da República, 1.' série, n.º 128, de 5 de Junho de 1986 (rectificada no mesmo Diário da República, 1.' série, n.º 147, de 30 do mesmo mês), e 'dela fazendo parte integrante', foi aprovado pelo referido Conselho em reunião de 24 de Abril de 1986.

    Diz-se nessa resolução: Com a adesão de Portugal às Comunidades o nosso país passou a ter acesso a novos instrumentos que, se correctamente aplicados, poderão proporcionar um ritmo de desenvolvimento que nos aproximará dos países mais desenvolvidos da Comunidade.

    De entre esses novos instrumentos assumem especial relevância os respeitantes aos fundos estruturais. Caberá a Portugal saber organizar-se de tal modo que possa maximizar a utilização dos recursos provenientes daquelesfundos.

    Por um lado, há que definir regras e competências de tal modo que a cada momento cada um saiba como proceder. Por outro lado, há que garantir a compatibilização interna das acções que em Portugal vão ser levadas a cabo através da utilização destes novos instrumentos comunitários.

    A Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/86, de 29 de Janeiro, e a presente regulamentação, que surge na sua sequência, vêm permitir a adopção de uma prática transparente e responsabilizada no seio da AdministraçãoPública.

    Com efeito, trata-se de regular a aplicação do FEDER em Portugal, desde a fase de identificação de programas e projectos susceptíveis de virem a ser financiados por aquele Fundo até ao processo de pagamentos, passando por todas as fases intermédias, incluindo as que respeitam a critérios decisionais.

    Na preparação desta regulamentação teve-se em atenção, por um lado, as disposições comunitárias vigentes e, por outro lado, a preocupação de rentabilizar os departamentos administrativos existentes, não se caindo na tentação de criar um novo organismo.

    2.2 - Estando as normas constantes de regulamentos (regulamentos do Governo ou outros) sujeitas ao controlo de constitucionalidade - nesse sentido, v. g., Prof. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. II, 2.' ed., 1983, n.os 86 e 87, Prof. José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4.' ed., 1986, parte III, capítulo 5, C), III, 2 (5), J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.' ed., 2.º vol., 1985, parte IV 'Garantia e revisão da Constituição', nota prévia, n.º 2.4.2.1, f), Prof. Afonso Rodrigues Queiró, 'Teoria dos regulamentos', na Revista de Direito e de Estudos Sociais, anos XXVII, p. 1, e XXVIII (I da 2.' série), 1986, p. 5, 2.' parte, n.º 11 -, poderia duvidar-se da sujeição a esse mesmo controlo das normas do Regulamento em questão, por este ter sido publicado em 'anexo' a uma resolução do Conselho de Ministros, 'dela fazendo parte integrante'.

    Diz, na verdade, o Prof. Canotilho, citado Direito Constitucional, parte III capítulo IV, G), 2.2, ao tratar das estruturas normativas: Uma outra característica das resoluções - e que levanta problemas graves reside no facto de elas não estarem sujeitas ao controlo jurisdicional. Esta característica fundamenta-se, geralmente, no princípio da separação de poderes e na ideia de as resoluções constituírem um acto puramente interno do órgão de soberania que as adopta. Desta forma, embora se não negue a necessária conformação das resoluções com a Constituição e com a lei, evita-se submetê-las ao controlo de constitucionalidade e de legalidade.

    Mas logo acrescenta: Nestes casos [resoluções da Assembleia da República e das assembleias regionais], é discutível se não se deverá ultrapassar a tese clássica da não justicialidade das resoluções e submetê-las ao controlo exigido quer pelo princípio da constitucionalidade quer pelo princípio da legalidade da Administração. A exigência da publicação, no Diário da República, das resoluções [cf. artigo 122.º, n.º 1, alínea e), na redacção que lhe foi dada pela Lei Constitucional n.º 1/82] vem facilitar este entendimento.

    E mais adiante, no lugar citado em primeiro lugar, ao indicar o catálogo dos actos normativos sujeitos a controlo, é peremptório ao dizer: Os actos normativos editados pela Administração no exercício de funções administrativas podem constituir o objecto de controlo da constitucionalidade.

    Incluem-se aqui todos os actos regulamentares típicos, qualquer que seja a entidade de que emanem (Estado, regiões autónomas, autarquias locais), bem como os actos para-regulamentares (resoluções, instruções, directivas, despachos), desde que preencham as características de norma jurídica nos termos atrás referidos [...] A favor da justicialidade das resoluções (do Conselho de Ministros) pronuncia-se J. M. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, I, 1982, n.º7.9.2: Sobre a utilização desta forma [resoluções] para a elaboração de regulamentos do Governo - escreve este autor - têm-se levantado algumas dúvidas, quer na doutrina, quer na jurisprudência.

    E mais adiante: A nós afigura-se-nos que estas dúvidas podem ser respondidas em termos claramente afirmativos, sobretudo após a publicação da Lei n.º 8/77, de 1 de Fevereiro, que deu aos artigos 3.º e 6.º da Lei n.º 3/76 uma redacção donde resulta que a forma de resolução do Conselho de Ministros pode revestir actos materialmente regulamentares e portanto normativos: segundo a nova redacção, a alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 3/76 fala de resoluções tomadas em execução da lei.

    Inclina-se para a mesma opinião Vitalino Canas, Introdução às Decisões de Provimento do Tribunal Constitucional, 1984, n.º 22, quando, ao tratar do objecto da fiscalização abstracta sucessiva, escreve: Fica, não obstante, a posição de princípio: também algumas resoluções, se quanto a elas se levantarem dúvidas sobre a sua conformidade com a Constituição, poderão ser submetidas a controlo da constitucionalidade, ainda que só muito raramente venha a (ou possa) acontecer.

    Finalmente, este Tribunal já entendeu, no Acórdão n.º 42/85, de 12 de Março (no Diário da República, 1.' série, n.º 80, de 6 de Abril de 1985), que 'as resoluções deverão submeter-se a juízos de inconstitucionalidade ou de ilegalidade sempre que sejam de natureza normativa'.

    Não obsta, pois, ao conhecimento do pedido a circunstância de o Regulamento em questão fazer 'parte integrante' de uma resolução do Conselho de Ministros.

    3.1 - Segundo se lê no seu artigo 1.º, estabelecem-se no Regulamento da Aplicação ao Território Nacional do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) as regras e os procedimentos a adoptar pelos diferentes níveis da Administração para a plena execução, em Portugal, do Regulamento do FEDER e das demais normas comunitárias com o mesmo relacionadas.

    O Fundo Europeu de...

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