Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 173/2009, de 04 de Maio de 2009

Acórdáo do Tribunal Constitucional n. 173/2009

Processo n. 777/08

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do artigo 82. da Lei de Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), a apreciaçáo e a declaraçáo, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 189., n. 2, alínea b), do Código da Insolvência e da Recuperaçáo de Empresas, aprovado pelo Decreto -Lei n. 53/2004, de 18 de Março, «que impóe que o juiz, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, decrete a inabilitaçáo do administrador da sociedade comercial declarada insolvente».

Alega -se no pedido que a norma em causa foi, no âmbito da fiscalizaçáo concreta da constitucionalidade, julgada, por três vezes, materialmente inconstitucional, por ofensa ao artigo 26., conjugado com o artigo 18. da Constituiçáo, no segmento em que consagra o direito à capacidade civil. Tal sucedeu no Acórdáo n. 564/2007 e nas decisóes sumárias n.os 615/2007 e 85/2008.

2 - Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54. e 55., n. 3, da LTC, o Primeiro -Ministro, em resposta, ofereceu o merecimento dos autos.

3 - Debatido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal, nos termos do artigo 63. da LTC, e fixada a orientaçáo do Tribunal, procedeu -se à distribuiçáo do processo, cumprindo agora formular a decisáo.

II - Fundamentaçáo

4 - Náo se suscitam dúvidas quanto ao preenchimento dos pressupostos de que os artigos 281., n. 3, da CRP e 82. da LTC fazem depender a apreciaçáo de um pedido de declaraçáo de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral.Na verdade, como se aduz no pedido, a mesma norma já foi julgada inconstitucional em três casos concretos. No Acórdáo n. 564/2007, foi decidido «julgar inconstitucional a norma do artigo 189., n. 2, alínea b), do mesmo diploma [Código da Insolvência e da Recuperaçáo de Empresas], por ofensa ao artigo 26., conjugado com o artigo 18. da Constituiçáo da República, no segmento em que consagra o direito à capacidade civil». Na decisáo sumária n. 615/2007, por sua vez, decidiu -se julgar inconstitucional a mesma norma «quando aplicada a administrador de sociedade comercial declarada insolvente». Na decisáo sumária n. 85/2008, o julgamento de inconstitucionalidade obedeceu aos mesmos termos dos constantes no acórdáo n. 564/2007.

A mais destas três decisóes identificadas pelo requerente,

também os Acórdáos n.os 570/2008, 571/2008 e 584/2008 e as decisóes sumárias n.os 267/2008, 323/2008, 376/2008, 417/2008 e 425/2008 se pronunciaram pela inconstitucionalidade da norma constante da alínea b) do n. 2 do artigo 189. do CIRE, com fórmulas decisórias idênticas à do Acórdáo n. 564/2007. Os Acórdáos n.os 581/2008 e 582/2008, bem como as decisóes sumárias n.os 288/2008, 321/2008, 371/2008 e 421/2008 julgaram essa norma inconstitucional «na parte em que impóe que o juiz, na sentença, decrete a inabilitaçáo do administrador da sociedade comercial declarada insolvente».

Como se vê, náo há coincidência total na identificaçáo das pessoas sujeitas à aplicaçáo da medida de inabilitaçáo. De facto, enquanto que, num grupo de decisóes (aí incluída a primeiramente tomada), náo se faz qualquer enunciaçáo restritiva, já num outro se circunscreve o juízo de inconstitucionalidade a uma certa dimensáo aplicativa da norma: a aplicaçáo a administradores de sociedade comercial declarada insolvente.

Há, no entanto, que ter presente que, em todas as situaçóes alvo das decisóes apontadas pelo requerente, sempre os sujeitos afectados pelo decretamento da inabilitaçáo revestiam essa qualidade. Daí que, tratando -se de fiscalizaçáo concreta, a «norma do caso» tinha forçosamente esse âmbito directo de incidência, ainda quando a decisáo o náo refira expressamente.

O requerente pede a declaraçáo de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 189., n. 2, alínea b), do CIRE, «que impóe que o juiz, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, decrete a inabilitaçáo do administrador da sociedade comercial declarada insolvente».

Pode concluir -se, atento o exposto, que há correspondência entre o objecto do pedido e o objecto das decisóes de inconstitucionalidade, em três casos concretos.

5 - O artigo 189., n. 2, do Código da Insolvência e da Recuperaçáo de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n. 53/2004, estabelece, sob a epígrafe «Sentença de qualificaçáo»:

Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve:

a) Identificar as pessoas afectadas pela qualificaçáo; b) Decretar a inabilitaçáo das pessoas afectadas por um período de 2 a 10 anos;

c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupaçáo de qualquer cargo de titular de órgáo de sociedade comercial ou civil, associaçáo ou fundaçáo privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;

d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificaçáo e a sua condenaçáo na restituiçáo dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.

A disposiçáo legal prevê, portanto, para além de outras medidas, a inabilitaçáo obrigatória das pessoas afectadas pela qualificaçáo da falência como culposa, independentemente da verificaçáo dos requisitos gerais da inabilitaçáo.

Ainda que com antecedentes remotos no direito pátrio, que remontam ao Código Comercial de 1833, e se prolongaram até ao Código de Processo Civil de 1939, a soluçáo náo se encontrava prevista no Código dos Processos Especiais de Recuperaçáo da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto -Lei n. 132/93, de 23 de Abril, pelo que tem carácter inovador.

Parece poder retirar -se de uma alusáo expressa no n. 40 do preâmbulo do Decreto -Lei n. 53/2004, de 18 de Março, que a fonte directa da norma em causa foi a Ley Concursal espanhola (Ley 22/2003), promulgada pouco antes, em 9 de Julho de 2003. Mas aí (artigo 172., 2., 2.), a condiçáo pessoal designada como «inabilitaçáo» afecta bem menos a capacidade do sujeito afectado, pois retira -lhe apenas legitimidade para administrar bens alheios e para representar outras pessoas - cf. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, I, 6.ª ed., Coimbra, 2006, p. 125, n. 100.

Na doutrina, aventa -se a hipótese de que este diverso alcance se ficou a dever a uma traduçáo à letra do vocábulo...

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