Acórdão n.º 266/87, de 28 de Agosto de 1987

Acórdão n.º 266/87 Processo n.º 78/86 Acordam no Tribunal Constitucional (T. Const.): I - A questão. - 1 - O procurador-geral da República-adjunto em exercício no T.

Const., por delegação do procurador-geral da República, veio requerer, ao abrigo do disposto nos artigos 281.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 82.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a declaração, com força obrigatória geral, da 'inconstitucionalidade das normas do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 356/79, de 31 de Agosto, bem como do Decreto-Lei n.º 10-A/80, de 18 de Fevereiro', com o fundamento de que tais normas já foram julgadas inconstitucionais orgânica e materialmente nos Acórdãos n.os 109/85 (processo n.º 117/84, Diário da República, 2.' série, de 10 de Setembro de 1985), 190/85 (processo n.º 166/84, Diário da República, 2.' série, de 10 de Fevereiro de 1986) e 78/86 (processo n.º 23/84, Diário da República, 2.' série, de 14 de Junho de 1986).

O requerimento foi instruído, em conformidade com o legalmente disposto sobre o processo aplicável à repetição do julgado, com cópias das correspondentesdecisões.

2 - Em cumprimento do disposto no artigo 54.º da Lei n.º 28/82, foi notificado o Governo, órgão de que dimanaram as normas impugnadas, para, querendo, se pronunciar sobre o pedido, nada, porém, em tempo útil, vindo a aduzir.

Cabe agora apreciar e decidir.

Todavia, considerando que a situação jurídico-normativa informadora do pedido se reveste de alguma complexidade, especialmente adveniente da sucessão temporal das normas a sindicar e outrossim das alterações entretanto introduzidas no texto constitucional pela revisão de 1982, cumpre proceder liminarmente a uma esquemática delimitação das questões a considerar nos desenvolvimentosulteriores.

II - Enquadramento temático. - 1 - Nos acórdãos que serviram de suporte ao pedido julgaram-se inconstitucionais as normas dos artigos 1.º do Decreto-Lei n.º 356/79 e 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 10-A/80.

Em conformidade com o disposto nos artigos 281.º, n.º 2, da CRP e 82.º da Lei n.º 28/82, o pedido de declaração de inconstitucionalidade ali previsto terá por objecto norma ou normas já julgadas inconstitucionais em três casos concretos pelo próprio T. Const. Porque nos arestos citados o juízo de inconstitucionalidade sobre a norma do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 356/79 se limitou sempre ao segundo estádio da sua vigência, isto é, ao período temporal posterior à produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/80, poderia agora colocar-se a questão de saber se na indagação ulterior deve ou não ser compreendida a primeira fase em que aquela norma vigorou.

A resposta há-de seguramente ser de sinal positivo.

Na verdade, a fiscalização abstracta de constitucionalidade refere-se a normas e, no caso especial dos artigos 281.º, n.º 2, da CRP e 82.º da Lei n.º 28/82, tem por força de coincidir com o campo concretamente definido, a esse nível, nos acórdãos que constituíram o pressuposto da respectiva fiscalização abastracta.

Nesta perspectiva é de apreciar efectivamente, e por referência à CRP, a validade da norma do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 356/79, quer no primeiro momento, quer no segundo momento da sua vigência, pois que em qualquer desses momentos estará sempre em causa uma só e mesma norma. Uma limitação de ordem temporal no exame da norma em causa constituiria algo de incongruente com o sistema de fiscalização abastracta, que visa a expurgação do sistema jurídico, e em toda a dimensão, das normas que conflituem com a CRP (problema diferente seria o da exclusão desse conhecimento relativamente à primeira fase da vigência do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 356/79 por razões de pura inutilidade, problema que não se vê motivo para aqui ser colocado).

Pouco importa assim que aqueles acórdãos se tenham quedado, por implicação dos próprios casos a decidir, pelo julgamento da norma do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 356/79 apenas na segunda fase da sua vigência.

Neste processo, e sem restrições de ordem temporal, há, pois, que apreciar e decidir se as normas dos artigos 1.º do Decreto-Lei n.º 356/79 e 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 10-A/80 - que os mencionados arestos do T. Const.

entenderam infringirem o disposto nos artigos 17.º, 18.º, 167.º, alínea c), e 269.º, n.º 2, da CRP, na sua versão originária - são ou não inconstitucionais.

No campo da motivação interessa recordar, porém, o princípio contido no artigo 51.º, n.º 5, da Lei n.º 28/82, segundo o qual o T. Const., ao declarar a inconstitucionalidade de normas cuja apreciação lhe tenha sido requerida, pode fazê-lo com fundamentação na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada. E, porque este princípio se insere na secção onde se compendiam as disposições comuns aos diversos tipos de processos de fiscalização abstracta, dúvidas não pode haver de que ele vale também para a espécie processual em particular aqui considerada.

Vale isto por dizer que in casu é possível declarar a inconstitucionalidade das normas em causa em função de normas ou princípios constitucionais diversos dos constantes na motivação contida nos acórdãos que serviram de base ao pedido, o qual, aliás, cumpre assinalar, no plano da fundamentação nada acrescentou à desenvolvida naqueles arestos.

De outro lado, pode também afirmar-se que, não obstante os julgamentos preferidos em sede de fiscalização concreta terem aferido a legitimidade constitucional das normas controvertidas sempre à luz da versão originária da Constituição, nenhum obstáculo impede que esse aferimento possa agora também ter por padrão de medida o texto constitucional ora vigente.

2 - Isto dito, importa passar a averiguar se as referidas normas dos artigos 1.º do Decreto-Lei n.º 356/79 e 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 10-A/80 violam os preceitos constitucionais invocados nos já referidos Acórdãos n.os 109/85, 190/85 e 78/86 ou quaisquer outros, mesmo que apenas inscritos na actual versão do texto constitucional.

Tendo em conta que o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10-A/80 dispõe expressamente que 'o presente diploma entra em vigor na data da sua publicação', deve deixar-se desde já assinalado que, atento o seu conteúdo meramente instrumental, qualquer eventual declaração de inconstitucionalidade de que possa vir a ser objecto há-de resultar reflexa e consequencialmente da norma do artigo 1.º do mesmo diploma.

Por conseguinte, a exposição subsequente, no plano imediato, vai centrar-se na averiguação da legitimidade constitucional da norma do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 356/79, no duplo período da sua vigência, e da norma do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 10-A/80.

Se for caso disso, projectar-se-á a eventual inconstitucionalidade desta última norma sobre o artigo 2.º do mesmo diploma.

3 - Para uma rigorosa percepção do enquadramento temático que se vem intentando alcançar, impõe-se agora traçar um breve esforço sobre a evolução do nosso ordenamento jurídico do regime legal da fundamentação do acto administrativo, nele situando os Decretos-Leis n.os 356/79 e 10-A/80.

Vejamos então.

Não existia no direito administrativo português até à publicação do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, qualquer preceito de aplicação geral que impusesse à Administração o dever de fundamentar, e daí a aplicação pela nossa jurisprudência do princípio pas de motivation sans texte.

Todavia, a protecção dos arguidos em processo disciplinar e a dos administrados em relação à amplificação dimensional e potencial dos poderes públicos impuseram a consagração legal da obrigação de fundamentar certos tipos de actos, tais como decisões proferidas em processos disciplinares e em sede de direito do urbanismo (cf. José Osvaldo Gomes, Fundamentação do Acto Administrativo, 2.' edição, pp. 37 e seguintes).

Depois de assinalar a inexistência da obrigação de fundamentar, Marcelo Caetano considerava como regra o dever de motivar os despachos lançados sobre pareceres de órgãos consultivos quando discordem das propostas nestes formuladas, visto esses pareceres constituírem uma fundamentação que importa substituir quando não seja aceite (cf. Manual de Direito Administrativo, título I, 1.' edição, Rio de Janeiro, pp. 435 e seguintes).

O Decreto-Lei n.º 256-A/77 veio alterar significativamente este quadro legal, reforçando de modo expressivo as garantias de legalidade administrativa e dos direitos individuais perante a Administração Pública.

Depois de no preâmbulo se evidenciar que a falta de fundamentação das decisões da Administração dificulta muitas vezes a sua impugnação, ou sequer uma opção consciente entre a aceitação da sua legalidade e a justificação de um recurso contencioso, enumeram-se no artigo 1.º os actos administrativos para os quais se exige fundamentação, a qual, como do mesmo preceito se extrai, 'deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que, neste caso, constituirão parte integrante do respectivo acto' (cf. n.º 2 do artigo 1.º).

De outro lado, adverte-se no n.º 3 do mesmo normativo que 'é equivalente à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto'.

O ordenamento legal estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 256-A/77, nomeadamente no seu artigo 1.º, foi entretanto objecto de explicitação concretizada pelo Decreto-Lei n.º 356/79.

Por ser essencial à compreensão e apreciação da matéria em análise, deixa-se de seguida transcrita parte do preâmbulo deste diploma.

Assim: 'Importa, no entanto, explicitar o alcance do artigo 1.º do supracitado Decreto-Lei n.º 256-A/77, a fim de pôr cobro a dúvidas surgidas na sua aplicação, designadamente no respeitante a actos de transferência e exoneração praticados legalmente no uso de poderes discricionários relativamente a funcionários de escalão superior da Administração...

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