Acórdão n.º 56/84, de 09 de Agosto de 1984

Acórdão n.º 56/84 Processo n.º 92/83 Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional: I - Introdução 1 - Nos termos e para os efeitos dos artigos 281.º, n.º 1, alínea a), e 282.º, n.º 1, da Constituição, requereu o Primeiro-Ministro a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do Decreto-Lei n.º 349-B/83, de 30 de Julho.

Alega: a) Em 29 de Fevereiro de 1983, o Governo aprovou um diploma, registado no livro respectivo da Presidência do Conselho de Ministros sob o n.º 84-G/83, despenalizador de infracções nos domínios monetário, financeiro e cambial; b) Esse diploma, que invoca o uso de uma autorização legislativa com número e data da lei de autorização em branco, remetido ao Presidente da República, foi promulgado em 8 de Julho de 1983, sem prévia apreciação preventiva da constitucionalidade das suas normas; c) Porém, o Decreto-Lei n.º 349-B/83, que resultou de todo este processo normativo, está ferido de inconstitucionalidade orgânica: por um lado, trata de matéria situada na zona de reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República e, por outro, não só não identifica, como devia, a lei de autorização legislativa a que abstractamente faz apelo, como não está, de facto, coberto pela necessária lei habilitante (artigo 168.º da Constituição); d) A última autorização da Assembleia da República ao Governo para legislar genericamente sobre a matéria fora concedida no decurso da II Legislatura pela Lei n.º 24/82, de 23 de Agosto, que fixara em 3 meses o prazo da sua utilização, daí que aquela habilitação caducasse, em princípio, em 23 de Novembro de 1982; e) Havendo o Governo legislado após o decurso de tal prazo, invadiu, com a emissão do Decreto-Lei n.º 349-B/83, a esfera da competência legislativa da Assembleia da República definida no n.º 1 do artigo 168.º da Constituição; f) Mesmo que existisse uma outra autorização legislativa, teria ela caducado com a demissão do Governo, que precisamente aprovou aquele decreto-lei na situação de demitido; g) E mais sucede que dois dos normativos do diploma em apreço padecem de inconstitucionalidadematerial; h) O artigo 28.º, n.º 1, ao deixar de especificar a sanção em concreto aplicável à infracção prevista, ofende o princípio da legalidade das penas consagrado no n.º 3 do artigo 29.º da Constituição e ainda, de modo indirecto, o n.º 1 do artigo 30.º da lei fundamental; e i) O artigo 27.º, n.os 1 e 2, ao alargar o campo de imputação dos artigos 313.º, 314.º, 317.º, 318.º, 321.º e 322.º do Código Penal de 1886, que fora revogado, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1983, pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, viola os n.os 1 e 3 do artigo 29.º da Constituição, por inexistência de lei incriminadora e de penas anteriores susceptíveis de aplicação aos 'dirigentes, funcionários e empregados das instituições e organismos' a que aquele artigo 27.º alude.

2 - Em resumo, o Primeiro-Ministro formula dois pedidos: Requer a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 349-B/83, porque todas as suas normas violam o artigo 168.º, n.º 1, da Constituição (pedido total); e Em sobreposição relativa, requer a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 27.º e 28.º do mesmo decreto-lei, por infringirem, o primeiro, o artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição e, o segundo, os artigos 29.º, n.º 3, e 30.º, n.º 1 (pedidoparcial).

Antes de entrar no exame de fundo - exame que, nos termos do artigo 51.º, n.º 5, da Lei n.º 28/82, se não limitará à análise das causas de inconstitucionalidade apontadas pelo Primeiro-Ministro -, duas interrogativas se colocam: são admissíveis os pedidos? Haverá interesse jurídico relevante no seuconhecimento? II - Questões prévias 3 - Determina o artigo 51.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que 'o pedido de apreciação de constitucionalidade [...] deve especificar, além das normas cuja apreciação se requer, as normas ou princípios constitucionais violados'.

São assim dois os pressupostos de admissibilidade do pedido e cuja inverificação importa, nos termos dos artigos 51.º, n.os 2, 3 e 4, e 52.º, n.os 1, 2 e 3, da mesma lei, a sua rejeição: Especificação das normas a que se refere o pedido de apreciação de constitucionalidade (pressuposto P1); Especificação das normas ou princípios constitucionais violados (pressuposto P2).

In casu, os pedidos formulados satisfarão esta dupla exigência? 4 - Quanto ao pedido total, e apesar da sua tónica colectiva, a resposta é, sem qualquer hesitação, afirmativa no que respeita ao pressuposto P1. Para efeitos do n.º 1 do artigo 51.º da Lei n.º 28/82, tanto há especificação na indicação norma a norma como na referência por inteiro ao diploma impugnado. O que se pretende afinal é a delimitação rigorosa do campo do direito ordinário posto em causa por parte dos peticionantes do juízo de constitucionalidade. E isso tanto é conseguido de um modo como de outro.

Relativamente ao pressuposto P2, a resposta não pode ser tão imediata. Exige um mínimo de indagação. O Primeiro-Ministro, no seu requerimento, afirma ter sido violado por todo o Decreto-Lei n.º 349-B/83 o artigo 168.º, n.º 1, da Constituição. No entanto, o n.º 1 do artigo 168.º desdobra-se em 22 alíneas e nenhuma é, pelo menos de forma directa, individualizada. Será de dar por inverificado o pressuposto P2? No requerimento do Primeiro-Ministro perpassa a afirmação de que o diploma, que despenaliza infracções nos domínios monetário, financeiro e cambial, é globalmente inconstitucional, por, abordando tal matéria, haver sido emitido pelo Governo sem autorização da Assembleia da República. Daqui resulta a identificação, ainda que por modo indirecto, da alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º, efectivamente visada pelo Primeiro-Ministro, alínea c) que coloca a matéria de 'definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal', na área de competência legislativa relativamente reservada da Assembleia da República.

Assim, e porque se observa também o pressuposto P2, é de concluir pela admissibilidade do pedido total.

5 - Igualmente coexistem os pressupostos P1 e P2 no que respeita ao pedido parcial, que pretende, em esquema de coincidência limitada com o pedido total. embora com outro fundamento, a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 27.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 349-B/83.

Mas, porque estes preceitos, conjuntamente, aliás, com todo o Decreto-Lei n.º 349-B/83, foram entretanto revogados, é de repetir a pergunta já em momento anterior feita: haverá interesse jurídico relevante numa eventual declaração de inconstitucionalidade daquele diploma? O Tribunal Constitucional, na linha da jurisprudência traçada pela Comissão Constitucional (pareceres n.os 1/80, 13/81, 21/81, 22/81, edição oficial, vols. 11.º, p. 23, 15.º, p. 116, e 16.º, pp. 203 e 2170, e 35/81 e 22/82, ainda inéditos), já entendeu, no Acórdão n.º 17/83, que, por um princípio de adequação e proporcionalidade, é de não tomar conhecimento do pedido sempre que se note a falta de interesse jurídico relevante na emissão de um juízo de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Justifica-se agora similar solução? 6 - O Decreto-Lei n.º 349-B/83, de 30 de Julho, que não teve vacatio legis, foi revogado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 356-A/83, de 2 de Setembro, que entrou em vigor no dia imediato ao da publicação. Por sua vez, o artigo único do Decreto-Lei n.º 396/83, de 29 de Outubro, que passou a vigorar a 3 de Novembro seguinte, fez renascer toda a legislação revogada pelo Decreto-Lei n.º349-B/83.

Esta série de diplomas, que em cadeia se sucederam, criaram um complexo conflito de leis no tempo.

O Decreto-Lei n.º 349-B/83 visou, entre outros, é o preâmbulo que o diz, os seguintesobjectivos: Sistematização e actualização da matéria referente a contravenções nos domínios monetário, financeiro e cambial e às respectivas sanções, dispersa por diplomas vários publicados nos últimos 21 anos; Integração de todo o sistema punitivo com introdução de algumas inovações, designadamente as decorrentes da situação resultante das nacionalizações, que determinaram a existência de numerosas empresas públicas; Passagem, na sua generalidade, das infracções de natureza cambial a contra-ordenações, contrariamente ao estipulado nos Decretos-Leis n.os 181/74, de 2 de Maio, e 630/76, de 28 de Julho; Manutenção como crimes de actos de promoção da exportação ilícita de capitais de terceiros e outros equiparáveis; Conservação da punição existente, nos termos estabelecidos no Código Penal de 1886 para os empregados públicos, do pessoal corrupto das instituições e organismos competentes para autorizar ou licenciar actos e operações de naturezacambial.

Como necessária consequência da substituição de um instituto punitivo por outro instituto punitivo, determinou o artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 349-B/83: 1 - São revogados os artigos 89.º a 98.º do Decreto-Lei n.º 42641, de 12 de Novembro de 1959, o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 46302, de 27 de Abril de 1965, o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 47413, de 23 de Dezembro de 1966, o Decreto-Lei n.º 47918, de 8 de Setembro de 1967, o artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 301/75, de 20 de Junho, o Decreto-Lei n.º 67/76, de 24 de Janeiro, o Decreto-Lei n.º 183-B/76, de 10 de Março, a Portaria n.º 269/76, de 29 de Abril, o Decreto-Lei n.º 630/76, de 28 de Julho, e, no respeitante às contra-ordenações e processos previstos neste diploma, os artigos 1.º a 6.º do referido Decreto-Lei n.º 47413 e o Decreto-Lei n.º 205/70, de 12 de Maio.

2 - Consideram-se feitas para as disposições correspondentes deste diploma as remissões feitas para as revogadas pelo número anterior.

Algo paradoxalmente, o Decreto-Lei n.º 396/83, ao fazer reviver o bloco normativo revogado pelo Decreto-Lei n.º 349-B/83, apela para preceitos que este diploma não anulara expressis verbis. Dispõe, na verdade, o artigo único do Decreto-Lei n.º 396/83: É reposta em vigor toda a...

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